Meio Ambiente
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29 de setembro de 2022
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18:22

ANEEL realiza leilão para contratar energia que amplia emissão de gases do efeito estufa

Por
Luciano Velleda
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Especialistas criticam expansão de novas termelétricas ao invés do Pais investir em fontes de energia renováveis. Foto: Divulgação/GNA
Especialistas criticam expansão de novas termelétricas ao invés do Pais investir em fontes de energia renováveis. Foto: Divulgação/GNA

“Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente, ou foi mão de gente.” 

A frase do ex-presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães foi formulada para explicar a inclusão de emendas parlamentares em Medidas Provisórias (MPs) sem qualquer conexão com o tema. Décadas após a morte do “Senhor Diretas”, como Ulysses era chamado por ter liderado o processo da nova Constituição Brasileira, os “jabutis” seguem soltos no topo das árvores do Congresso Nacional.

O último grande exemplo da artimanha ocorreu na MP da privatização da Eletrobras (que virou a Lei nº 14.182), aprovada dia 21 de junho na Câmara dos Deputados por 258 votos favoráveis e 136 contrários. Dias depois o texto foi aprovado no Senado por 42 votos a favor e 37 contra. Diversas emendas foram propostas no texto-base da privatização da Eletrobras, mas uma delas, em especial, se destacou como o grande jabuti.

Trata-se da emenda que obriga o governo federal a contratar 8 gigawatts (GW) de energia gerada por usinas termelétricas a gás – como comparação, tal quantidade representa meia usina hidrelétrica de Itaipu. Não é pouca coisa. Parte desse total, 2 GW, vai a leilão nesta sexta-feira (30), enquanto a sociedade está mobilizada para o primeiro turno das eleições.   

O Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Energia (LRCE, Portaria Normativa nº 46) estipula que essas termelétricas irão operar na modalidade inflexível, ou seja, ligadas pelo menos 70% do tempo ao longo do ano. Simulação realizada por Dorel Soares Ramos, especialista do setor elétrico e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), em parceria com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e com apoio do European Climate Fund (ECF), prevê que essas termelétricas acrescentarão R$ 111 bilhões ao custo de operação e manutenção do sistema elétrico do País entre 2022 e 2036, em comparação ao cenário de referência do plano decenal energético (PDE 2031, realizado pelo governo federal).

Para tentar barrar o leilão destes 2GW, a Coalizão Gás e Energia impetrou uma Ação Civil Pública que visa cancelar o ato a ser realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). No pedido, a Coalizão apresenta uma série de argumentos sobre os problemas ambientais, sociais, climáticos e econômicos do leilão.

A Coalizão Gás e Energia e outras entidades ambientalistas afirmam que a produção de 8GW de energia gerada por usinas termelétricas a gás será um ônus para os consumidores brasileiros. A estimativa é que a conta de luz possa ficar 10% mais cara no cenário com as térmicas inflexíveis. Além dos custos referentes à construção e operação das usinas, há também o valor adicionado devido à expansão dos gasodutos que serão construídos para abastecê-las. 

O jabuti aprovado pelo Congresso pensou em tudo. Além de obrigar o governo federal a comprar energia de novas termelétricas, a emenda indicou exatamente onde elas deverão ser construídas. No Brasil, as melhores chances de perfurar o solo para obter gás natural são nas regiões próximas ao litoral. Porém, não foi perto do litoral que o Congresso determinou a construção das novas termelétricas, pelo contrário, foi longe e ainda em áreas sem infraestrutura de gasodutos, como em locais da Região Norte e Nordeste do País. A razão só pode ser uma: favorecer as empresas privadas que irão construir os gasodutos.

As termelétricas no Brasil costumam ser acionadas para complementar a geração hidrelétrica em períodos de seca, como tem acontecido nos últimos anos. Isso, no entanto, vai mudar com a contratação das novas usinas termelétricas inflexíveis. Ainda que o gás natural seja o “menos pior” dos combustíveis fósseis, seu estímulo no Brasil vai na contramão das possibilidades que o País tem de ampliar sua matriz energética com fontes renováveis.

A construção e obrigatoriedade do governo federal contratar 8GW das novas termelétricas irá reduzir o espaço de operação de fontes renováveis mais econômicas, como solar e eólica. É o que mostra o estudo técnico do professor Soares Ramos e o Plano Decenal de Energia 2031 (PDE 2031). Além de parques eólicos e usinas solares serem contratadas em menor volume, apesar de terem custos bastante inferiores às termelétricas, as usinas hidrelétricas já operantes deverão desperdiçar mais água de seus reservatórios para abrir caminho para novas termelétricas operando em tempo integral.

Dados do Boletim Leilão de Energia Elétrica, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), indicam que além de encarecer o preço da conta de energia dos consumidores, as novas usinas referentes aos 2 gigawatts (GW) devem emitir 5,2 milhões de toneladas de CO2 ao ano a partir do fim de 2026. A medida também representa um aumento de mais de 39% nas emissões de gases de efeito estufa do setor elétrico registradas em 2021. 

“Essa medida aumenta o abismo social no Brasil e contribui para o agravamento da crise climática global, colocando o país na contramão do Acordo de Paris, firmado para mitigação de seus impactos”, afirma Ricardo Baitelo, gerente de projetos do IEMA.  

A contratação de novas termelétricas aumentará também as emissões de poluentes locais, onde falta monitoramento público da qualidade do ar, e fará pressão sobre as bacias hidrográficas, pois essas usinas geralmente precisam de grande volume de água para resfriar suas turbinas.

“No cenário atual, com 90% das famílias brasileiras sendo impactadas pelos altos custos da conta de luz, conforme apontado em recente pesquisa do Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) e Instituto Clima e Sociedade (iCS), é escandaloso que o Congresso Nacional aprove uma lei que resultará em mais um aumento acentuado das contas de energia. Além do cancelamento desse leilão, a Coalizão Gás e Energia pede a revogação da contratação dos outros 6 GW de termelétricas previstas”, afirma a organização.

A entidade destaca que o Brasil tem aberto cada vez mais caminhos para o aumento da demanda de gás natural em benefício de interesse privados, especialmente no setor elétrico. 

“O setor elétrico pode ser vetor de desenvolvimento e contribuir para a redução da desigualdade social e a retomada da economia. Mas, para isso, suas políticas devem atender a critérios de justiça socioambiental, ancoradas em informações técnicas e desenhadas com participação social. Por isso, o grupo de organizações ressalta que não quer energia elétrica a qualquer custo, mas que seja limpa e acessível para todos os brasileiros. Afinal, energia elétrica é um direito”, sustenta a Coalizão Gás e Energia.

Segundo Juliano Bueno de Araújo, especialista em transição energética e doutor em riscos e emergências ambientais, quando o Conselho Nacional de Políticas Energéticas, a Empresa de Políticas Energéticas e a ANEEL decidem ampliar a produção de energia elétrica por meio da queima de combustíveis fósseis (gás e carvão), isso compromete os custos tarifários de todos setores econômicos e do consumidor doméstico, trazendo prejuízos à competitividade nacional com uma tarifa que se projeta nos próximos anos em mais de 150%, alem do aumento das emissões de Gases de Efeito Estufa. 

“Isso faz com que o país descumpra seus acordos internacionais climáticos, sendo um claro retrocesso”, afirma o diretor-técnico do Instituto Internacional Arayara e do  Observatório do Petróleo e Gás. 


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