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19 de fevereiro de 2024
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19:23

CNDH questiona governo Leite sobre adoção de medidas de combate ao racismo nas polícias

Por
Luís Gomes
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Ato contra a violência e ao racismo, organizado pelo Sindimotos, prestou solidariedade a Everton. Foto: Luiza Castro/Sul21
Ato contra a violência e ao racismo, organizado pelo Sindimotos, prestou solidariedade a Everton. Foto: Luiza Castro/Sul21

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) encaminhou nesta segunda-feira (19) um ofício ao governador Eduardo Leite solicitando informações a respeito da detenção do entregador Everton Goandete da Silva, homem negro que sofreu uma tentativa de homicídio enquanto trabalhava no bairro Rio Branco no último sábado (17) e foi algemado e detido pela Brigada Militar ao fazer a denúncia. O Conselho solicitou informações sobre as medidas adotadas pelos agentes de segurança envolvidos na abordagem. Além disso, o CNDH também questionou o governo a respeito da implementação das recomendações feitas pelo Grupo de Trabalho de Combate à Violência contra a População Negra, criado pelo próprio governador Leite em 2020.

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O GT foi instituído após o governador receber, em 2 de julho de 2020, o Movimento Vidas Negras Importam, que cobrou dele a reversão do arquivamento das investigações da morte do engenheiro eletricista Gustavo Amaral, 28 anos, no município de Marau. A vítima coordenava uma equipe de eletricistas e dirigia-se ao local de trabalho, sendo ele o único negro, quando foi parada em uma barreira policial e alvejada por três tiros, tendo supostamente sido confundinda com bandidos.

Após nove reuniões realizadas entre agosto e dezembro de 2020, o grupo apresentou1, 24 propostas de combate ao racismo — entregues ao governador em agosto de 2021 –, que foram subsidiadas por uma manifestação conjunta (ver documento ao final) do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH-RS), do o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra (CODENE-RS) e outras entidades que faziam parte do Grupo de Trabalho.

 

Relatório final do GT foi apresentado ao governador em agosto de 2021 | Foto: Felipe Dalla Valle/Palácio Piratini

As propostas foram dividas em cinco áreas: tecnologia, ensino, treinamento, acompanhamento e fiscalização, e continuidade do GT. Elas incluíam medidas práticas como a criação de uma secretaria específica para o combate ao racismo, apresentação de relatórios anuais sobre ações das corregedorias das polícias civil e militar, a adoção de câmeras no fardamento das polícias, o aprofundamento do ensino de questões étnico-raciais nos treinamentos de formação e posteriores das forças de segurança, a adoção de novos protocolos para evitar o perfilamento racial — quando um indivíduo é considerado suspeito pela cor de sua pele –, entre outros.

Em meio aos trabalhos do GT, o RS também foi marcado por outro episódio de violência racial, quando o João Alberto Silveira de Freitas, 40 anos, foi assassinado por seguranças de um hipermercado da Capital. Apesar de não ser relacionado a uma ação policial, o caso levantou o debate sobre a necessidade da adoção de medidas de enfrentamento ao racismo no Estado

Presidenta do CNDH, Marina Dermmam diz que a entidade acompanha o caso Everton com muita atenção, principalmente pela ausência de políticas públicas efetivas no combate ao racismo institucionalizado no estado do Rio Grande do Sul. “Recordamos que, no ano de 2020, por conta do caso do Gustavo Amaral, o governador instituiu um grupo de trabalho de combate à violência contra a população negra. Naquele ano, um grupo de representações governamentais, conselhos de direitos, movimentos sociais e pesquisadores entregaram ao governo do Estado um relatório com uma série de recomendações de ações para o aprimoramento institucional. O CNDH encaminhou pedido de informações ao governador para que diga sobre o status de implementação dessas ações”, diz Marina.

Ela também avalia que a responsabilização dos agentes envolvidos na abordagem de Everton é fundamental e que o CNDH entende que casos como este não se resumem a uma violência pessoal, pois atingem “o conjunto da coletividade negra, historicamente criminalizada e atingida por práticas violadoras de direitos legitimadas pelo imaginário social e naturalizadas, de forma sistemática, pelas instituições públicas”.

Ubirajara Carvalho Toledo, integrante do Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos (IACOREQ) e do Conselho Estadual de Direitos Humanos, foi um dos integrantes do movimento que instou o governo a criar o GT. Ele pontua que uma das principais proposições do grupo foi a adoção de câmeras corporais pela Brigada Militar, o que ainda não foi adotado no RS. Outra sugestão que destaca foi a adoção de uma formação antirracista e voltada para o respeito aos direitos humanos durante o treinamento de novos policiais. Contudo, ele diz que o governo do Estado nunca procurou os membros do GT, ao menos não o IACOREQ, para informar quais foram os resultados práticos das proposições. Da mesma forma, diz que o IACOREQ não tem conhecimento de nenhuma reunião do Grupo de Trabalho posterior a 2020.

“Infelizmente, nós não tivemos uma devolutiva pelo governo do estado, onde fosse convocada toda a sociedade civil”, diz. “Como militante, é muito triste ver uma instituição em que nós ainda nos deparamos com situações de um passado não tão distante. Sempre vem à tona o assassinato do Júlio César, o caso do homem errado, como se existisse o homem certo, onde um homem negro, pelo fato da sua cor, foi colocado dentro de uma viatura e chegou morto no pronto-socorro. Isso aconteceu em maio de 1987”.

Durante cerimônia de inauguração do Instituto de Educação na manhã desta segunda-feira, o governador Eduardo Leite foi questionado sobre o episódio ocorrido no último sábado. “As imagens que a gente viu na abordagem policial nos deixam muito preocupados sobre o atendimento ao procedimento padrão que é estabelecido para a polícia em toda abordagem de um cidadão e, claro num caso como esse. Agora, a gente não pode fazer, embora as imagens gerem uma impressão, uma análise precipitada. Aliás, o que se critica, justamente, na possível abordagem dos policiais é terem feito um juízo precipitado e, possivelmente, preconceituoso. A gente não pode responder a isso fazendo também um julgamento precipitado e preconceituoso em relação à polícia”, disse o governador.

Leite prometeu que a sindicância aberta sobre o caso no âmbito da Brigada Militar terá “absoluta celeridade” e disse ter a expectativa de que os trabalhos sejam concluídos em até 10 dias. “Estão fazendo oitivas dos policiais, das testemunhas, para identificar o que aconteceu ali, e, se tiver claro um procedimento fora do padrão, haverá consequências para os policiais. Mas precisamos fazer uma análise com toda cautela, com todo o cuidado que esse caso merece”, afirmou.

Questionado no evento pela reportagem do Sul21 a respeito da implementação das sugestões do GT, o governador foi evasivo. “Todos os instrumentos são utilizados como orientação, inclusive, para um processo de formação. Na formação dos nossos policiais, nós temos reforçado as lições relativas a direitos humanos e à forma correta de abordagem. A polícia é feita por ser humanos, homens e mulheres que são um recorte da sociedade. Lá estão negros, brancos ou de outras raças, das diversas religiões e crenças, a polícia é um recorte da sociedade, com todas as suas qualidades e todos os seus defeitos. Ela não é infalível. E, por isso, a gente trabalha sempre para que, quando há um tipo de falha, buscar corrigir e criar condições para que se reduzam as possibilidades de falhas, mas infalível ela nunca será”, afirmou.

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