![Sede da EPTC na Av. Érico Veríssimo. Foto: Isabelle Rieger/Sul21](https://sul21.com.br/wp-content/uploads/2024/04/20240410-IMG_6526-450x300.jpg)
A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) foi criada em 1998 dentro de um novo contexto para pensar a mobilidade urbana no país. Naquele ano, o novo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabeleceu a municipalização da mobilidade urbana. Até então, a fiscalização do trânsito na capital gaúcha era uma função da Brigada Militar. Com a aprovação do novo CTB, essa atribuição passou para a Prefeitura. Mas a EPTC não foi criada apenas pensando em um órgão de fiscalização do trânsito. A ideia era construir um órgão público capaz de pensar a mobilidade da cidade como um todo. Com o crescimento desordenado das grandes cidades brasileiras, o tema da mobilidade passou a assumir um caráter cada vez mais estratégico para pensar a qualidade de vida da cidade como um todo. A enchente que Porto Alegre viveu nas últimas semanas, cujos efeitos ainda vão perdurar por um tempo indeterminado, evidenciaram esse caráter estratégico do tema circulação para a mobilidade como um todo, não só da capital, mas de toda a Região Metropolitana. E como anda a situação da EPTC para cumprir essa função?
O Sul21 foi ouvir servidores e profissionais que participaram da criação da empresa pública para buscar uma resposta a essa pergunta. A falta de planejamento para a mobilidade de Porto Alegre e o sucateamento da empresa mostraram, na avaliação desses servidores e ex-dirigentes, tanto a importância do papel atribuído a EPTC desde sua criação e os crescentes obstáculos para que esse papel seja cumprido, em função do processo de sucateamento a que o órgão vem sendo submetido nas últimas administrações municipais.
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José Carlos Moraes, agente de apoio técnico na EPTC e diretor do Semapi Sindicato, descreve um “esvaziamento sem reposição do conhecimento técnico” na empresa. “Projetos de trânsito estão sendo terceirizados, e normalmente é uma decisão vertical. O gerente de Transporte está trabalhando da sede da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), enquanto os colegas trabalham da sede da EPTC na rua Gênova”. Para Moraes, esse é um indício de que o planejamento da mobilidade em Porto Alegre está sendo transferido para as empresas privadas, representadas pela ATP.
O agente pontua que grandes projetos de trânsito, como a segurança viária, vêm sendo feitos por escritórios de fora da empresa e passam depois pelo crivo de especialistas da EPTC. “Já está tudo terceirizado”.
Segundo Moraes, o cenário reflete na atuação da empresa diante da enchente que atingiu a Capital. “As alterações nos itinerários se dão a partir do que os empresários da ATP pedem para o nosso gerente. Isso causa um transtorno, porque ontem mesmo eu fui pegar um ônibus que não passou. Eles estão operando de uma maneira que não é planejada, estão apagando incêndio toda hora, tomando decisões de forma confusa. A EPTC reproduz o que se vê da gestão municipal como um todo: ingerência e desconhecimento de como funciona a cidade em um momento de crise”.
Devido aos bloqueios causados por alagamentos, principalmente nas regiões do Centro, 4º Distrito e Cidade Baixa, 67 linhas de ônibus deixaram de operar na Capital.
Mas outro fator compromete, desde muito antes da enchente, o cumprimento da missão da EPTC de planejar a mobilidade da Capital: a redução no quadro de funcionários. Uma servidora que trabalha há mais de dez anos na empresa como Técnica em Trânsito e Transporte relata que, no setor em que atua, falta tempo hábil para fazer qualquer tipo de planejamento. “A gente fica só apagando incêndio, respondendo às demandas do dia a dia, porque não tem pessoal. É um trabalho muito reativo e não propositivo”, diz a funcionária que optou por não se identificar por medo de represálias. “Em função desse enxugamento, não conseguimos mais cumprir a função da EPTC. Não se fala mais em grandes projetos, como metrô e VLT, como no passado. O trabalho só aumenta e quem perde é a cidade”, desabafa.
De fato, o quadro de funcionários da estatal teve redução média de 11 pessoas por ano nos últimos cinco anos. E, desde 2014, já são 157 servidores a menos. Em contrapartida, aumenta o número de cargos vagos na empresa. As funções que mais vêm tendo redução de pessoal são agente de fiscalização, agente de serviços gerais, agente de atendimento ao público e técnico de trânsito e transporte.
“Comparando com quando a EPTC foi criada, hoje temos bem menos agentes de fiscalização. Por outro lado, existe mais fiscalização eletrônica. São menos agentes na rua, mas tem muito mais inteligência por trás”, afirma Régulo Ferrari, Técnico em Trânsito e Transporte que trabalha há mais de 20 anos na empresa e passou por todas as gerências da estatal.
De 2014 a 2023, são 66 funcionários a menos cumprindo a função de fiscalizar o trânsito. Hoje a empresa conta com 495 fiscais. Quando acontece um temporal ou um grande engarrafamento, uma parte das equipes precisa se deslocar especialmente para atuar nesses casos. “Tem certas coisas que demandam ter o agente na rua”, diz o técnico.
No entanto, a ajuda da tecnologia não chegou em todos os setores da EPTC. “Aqui não houve evolução nesse quesito. Com tanta tecnologia disponível no mercado, a gente ainda usa muito o papel, o formulário escrito” – quem diz isso são dois funcionários que trabalham, ambos há mais de uma década, na Gerência do Mobiliário e Sinalização Viária da empresa. Eles também não quiseram ter a identidade exposta. A redução do número de servidores, no entanto, é geral: “Hoje já não conseguimos fazer o mesmo atendimento que fazíamos anos atrás pela defasagem do quadro”, afirma um dos funcionários. “Acho que, no geral, a cidade cresceu e a estrutura da EPTC reduziu. Estamos relativamente ‘ao contrário’ da cidade”.
A servidora que atua como técnica de trânsito e transporte relata que, há anos, vê os colegas saindo da empresa para assumir outros cargos ou até sem ter uma outra perspectiva de emprego. “Não tem como a EPTC cumprir a função dela se não tem pessoal”, resume. Dentro dessa área de atuação dentro da estatal, a tecnologia pode até ajudar, mas não substitui as pessoas. “No caso do planejamento, não teria como automatizar. O que falta mesmo é o capital humano, com disponibilidade de horas para pensar. A gente fica numa situação até adoecedora no trabalho, porque isso e aquilo é urgente, e não tem pessoal para fazer. Além disso, não tem pesquisa recente para subsidiar nossos pareceres, já que a própria equipe de pesquisa está reduzida. Temos que aguardar novas pesquisas, muitas vezes pressionados para dar um retorno rápido”.
O mais recente concurso público da EPTC foi realizado em 2016 e válido até 2023. Em março do ano passado, foram convocados 33 candidatos classificados para vagas na área administrativa. Já em maio, houve a convocação de mais 55 candidatos. Entre eles, 46 agentes de fiscalização e nove agentes de atendimento.
Tramita ainda um projeto de lei, de autoria da Prefeitura de Porto Alegre, que cria a Guarda Civil Metropolitana e atribui a ela funções de fiscalização de trânsito. Para o Semapi, esse pode ser mais um motivo para esvaziar ou extinguir a EPTC. “A Prefeitura não vai ficar com dois órgãos com as mesmas atribuições. E a nossa parte administrativa, operacional, para onde vai?”, questiona o representante do sindicato.
“A EPTC é importante, mas ela tem cumprido apenas prestação de serviço e não a gestão da mobilidade. A empresa não ocupa um espaço importante na gestão da tarifa, não tem um papel na mudança dos modais prioritários, continua criando facilidades para o automóvel e dificuldades para o pedestre, para o ciclista e para o transporte público”, resume o ex-presidente da empresa, Mauri Cruz. “Isso não é culpa só da EPTC. O problema é a concepção de cidade, essa visão de que a cidade é um negócio”, afirma.
Ferrari corrobora: “os projetos de grande impacto da cidade não dependem só da EPTC. Mas, infelizmente, o planejamento urbano em Porto Alegre fica muito em cima do Plano Diretor, um instrumento burocrático que envolve várias pessoas na aprovação de projetos”. Ao mesmo tempo, segundo Régulo, as diretrizes da lei que orienta o desenvolvimento urbano do município não são seguidas à risca. “O Plano Diretor diz que uma determinada região deve ter determinada função, mas se o mercado exige que seja outra, a gente corre muito atrás do investidor. Se o investidor quer fazer alguma coisa, ele mobiliza toda a Prefeitura em razão daquele projeto”, pontua.
Como o Sul21 mostrou na série Donos da Cidade, a participação ativa do setor empresarial no Plano Diretor foi demarcada na véspera do início da conferência de revisão do documento, em 2023. Representantes de 46 entidades do setor convocaram uma entrevista coletiva para lançar o movimento Porto Alegre+, cujo objetivo é justamente apresentar contribuições ao processo.
Em 1998, o novo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) passou a prever a municipalização da mobilidade urbana. “A fiscalização do trânsito era função da Brigada Militar e passou a ser das prefeituras”, explica Ferrari. No mesmo ano, foi criada a EPTC. “As questões sobre mobilidade humana dentro das cidades antes eram tratadas apenas como transporte, e não de trânsito como um todo. A EPTC foi criada para agilizar e modernizar esse serviço”, diz.
Profissional que participou do processo de criação da empresa, Mauri Cruz observa que uma das funções iniciais da EPTC era gerir a câmara de compensação tarifária. Os modais funcionavam com tarifa única, mas os custos de cada empresa de transporte eram diferentes. Por isso, foi delegada à EPTC a missão de fazer a compensação desse valor às empresas. “A forma de se ter controle sobre o sistema de transporte era a gestão da receita pública. E isso não poderia ser feito pela então Secretaria Municipal dos Transportes (SMT), mas sim por uma empresa com autonomia”, afirma Cruz.
Na virada do milênio, já se discutia bilhetagem eletrônica: todos os usuários teriam um cartão mobilidade que daria acesso ao ônibus, à lotação e à área azul. A estatal concentraria a receita da tarifa e geraria a compensação para remunerar as empresas. “A EPTC veio para substituir uma ideia de que, para o serviço público ser de qualidade, as empresas tinham que ser públicas. Nós nos convencemos de que o importante era ter o controle da receita, e não dos ônibus”, diz o fundador.
Mas a gestão do trânsito foi o que consumiu a maior parte dos esforços da empresa no início. “Até o ano 2000, ficamos estruturando o trânsito, e nesse período a EPTC não teve condições objetivas de dar conta da tarefa inicial”, relembra Cruz. “Quando passou essa fase, já no governo Fogaça (2005 a 2010), ele passou a gestão da câmara de compensação tarifária para a ATP, à revelia da lei”, afirma Cruz.
A EPTC queria repetir experiências de cidades europeias, como Barcelona, que juntaram todas as competências de planejamento urbano em uma só. “A proposta era ter menos secretarias de planejamento e mais órgãos de execução”, resume o fundador. “Chegamos a pensar nas secretarias de Obras, de Planejamento, de Transporte e de Meio Ambiente trabalhando fisicamente no mesmo espaço, para que houvesse esse planejamento conjunto. De alguma forma, todo mundo ia para o mesmo lugar fiscalizar a sua competência. Ia o fiscal de obras, de transporte…”, aponta Cruz. “A mesma Prefeitura acabava mandando vários fiscais – e manda até hoje”.
Cruz, que também foi Secretário Municipal de Transportes entre 1999 e 2000, explica que a pasta continuou exercendo suas funções em paralelo à EPTC. “Nosso modelo de gestão previa uma secretaria de transportes justamente com essa tarefa de pensar a relação da mobilidade com o planejamento urbano. A mobilidade como indutora de um desenvolvimento mais integrado e harmônico, com vários pólos de atenção, pluricentral”.
Porto Alegre é uma “cidade radial para um único centro”, segundo Cruz. Por isso, foi pensada pela EPTC para ter diversos “corredores de desenvolvimento”. “Eram os corredores exclusivos do transporte. O exemplo concreto disso é a Terceira Perimetral, que induziu a ocupação no entorno dela”, detalha.
O Plano Diretor de Transporte, elaborado pela estatal no final de 2000, previa que a Carris deixaria de operar linhas transversais: até 2030, passaria a operar o VLT – veículo leve sobre trilhos. Ele estaria presente nas radiais Protásio Alves, Osvaldo Aranha, Farrapos, Cavalhada, Bento Gonçalves e João Pessoa. O pavimento dos corredores de asfalto chegou a ser trocado para concreto, a fim de instalar os trilhos do VLT posteriormente.
“Nós teríamos sete linhas radiais e três transversais de VLT operadas pela empresa pública. O projeto de mobilidade da década de 2000 era uma transição energética do transporte. Na parte de preparar Porto Alegre para o futuro, que é 2030, como foi pensada, infelizmente não foram dadas condições para a EPTC cumprir sua função”, pontua Cruz.
“A mobilidade é um tripé. Tem a engenharia, a fiscalização e a educação para o trânsito”, explica Ferrari. Mas esses três pilares são distribuídos em diversas gerências na EPTC, conforme o organograma da empresa. Existe um setor que gere a operação do transporte público, por exemplo, e outro que planeja o trânsito na cidade. A fiscalização do trânsito e do transporte se desdobra em duas gerências diferentes.
Logo abaixo da presidência, a Coordenação de Educação para Mobilidade executa ações de conscientização dos motoristas, ciclistas e pedestres. “É um trabalho de formiguinha”, afirma Ferrari. “A equipe vai numa escola, faz campanha, participa de disciplinas universitárias. A educação se reflete principalmente na redução dos acidentes e das mortes”. A EPTC é responsável por manter e alimentar o Observatório de Mobilidade, cujos dados abarcam os acidentes de trânsito desde 2010. No primeiro ano da série histórica, foram registrados 26,5 mil acidentes – 136 com vítimas fatais. Esse número caiu para 15,2 mil em 2023, quando 70 pessoas morreram no trânsito.
O trabalho de educação para o trânsito é feito pelos próprios fiscais que trabalham na empresa. “Quando acontece um forte temporal, por exemplo, esse trabalho é suspenso. Todo mundo precisa se deslocar para trabalhar na emergência e a educação acaba ficando em segundo plano”, diz Ferrari. No entanto, segundo o técnico, o setor é essencial. “Países onde o trânsito é bem mais civilizado são países que já passaram por essas fases de educaçao no trânsito, de fortes multas para disciplinar os condutores”.
Já na Gerência de Mobiliário e Sinalização Viária (GMSV), trabalham os responsáveis por executar desde a implantação da sinalização de trânsito até a manutenção e conservação dela. Placas, pinturas na via, iluminação e cobertura das paradas de ônibus – é tudo realizado pela GMSV. “Recebemos as demandas através do [telefone] 156, quando é uma solicitação da comunidade, e dos projetos de implantação que vêm do próprio setor de projetos. As demandas são selecionadas através de uma triagem de prioridade e distribuídas para as equipes”, explica um dos funcionários. A GMSV atende cerca de 20 solicitações por dia. “As equipes costumavam sair com seis pessoas. Hoje saem hoje saem entre três, quatro no máximo”.
A EPTC tem sede na rua João Neves da Fontoura, no bairro Azenha, e também conta com um posto de atendimento ao cidadão na rua Érico Veríssimo, em frente ao ginásio Tesourinha. As instalações da Érico Veríssimo, no entanto, darão lugar ao novo Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV), que será construído ali. A Prefeitura quer lançar a licitação da obra no segundo semestre deste ano e prevê aplicar R$ 300 milhões até 2026 na construção do prédio e na compra de equipamentos.
A gestão municipal ainda não informou à EPTC sobre para onde a empresa será transferida com as obras do hospital. Ao Sul21, a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU) disse apenas que o assunto está sendo tratado internamente.
“Acho [a mudança] prejudicial, porque a EPTC não está ali de graça”, pondera Cruz. “É um ponto estratégico que dá acesso a vários pontos da cidade. Teria que entender para onde vai [ser realocada a equipe]. O ponto central da cidade seria a rua Carlos Gomes com a Protásio Alves – se forem para lá, talvez o prejuízo seja pequeno”. Além da boa localização, o prédio atual fica ao lado da Procempa, a Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação da Prefeitura. “A Procempa foi muito importante para a EPTC desde o início, porque já começamos a empresa com vários conceitos de tecnologia”, afirma o fundador.
A sede que dará lugar ao hospital foi afetada com a enchente, chegando a ficar alagada. Moraes, do Semapi, teme que a situação sirva como justificativa para acelerar o processo de retirada da EPTC do local – sem uma realocação adequada dos funcionários. Segundo o agente, mais de 30 servidores estão trabalhando em uma sala de 20m² em outra sede da empresa, gerando desconforto.
Já a gerência de sinalização viária, por exemplo, fica numa sede alugada na rua Gênova, bairro Agronomia. “Não é uma coisa fixa, pode ser que o prédio tenha que ser entregue”, diz um dos funcionários, que considera o ponto também estratégico para acesso às diferentes vias da cidade. “Não temos vários postos, como a área de fiscalização. Somos uma sede para toda a Porto Alegre”, explica.
A funcionária que atua como técnica de trânsito e transporte diz que a infraestrutura da sede na Érico Veríssimo “nunca foi muito boa”, já que os prédios construídos no terreno são antigos. “Eles vão fazer um hospital e a gente se pergunta para onde vão os trabalhadores. Eu penso que não cabe no prédio que é do outro lado [rua João Neves da Fontoura]”, diz.
Moraes reforça que tanto a sede na João Neves da Fontoura quanto a da Av. Érico Veríssimo são construções já defasadas e sem manutenção. “O sucateamento da nossa infraestrutura é um modus operandi ao qual estamos acostumados em gestões neoliberais. Sucateiam para depois ter o argumento de fechar a instituição ou transferi-la para o setor privado”.
“Acho que Porto Alegre é uma cidade que consegue fazer muito com o pouco que tem”, resume Ferrari. “Temos uma estrutura viária ruim, estradas que foram sendo alargadas, uma deficiência grande no transporte coletivo – há muito tempo não se investe de verdade nele, em novos corredores ou na integração tarifária. E, apesar disso, a cidade anda”.
Esse “andar” da cidade se deve, em grande parte, à EPTC. “Eu não imagino como seria uma Porto Alegre sem a EPTC, sem uma equipe técnica para ajudar a organizar o funcionamento do trânsito e toda a tecnologia dos radares, dos semáforos inteligentes. A empresa acabou ocupando esse espaço de órgão gestor da mobilidade”, acrescenta Cruz. “É um privilégio. Muitas cidades não têm uma empresa pública com mais de 20 anos de experiência”.
O fundador da estatal considera essencial repensar o funcionamento do transporte público na Capital. “Quando pensamos a EPTC, o financiamento do transporte pela tarifa ainda era viável, diferente de hoje. Os custos estão muito altos e o poder aquisitivo da população caiu, então não tem como garantir, só com a tarifa, um serviço com o mínimo de qualidade. Tem que botar dinheiro público”, afirma.
Não só o transporte, como toda a mobilidade urbana precisa ser repensada, segundo Cruz. “Isso põe na pauta a tarifa zero, que é uma grande política de mobilidade porque democratiza o acesso à cidade. O transporte é um insumo fundamental para o funcionamento da saúde, do lazer e de outros serviços. E a tarifa zero requer um tipo de EPTC diferente de como é hoje. Precisamos olhar para os desafios da cidade nos próximos 30 anos”, diz.
Cruz cita a crise climática e a mudança no mundo do trabalho, com parte da população cumprindo carga horária em home office. “Temos uma cidade com mais cara de serviço do que de produção, e isso altera as dinâmicas de mobilidade. Poderíamos ter um aplicativo [de transporte] não mercadológico, gerido pela própria EPTC, onde os trabalhadores tivessem uma remuneração justa. A EPTC precisa olhar para os desafios da cidade e se reinventar como empresa de mobilidade para dar conta disso”.