Meio Ambiente
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12 de julho de 2023
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18:24

‘Meu projeto não faria isso’: Arquiteta contratada pela Gam3 critica alteração em obra no Harmonia

Por
Luciano Velleda
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Projeto original previa cortar 80 árvores e o atual 435. Foto: Gabriel Poester
Projeto original previa cortar 80 árvores e o atual 435. Foto: Gabriel Poester

Minutos após o início da reunião da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara, realizada nesta terça-feira (11) para debater as polêmicas em torno das obras no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Parque Harmonia), já era possível perceber a estratégia dos atores presentes.

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De um lado, a Prefeitura da Capital, representada pelo secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, alinhado com a diretora administrativa da Gam3 Parks, Carla Deboni, concessionária do parque, com apoio de vereadoras como Comandante Nádia (PP), Cláudia Araújo (PSD), Jesse Sangalli (Cidadania) e Lourdes Sprenger (MDB). De outro lado, ambientalistas, a maioria do público presente e vereadores como Aldacir Oliboni (PT), Jonas Reis (PT), Giovani Culau (PCdoB) e Professor Alex Fraga (PSOL).

Entre ambos, o destino da fauna e da flora de um dos mais importantes parques de Porto Alegre.

Em termos gerais, a reunião terminou com as mesmas dúvidas e perguntas sem respostas de quando começou. No último dia 4 de julho, a Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) havia pedido a paralisação das obras em curso com base na denúncia de que o projeto em execução não é o mesmo aprovado no Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA).   

O secretário e a diretora da Gam3 Parks refutam a acusação. Bremm manteve o discurso de que as mudanças realizadas são “adequações” necessárias após “análise técnica” do projeto original. Carla Deboni seguiu a mesma linha. A diretora fez a apresentação do contrato de concessão e entregou à Comissão documentos relativos às obras do parque. Ela afirmou que foram solicitadas alterações quando se passou do projeto básico para o executivo, e que o projeto executivo teve “adequações que não desrespeitam as diretrizes” do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) aprovado no CMDUA.

A questão é que a própria arquiteta autora do projeto aprovado diz o contrário. Eliana Castilhos, contratada pela Gam3 para o trabalho, conta que, no projeto original, os caminhos seguiam a topografia do parque. Pelo fato do Harmonia ser uma área de aterro, explica não haver uma declividade que pudesse ser problema em termos de acessibilidade e, por isso, não havia necessidade de se fazer grandes movimentações de terra. É o oposto do que agora já foi feito pela Gam3 Parks.

“Eles estão escavando áreas para criar uma elevação no passeio e deixar o passeio mais ‘retinho’, só que a ondulação não é necessariamente um problema de acessibilidade. A gente poderia não ter feito toda essa intervenção. A gente sai de um projeto que tinha uma remoção de 80 árvores para um projeto que possui a possibilidade de remover até 435 árvores. Como não é um projeto diferente se tem um impacto tão maior na vegetação local?”, questiona a arquiteta.

A arquiteta Eliana Castilhos durante reunião de Comissão de Saúde e Meio Ambiente sobre as obras do Parque Harmonia. Foto: Luiza Castro/Sul21

Na ocasião em que elaborou o projeto, em conjunto com o arquiteto Alan Furlan, ela lembra que já havia polêmica em torno da instalação de uma roda gigante no parque. Por isso, diz que o projeto original procurou diminuir os impactos. “A gente já estava inserindo roda gigante, então já existia uma polêmica, tentar reduzir o impacto era o mínimo que a gente podia fazer para melhorar o aspecto e não perder a percepção de que é um parque, por mais que a gente estivesse inserindo funções dentro. O projeto que apresentamos no EVU buscava menos impacto na composição do parque como um todo”, afirma.

A arquiteta destaca que, dentre as quase 1.300 árvores existentes no Harmonia no momento em que a Gam3 Parks assumiu o parque, em torno de 600 ficam no local chamado de “reservinha” (até o momento não afetado pelas obras). Se no conjunto das 700 árvores restantes, o projeto em andamento vai cortar 435, significa mais da metade das árvores do Harmonia, excetuando a reservinha – ou 1/3 do total.

“Qual efetivamente o impacto disso, a gente consegue mensurar? Qual é o benefício efetivo?”, ela questiona. “A gente tinha feito todo um trabalho para não ter esse tipo de impacto e quando o projeto é apresentado, eles fazem menção ao EVU como se nada tivesse mudado”, critica.

O secretário Bremm e a concessionária argumentam que o projeto executivo, o passo seguinte a aprovação do EVU, é apenas o detalhamento do projeto. Diante da grandeza das alterações, a justificativa da Prefeitura e da empresa não são aceitas pela arquiteta, vereadores e ambientalistas.

“Tem as alterações na movimentação de terra, funções que mudam de lugar, espaços que mudam de lugar, então precisaria ter autorização. O meu projeto não faria isso. Onde estão mapeadas as árvores que vão ser impactadas e que antes não seriam?”, cobra Eliana.

Além de não reconhecer o projeto em execução como sendo aquele que elaborou e foi aprovado, a arquiteta disse que as alterações não tiveram sua autorização, conforme manda a legislação. Ela conta já ter pedido acesso ao projeto em implementação, mas nunca obteve retorno da concessionária. “No Brasil existe uma lei de direitos autorais. Deveria ter sido preservado o projeto, deveria ter sido apresentado e buscado uma autorização para fazer essas alterações e isso nunca foi feito”, enfatiza.

Constrangida por ver seu nome envolvido na polêmica obra, Eliana cobra que a Gam3 Parks, concessionária do Parque Harmonia pelos próximos 33 anos, exponha o projeto que está sendo executado.

O secretário Germano Bremm (à esq.), ao lado da diretora da Gam3, Carla Deboni. Foto: Luiza Castro/Sul21

Durante as mais de três horas de reunião, o secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, e a diretora administrativa da Gam3 Parks, Carla Deboni, focaram suas explicações apenas na nova bacia de amortecimento instituída no projeto após a aprovação do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU).

Por ser área de aterro, Bremm argumentou que é preciso ter uma solução para evitar o alagamento do local. Segundo ele, tal alteração não seria suficiente para exigir um novo Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA). Sobre todas as outras questões colocadas pela arquiteta Eliana Castilhos, não houve comentário.

Proponente da reunião, o vereador Aldacir Oliboni (PT) levantou novas denúncias sobre a obra em curso no Parque Harmonia. Disse que, pelo contrato de concessão, a empresa teria direito a realizar somente três shows ou festivais musicais por ano e já teria realizado ou programado oito eventos semelhantes até o final do ano. Ele também afirma haver descumprimento do contrato pelo fato da empresa não ter cumprido a permeabilidade mínima de 60% quando colocou material semelhante a asfalto no espaço anexo ao parque, onde fica o estacionamento. “Dois fatos que demonstram a falta de compromisso da concessionária no cumprimento do contrato assinado e da gestão municipal em não fiscalizar a sua plena execução”, afirmou.

O vereador também questiona a autorização que permitiu elevar de 12 metros para 25 metros as edificações que serão construídas no parque, assim como o aumento da altura da roda gigante para 72 metros. Tudo após o projeto original ser aprovado no Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU). “Não são pequenas alterações apenas, como quer fazer crer a empresa, e sim mudanças de diretrizes que deveriam passar por novo EVU”, defende.

Ao final da reunião, Oliboni propôs a realização de uma audiência pública sobre o tema e a formação de uma comissão externa, com representação de todas as bancadas da Câmara, para tratar especificamente do projeto no Parque Harmonia. Composta de acordo com a proporcionalidade partidária da Câmara, a comissão externa teria a função de acompanhar as intervenções no parque e apresentar relatório 60 dias após sua instalação.

 

As obras em curso descaracterizaram a paisagem campeira do Parque Harmonia. Foto: Luiza Castro/Sul21

Outros pontos ficaram sem resposta, como a ausência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e laudos de impacto na fauna. O estudo “Estrutura trófica da Avifauna em oito parques da cidade de Porto Alegre”, publicado em 2005, listou 85 espécies de aves no Parque Harmonia. Junto com o Mascarenhas de Moraes, o parque abriga a maior quantidade de espécies de aves na Capital gaúcha.

Com relação às aves, ainda antes da reunião, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) alegou que a área da “reservinha” não está sendo afetada pelas obras e serve como refúgio e proteção das aves. A explicação, porém, foi contestada antes e durante a reunião por Paulo Brack, professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador-geral do Instinto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá).

O ambientalista diz que o Harmonia tinha espécies de aves espalhadas pelo parque, não só na reservinha, incluindo aves de campo – campo agora destruído pelas obras. E destacou que dentre as 85 espécies de aves identificadas no estudo, cinco delas não existem em outros parques.

“Não sabemos a situação da fauna, e que destino as espécies terão. Não há previsão de nenhum procedimento de proteção à avifauna. Uma gravíssima omissão da Smamus que licenciou a obra”, critica Brack, cobrando a ausência de licenciamento ambiental do projeto.

Logo no começo da reunião, a diretora da Gam3 Parks entregou à Comissão um grande volume de documentos e laudos. O material ainda será analisado pelos vereadores. O detalhe é que os documentos entregues se referem ao projeto original aprovado no Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) e que, segundo a própria arquiteta autora, não é o que está sendo executado.

 

Apesar das evidências, Germano Bremm refuta que as obras no parque sejam diferentes do projeto original. Foto: Luiza Castro/Sul21
O professor de Botânica da UFRGS, Paulo Brack, cobra que a Prefeitura atue para proteger a fauna e flora do Harmonia. Foto: Luiza Castro/Sul21
Projeto original de reforma do Parque Harmonia previa a derrubada de 80 árvores e o atual, projeta 435. Foto: Luiza Castro/Sul21

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