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5 de abril de 2024
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17:34

Apenas 8 servidores da Agergs faziam a fiscalização do serviço de energia elétrica no RS

Por
Luciano Velleda
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Desde 2021, a Agergs aplicou R$ 69 milhões em multas à concessionária CEEE Equatorial, uma das mais criticadas pelo serviço prestado  a população do RS. Foto: Luiza Castro/Sul21
Desde 2021, a Agergs aplicou R$ 69 milhões em multas à concessionária CEEE Equatorial, uma das mais criticadas pelo serviço prestado a população do RS. Foto: Luiza Castro/Sul21

“O Estado seguirá firme no seu papel de cobrar a prestação de serviço adequada a todos os gaúchos.” A frase foi pronunciada pelo governador Eduardo Leite (PSDB) em janeiro, após o forte temporal que varreu o Rio Grande do Sul e fez com que as empresas de energia elétrica RGE e CEEE Equatorial levassem muitos dias para restabelecer o serviço. Desde então, outras chuvas – algumas nem tão fortes – deixaram milhares de gaúchos sem luz e cresceu na população a insatisfação com o serviço prestado pelas empresas de energia.

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As reclamações da sociedade impulsionaram a criação de uma CPI na Câmara de Porto Alegre para investigar a CEEE Equatorial, enquanto outra CPI depende de apenas mais uma assinatura para ser instalada na Assembleia Legislativa, onde a base do governo Leite segue não querendo apoiar a investigação sobre as razões para o problema que afeta consumidores de todo o estado. O clamor popular tem aumentado após duas pessoas morrerem devido a choques em fios energizados que se romperam e permaneceram caídos no chão mesmo com a CEEE Equatorial tendo sido alertada sobre o problema. A primeira morte aconteceu em Viamão e a segunda em Bagé, na última quinta-feira (4). 

Em meio a tudo isso, os três contratos anuais que a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) mantinha com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para a fiscalização de 20 distribuidoras de energia elétrica no RS encerraram no dia 31 de março, o que inclui os serviços das grandes distribuidoras de energia CEEE Equatorial e RGE.

Com isso, a Agergs deixa de ser responsável pela fiscalização e aplicação de sanções no setor, bem como deixa de atender demandas de prefeitos, vereadores, deputados, Ministério Público e mesmo reclamações de usuários, que até então eram recebidas pela ouvidoria da agência.

A Agergs aplicou, desde julho de 2021, multas à concessionária CEEE Equatorial que totalizam cerca de R$ 69 milhões. Ao todo, foram três sanções aplicadas. O valor foi reduzido após recursos e atualmente estão em discussão duas multas que somam R$ 49,86 milhões.

Apesar da importância do assunto, somente oito servidores da Agergs cuidavam de toda a regulação do setor de gás e energia elétrica no RS, incluindo o gerente. Agora, com o fim do contrato com a Aneel, nem esses servidores estão atuando na fiscalização dos serviços prestados pelas empresas privadas.

Presidente da Associação dos Servidores da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Asegergs), Luiz Klippert diz que a fiscalização no setor de energia elétrica é diferente de outros serviços fiscalizados pela Agergs, como estradas e saneamento. “A questão da energia elétrica hoje é o ‘calcanhar de Aquiles’, onde estamos realmente enfrentando as maiores dificuldades”, reconhece.

Klippert diz que o governador sabe das dificuldades da agência e, por isso, desde o ano passado há a expectativa do envio de um projeto de lei para reestruturar o quadro de funcionários do órgão. Primeiro havia a perspectiva do projeto ser apresentado na Assembleia em fevereiro, depois em março e, até o momento, nada ocorreu. “Estamos numa situação de compasso de espera”, afirma. “Precisamos da sensibilização do governador para encaminhar o projeto à Assembleia Legislativa para que o parlamento possa discutir e votar o projeto e implementar essa reestruturação.”

 

Constante demora em restabelecer energia elétrica tem revoltado clientes da CEEE Equatorial. Foto: Pedro Piegas/PMPA

Segundo o presidente da Asegergs, a principal medida é a permissão para nomear novos servidores. “É uma situação bastante estressante. Os servidores têm feito um esforço praticamente sobrenatural para dar atendimento a todas as demandas que têm surgido. O corpo funcional tem se desdobrado acima dos limites do aceitável para dar atendimento, porque sabemos que a sociedade não é culpada e precisa de respostas, mas estamos chegando no limite do suportável”, garante.

Por lei, a Agergs pode ter até 96 servidores e hoje tem em torno de 80 trabalhadores. Ainda que haja vagas a serem preenchidas, Klippert explica ser preciso enviar um projeto de lei à Assembleia para “destrancar” a possibilidade de novas nomeações para o quadro inicial da carreira na agência. O outro ponto destacado por ele é a questão financeira. No último concurso realizado pela Agergs, conta ter havido trabalhadores que não quiseram ser nomeados em função do baixo salário em comparação com o setor privado ou outros cargos públicos. Houve inclusive o caso de uma pessoa que pediu demissão no dia seguinte à posse no cargo. Engenheiros, economistas, contadores e administradores são alguns dos cargos com necessidade de ampliação.

“As pessoas que têm qualificação acabam ocupando funções tanto na área privada quanto em outros órgãos públicos que têm uma renda muito superior”, lamenta Klippert. “Falta atratividade para que as pessoas venham trabalhar na agência, porque exigimos alto grau de complexidade e de capacitação técnica, mas não temos como oferecer um salário compatível com aquilo que exigimos, então as pessoas não vêm trabalhar na agência e estão saindo da Agergs”, lamenta.

Ele enfatiza que a agência desempenha um papel relevante para o desenvolvimento econômico e social do RS ao fazer a regulação dos serviços públicos delegados a empresas privadas. Todavia, pondera que tal relevância ganhou visibilidade recentemente após os transtornos causados por longos dias com falta de luz, considerando que o trabalho da agência sempre foi técnico e interno. 

“O trabalho relevante não é de agora, é desde o surgimento da agência, o que acontece é que agora toda essa nova situação fez com que a atividade regulatória passasse a ser mais conhecida da sociedade”, pondera. “A gente percebe que há uma uma certa dicotomia entre o aumento das demandas e a falta de recursos humanos e de estrutura para que possamos dar atendimento a todas essas demandas que estão surgindo e se avolumando.”

Enquanto não dá apoio para a instalação de uma CPI na Assembleia, na última terça-feira (2) Leite determinou a realização de um estudo sobre as medidas que foram solicitadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME) à Aneel para apurar a regularidade de atuação da empresa Enel, concessionária de energia com atuação em São Paulo. O objetivo é avaliar a possibilidade de o governo estadual pedir ao MME que a agência adote procedimento semelhante em relação à CEEE Equatorial.

“Nossa prioridade é a melhoria da qualidade dos serviços públicos. Sensíveis às cobranças da população, cobramos a concessionária e estamos trabalhando junto aos órgãos competentes para que o processo de fiscalização e controle produza seus melhores efeitos e resulte naquilo que importa: um serviço adequado à população”, afirmou o governador.

O MME pediu, na segunda-feira (1), que a Aneel investigue a Enel em razão do histórico de falhas e transgressões na prestação de serviço à população paulista. O processo pode levar à revisão da concessão para fornecimento de energia em São Paulo. O objetivo do MME é avaliar se a Enel descumpriu o contrato, se tem condições técnicas de seguir operando e se atendeu à ordem recente da agência para regularizar serviços.

Ao anunciar o estudo para ver se a Aneel pode investigar a CEEE Equatorial, o governo estadual voltou a afirmar que trabalha na finalização da proposta para fortalecimento da Agergs por meio da ampliação de suas ações de fiscalização.

 

Em janeiro, Luciana Luso de Carvalho (centro) participou de evento ao lado do governador e de representante da Aneel. Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

O impasse com relação à reestruturação da Agergs se soma a outra situação de espera, essa envolvendo as negociações entre a agência gaúcha e a Aneel para a renovação do contrato de fiscalização. Desde o dia 1º de abril, a Agergs está legalmente impedida de manter o trabalho de fiscalização das empresas do setor de energia. Na última quarta-feira (3), representantes da Agergs e da Aneel se reuniram em Brasília para tratar do tema, mas o primeiro encontro terminou sem acordo.

“Se houver a renovação de um novo termo, então a Agergs poderá efetivamente cumprir novamente o seu papel de fiscalização”, explica Luiz Klippert. No entanto, ele destaca que a renovação do contrato é uma situação complexa, afinal, a própria Aneel passa por dificuldades de falta de pessoal e de recursos para dar conta de demandas nacionais. Por isso, diz Klippert, a Aneel necessita das parcerias com as agências reguladoras estaduais. Ainda assim, a perspectiva de acordo pode não ser tão otimista.

“Há um risco considerável de redução da abrangência de atuação da Agergs no Rio Grande do Sul por conta das nossas deficiências”, afirma. Diante deste cenário, o presidente da Associação de Servidores da Agergs volta a pedir sensibilidade do governador para apresentar logo o projeto de reestruturação da agência gaúcha de regulação. Se isso acontecer, ele acredita que a Agergs terá melhores condições na negociação com a Aneel visando a renovação do contrato de fiscalização do setor de energia elétrica.

“A Aneel tem interesse na renovação e a Agergs também tem interesse na renovação. Então não existe um enfrentamento e nenhuma dificuldade de relacionamento que gerasse um rompimento. O que existe hoje é um contrato que venceu e precisa ser repactuado em condições mínimas para ser cumprido. Havendo essas condições, a Agergs certamente vai encaminhar a repactuação e a Aneel torce para que essa repactuação ocorra porque ela também não tem condições de fazer a fiscalização no Rio Grande do Sul”, explica Klippert.

Enquanto as duas agências reguladoras não se acertam, o RS e a população gaúcha ficam numa espécie de limbo, sofrendo com a falta de energia – e de explicações por parte da RGE e, principalmente, da CEEE Equatorial – a cada novo temporal.


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