Meio Ambiente
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5 de julho de 2023
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17:24

Com cenário de devastação no Parque Harmonia, secretário pede voto de confiança da população

Por
Luciano Velleda
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Entidade ambientalista denuncia que  supressão de vegetação no Harmonia já ultrapassa 2/3 da área do parque. Foto: Gabriel Poester
Entidade ambientalista denuncia que supressão de vegetação no Harmonia já ultrapassa 2/3 da área do parque. Foto: Gabriel Poester

No dia seguinte ao Instinto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) e a Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara de Porto Alegre pedirem a paralisação das obras no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Parque Harmonia), o secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, lembrou das obras na Orla do Guaíba e pediu uma espécie de voto de confiança da população da Capital.

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“Enquanto está sendo executada a obra, pode parecer um pouco assustador que existe uma grande intervenção, mas espero que a população consiga se lembrar de todos os desafios que tivemos antes de entregar o trecho 1 da Orla (do Guaíba), ou o trecho 3, e hoje eles representam o nosso grande cartão postal”, recorda o secretário.

Ao lembrar dos debates polêmicos em torno do projeto de revitalização da Orla, Bremm pede que a população dê a oportunidade de a Prefeitura transformar e dar outro uso para o Parque Harmonia. “Assim como a gente conseguiu evoluir após um amplo debate, bastante polêmico em alguns momentos, com os trechos da Orla e que hoje são orgulho dos porto-alegrenses, que também nos deem a oportunidade de qualificar esse parque para ter uso durante todo o ano e não só nos períodos festivos da Semana Farroupilha.”

Ao pedir a paralisação da obras nesta terça-feira (4), a Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Câmara alegou que a decisão se baseia em possíveis modificações feitas pela concessionária Gam3 Parks no projeto original, sem consultar as autoridades competentes e sem receber aprovação do novo Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA).

A hipótese é refutada pelo secretário. Ele defende que todos os ritos da concessão do Parque Harmonia foram cumpridos, incluindo as aprovações e análises técnicas para o projeto que está sendo construído.

“Em se tratando de uma obra de qualificação do parque, é natural que durante o processo de intervenção se tenha um canteiro de obras em curso. Enquanto poder público, estamos acompanhando todo o processo de execução, ele segue estritamente aquilo que foi aprovado, tanto na escala macro da viabilidade urbanística, quanto dos projetos complementares em atenção à respectiva autorização para a remoção de vegetação”, afirma.

O corte de árvores e a supressão da vegetação do parque chamou a atenção de vereadores e ambientalistas. Em ofício encaminhado, nesta terça-feira (4), ao secretário Germano Bremm e à Promotoria de Justiça e Defesa de Meio Ambiente do Ministério Público Estadual, o Instinto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) denuncia uma série de danos graves à flora e à fauna no Harmonia em decorrência das obras e da pavimentação feita pela empresa Gam3 Parks, que ganhou a concessão da área. A empresa diz que, até o momento, foram removidas 102 árvores.

“Chamou-nos a atenção, especialmente, a dimensão da intervenção de retirada de vegetação, com extensa movimentação de terra, aterros, pavimentação, incluindo a quantidade de máquinas (tratores e caminhões com aterro, etc.), operando ao mesmo tempo, destruindo o hábitat de aves e outros organismos silvestres”, diz trecho do ofício.

A entidade ambientalista calcula que 2/3 da vegetação do parque tenha sido retirada. “A supressão de vegetação ultrapassa pelo menos 2/3 da área do parque, comprometendo centenas de exemplares arbóreos, restando poucas áreas verdes de gramados, agora substituídos por enormes áreas de aterro e áreas de pavimentos com concreto e asfalto (estacionamentos), abertura de valas para tubulações e outras construções.”

A Gam3 Parks informa ter recebido a Autorização Especial de Remoção de Vegetação em dezembro de 2022, a qual prevê a remoção de 432 árvores, com a obrigação de  compensar com o plantio de 1.906 novas mudas na área de concessão “respeitando o novo projeto paisagístico”.

“A remoção até então está sendo conduzida para minimizar remoções desnecessárias e deve seguir em número bem menor do que o autorizado na conclusão do projeto. Das 102 árvores removidas, 38 estavam em condições fitossanitárias ruins ou caíram devido a ventos e chuvas; 24 árvores sofreram quedas ou mortandades devido às condições climáticas. No último ciclone registrado no dia 16 de junho de 2023, foram contabilizadas 11 vegetais com quedas devido às fortes rajadas de ventos”, afirma a empresa.

Até o momento, a empresa que administra o Harmonia removeu 102 árvores, mas tem autorização para cortar 432 no total. Foto: Gabriel Poester

No documento enviado ao Ministério Público Estadual e ao secretário Bremm, o InGá critica a ausência de análise no corte de árvores, incluindo não somente o aspecto quantitativo, mas o qualitativo, considerando a idade e outros aspectos de interesse, tanto de espécies nativas quanto exóticas.

Ao se referir à Autorização Especial de Remoção de Vegetação concedida a Gam3 Parks, a entidade ambientalista também critica a ausência de qualquer comentário em relação a outros tipos de vegetação para além das árvores, muitas plantadas há mais de 40 anos, e qualquer avaliação do impacto sobre a fauna, constituída por cerca de 50 espécies de aves.

“Na página 22 do referido documento e em nenhum outro trecho do mesmo não se avalia a perda de área verde e sua substituição por construções, asfalto e concreto, e, ao contrário, fala em ‘benefícios’: ‘As medidas compensatórias seguirão um novo projeto paisagístico no qual serão priorizadas as árvores de médio e grande porte nativas do município, ou seja, um ganho de área verde com espécies benéficas à fauna local e com características da região’”, salienta outro trecho do documento.

O secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre também  destaca que a autorização do corte de 432 árvores, ao ser compensada com o plantio de 1.906 mudas, terá a vantagem de trocar espécies exóticas por vegetação nativa da Capital. “Essa sim atende o ecossistema ambiental e um equilíbrio com a fauna”, afirma.

A explicação, todavia, é questionada pela entidade ambientalista. “Serão mudas jovens, diferentemente da arborização e dos serviços ecossistêmicos das árvores antigas suprimidas. Assim, surpreende que desconsiderem que a arborização existente tem pelo menos mais de 40 anos (o parque surgiu em 1981), ou seja, exemplares já bem adultos, que chegariam a quase meio século nesta década, serão substituídos por mudas de 1,8m de altura que levarão mais 40 anos para atingir o porte das atuais”, pondera o InGá.

Ao pedir a paralisação das obras, a entidade ainda justifica ter constatado “dezenas de injúrias ao conjunto arbóreo remanescente”. Como exemplo, cita depósitos de entulhos, terra e asfalto em cima de base de árvores, depósito de troncos e galhos cortados em margem de vegetação de mata e áreas úmidas, o que comprometeria “de forma praticamente irreversível” os espaços verdes com gramados e arborização do Parque Harmonia.

“O atual projeto demonstra total retirada de áreas de gramados, o que caracterizava o Parque de Harmonia, pela sua paisagem campeira. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (SMAMUS), ao que tudo indica, transfere quase que totalmente a gestão de suas áreas verdes urbanas para empresas que, evidentemente, não prezam por manter os atributos naturais de nossas áreas verdes e visam, ao contrário, obter atividades que gerem negócios, pagamentos por estacionamentos e serviços”, afirma o InGá.

Na próxima terça-feira (11), os membros da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara de Porto Alegre farão uma visita técnica ao Parque Harmonia, com a participação de entidades ambientalistas, representantes da Prefeitura e da empresa Gam3 Parks.

 

Obras no Parque Harmonia. Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Obras no Parque Harmonia. Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Reforma no Parque Harmonia. Foto: Luiza Castro/Sul21

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