Geral
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30 de novembro de 2023
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16:46

Professora denuncia caso de racismo institucional em evento do Instituto Federal

Por
Duda Romagna
[email protected]
Foto: IFRS/Divulgação
Foto: IFRS/Divulgação

A professora Giselle de Araújo, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), relata ter sofrido racismo institucional durante uma apresentação de trabalho no 8º Salão de Pesquisa, Extensão e Ensino, que aconteceu no último dia 24, em Bento Gonçalves. Um desentendimento por parte da reitoria fez com que uma servidora entrasse na sala e, segundo Giselle, constrangesse, aos gritos, três alunas e a professora sob a alegação de que o grupo não poderia apresentar o trabalho de forma conjunta. 

Em relato enviado ao Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena (Neabi) da instituição e encaminhado à comunidade estudantil, Giselle explica que, inicialmente, na divulgação do trabalho só constava o nome de uma estudante como apresentadora. Assim, a professora procurou a Pró-Reitoria de Ensino (Proen) para incluir os nomes de mais duas alunas, o que inicialmente foi negado, mas, após tratativas, permitido pela banca. 

Entretanto, a apresentação foi interrompida. “As estudantes já se apresentavam quando a servidora Leila Schwarz invadiu a sala, aos gritos, GRITANDO O MEU NOME e dizendo que as estudantes não apresentariam. Repito: o trabalho já estava sendo apresentado pelas estudantes e a servidora AOS GRITOS, SEM PEDIR LICENÇA, PAROU A APRESENTAÇÃO, constrangendo as estudantes e a todos os presentes”, diz o relato de Giselle, enviado por e-mail* aos colegas. 

“Quanto mais eu respondia com argumentos à citada servidora, mais ela se alterava, tentando impor a um corpo negro, aos gritos, uma superioridade branca delirante, demonstrando descontrole e atrapalhando a apresentação dos outros trabalhos da sala”, continua.

A denúncia de racismo institucional foi formalizada logo após o ocorrido. A professora alega que a atitude da servidora, ao tentar constranger e acuar uma mulher negra expressa racismo porque impõe uma relação de poder através da produção de “mecanismos de exclusão”. “O ódio racial se manifesta quando o racista tenta exercer poder simbólico, discursivo e/ou físico, sobre o sujeito negro, o qual tenta subjugar. Assim, o racismo não precisa ser – e no Brasil quase nunca é – antecedido por ofensas raciais. A motivação é o racismo em si, é subjugar o negro que é, à vista do branco, inferior e, por isso mesmo, não digno de direitos”, explica Giselle.  

Logo após o ocorrido, ainda na sala de apresentação e diante de estudantes e da banca, ela denunciou o ato e sua manifestação foi acolhida por uma das avaliadoras, que informou que incluiria o fato na ata da apresentação. As estudantes e a professora procuraram a direção-geral do campus Alvorada, ao qual pertencem, e um diretor da PROEN, que orientou que a denúncia fosse formalizada por e-mail e que fosse realizado um boletim de ocorrência. 

Em nota, a gestão do IFRS informou que, tão logo recebida a denúncia, ela foi enviada para apuração junto à Coordenadoria de Correição e Gestão de Processos Disciplinares. A ouvidoria deve avaliar a denúncia, podendo consultar outros setores. Como uma das estudantes é menor de idade, o setor de acolhimento deve acionar a Diretoria de Assuntos Estudantis. 

“O IFRS, enquanto instituição, não vai tolerar qualquer forma de racismo. Inúmeras ações institucionais são promovidas pela Assessoria de Relações Étnico-Raciais em articulação com os Neabis pela defesa da diversidade na instituição, como a recente publicação da Cartilha de Enfrentamento ao Racismo no IFRS, além de ações afirmativas, formativas e pedagógicas realizadas em todos os campi. Ações de educação antirracista e que buscam estimular o respeito à diversidade e a boa convivência democrática em suas unidades serão reforçadas entre os estudantes e servidores”, diz a nota.

Para Giselle, não basta que o caso seja apurado individualmente. Ela cobra ações contínuas de fortalecimento dos núcleos de estudo e educação antirracista. “A primeira ação imprescindível é o reconhecimento de que houve racismo e o reconhecimento de que, como instituição, o IFRS ainda tem que lidar com o racismo institucional dentro dos seus campi, dentro da sua reitoria, dentro dos seus espaços de poder e espaços de ensino”, afirma. 

“O combate ao racismo tem que ser público porque o racismo afeta a coletividade negra. E por isso eu fiz a denúncia. Toda denúncia de racismo tem como ação primordial o fator pedagógico. Então, a gente não pode aceitar racismo dentro das nossas instituições.” Ela acrescenta que a formação antirracista deve ser estendida e direcionada aos servidores que assumem cargos de maior poder, como na reitoria.

Ela reitera que não deve recuar da denúncia, ainda que não haja “grandes punições. “Eu tenho uma obrigação ética, moral, pedagógica e didática de seguir com essa denúncia. Apesar de já estar sentindo o peso de denunciar. A invalidação das denúncias está muito nítida, inclusive entre colegas de trabalho. Então o pacto narcísico da branquitude está se realizando, seguindo a mesma dinâmica do racismo já há nas informações de corredor que há uma proteção completa à agressora, um acolhimento a ela por parte de colegas”, finaliza. 

*A grafia do texto não foi alterada para manter os destaques do relato.

Sou a professora Giselle Maria Santos de Araujo, docente do campus Alvorada e coordenadora do projeto de Extensão Tópicos em Educação Antirracista, apresentado no 8° Salão de Ensino, Extensão e Pesquisa do IFRS. Venho trazer o relato e denunciar o racismo institucional de que fui vítima  na apresentação ora citada.

A servidora Rosangela Ferreira, uma das avaliadoras da seção de apresentação de trabalho, anunciou o nosso trabalho constando apenas a estudante Emanoella como apresentadora. Avisei que as três estudantes que compõem a equipe, as bolsistas Bruna Lenz e Luísa Costa e a estudante voluntária Emanoella Oneci, apresentariam conjuntamente o trabalho dentro do tempo de apresentação de 10 minutos, conforme o regulamento. Apresentei o documento enviado pela PROEN do  IFRS constando as três jovens como apresentadoras do trabalho. A servidora  informou primeiramente que iria apenas adicionar a informação da apresentação conjunta em ata. Depois disse que ia perguntar à direção da Semex. Em seguida, a mesma me informou que a representante da Semex, a qual não nomeou, não teria autorizado a apresentação conjunta. Mais uma vez reiterei que as alunas constavam como apresentadoras homologadas do projeto, conforme documento de inscrição. Diante disso, a banca permitiu a apresentação conjunta.

As estudantes já se apresentavam quando a servidora Leila Schwarz invadiu a sala, aos gritos, GRITANDO O MEU NOME e dizendo que as estudantes não apresentariam. Repito: o trabalho já estava sendo apresentado pelas estudantes e a servidora AOS GRITOS, SEM PEDIR LICENÇA, PAROU  A APRESENTAÇÃO, constrangendo as estudantes e a todos os presentes.

As estudantes reagiram e afirmaram que apresentariam todas ou nenhuma apresentação se daria. Eu fui para fora da sala com a servidora e iniciou-se uma discussão. Quando eu disse que a PROEN tinha inscrito todas as estudantes como apresentadoras e que era inadmissível tal atitude, a mesma gritou que ela tinha proibido por e-mail anteriormente a inscrição das mesmas e que se ela tinha proibido, eu não tinha que ter falado com a PROEN. Eu aleguei o óbvio: o e-mail da PROEN, que solicitava dados de autores não inscritos anteriormente, foi enviado a todos e poderia ser respondido por todos.

Diante desse argumento, e ainda bastante  alterada, a servidora tentou alegar que as estudantes foram inscritas apenas para ir ao Salão, mas não para apresentar trabalho. Eu argumentei que o regulamento afirma que só apresentadores seriam homologados para ir ao Salão, e, que portanto, se as alunas foram homologadas, só poderia ser como apresentadoras.

A atitude da servidora ao tentar constranger e acuar uma mulher negra expressa racismo. O racismo, conforme definição de Gonzaléz (1979), Moreira (2019) e Almeida (2018) é uma relação de poder, uma articulação ideológica que se realiza através de um conjunto de práticas sociais que produzem e estruturam mecanismos de exclusão que são variáveis ao longo do tempo e em cada sociedade.

Quanto mais eu respondia com argumentos a citada servidora, mas ela se alterava, tentando impor a um corpo negro, aos gritos, uma superioridade branca delirante, demonstrando descontrole e atrapalhando a apresentação dos outros trabalhos da sala. As estudantes do Tópicos saíram da sala preocupadas com a minha integridade física, posto que os gritos da servidora adentravam o ambiente, e eu deixei claro para a mesma, no mesmo tom, que as estudantes tinham o direito de apresentarem, e que sua atitude era anti-pedagógica, antiética,  anti-didática e arbitrária. E que eu, como coordenadora, não aceitaria tal conduta. A servidora, então, afirmou: “só você fez isso de trazer três apresentadoras para um mesmo trabalho”. O que eu contestei afirmando que vários projetos foram apresentados de forma fragmentada por alunos diferentes.

Diante de minha firmeza e rigidez, a servidora foi baixando o tom, tentando mudar a narrativa, alegando que foi um mal entendido e, ao final, disse que “abriria uma exceção” permitindo a apresentação conjunta como se nós é que estivéssemos erradas. Mas na hora de voltarmos à sala, não retornou junto, mesmo eu cobrando que assim o fizesse, e eu que tive que informar à mesa que a apresentação ocorreria.

Tal violência sofrida por mim e minhas bolsistas infelizmente não nos surpreende. Tivemos na prática a mostra de como o racismo institucional opera até mesmo em instituições que se posicionam no campo progressista. Moreira (2019) assegura que o racismo institucional pode se expressar de algumas formas: quando pessoas não têm acesso aos serviços de uma instituição por serem negras, por exemplo, ou quando os serviços de instituições são oferecidos de forma discriminatória a pessoas negras. No dia 24 de novembro de 2023, na sala 206 do Bloco B do campus Bento Gonçalves do IFRS, eu e minhas bolsistas fomos vítimas das duas formas: a servidora Leila Schwarz tentou impedir o nosso acesso à apresentação de um trabalho que em suas três edições já certificou 250 pessoas de todas as regiões do país em educação antirracista e que estava devidamente honologado; e a mesma servidora me tratou de forma discriminatória por eu ser negra.

A branquitude, como identidade historicamente construída e dimensionada, espera sempre que diante de seu racismo exposto, o sujeito negro se curve e acate. Quando esse sujeito reage e contesta o racismo, a branquitude recua e tenta dar outros nomes, como “mal-entendido”, “quem me conhece sabe”, “faltou organização”. Nesse sentido, é importante ressaltar que não precisa haver uma ofensa verbal pessoal ou à coletividade negra para a expressão do racismo. O ódio racial se manifesta quando o racista tenta exercer poder simbólico, discursivo e/ou físico, sobre o sujeito negro, o qual tenta subjugar. Assim, o racismo não precisa ser – e no Brasil quase nunca é – antecedido por ofensas raciais. A motivação é o racismo em si, é subjugar o negro que é, à vista do branco, inferior e, por isso mesmo, não digno de direitos.

Reitero e denuncio: eu e minhas bolsistas e estudante voluntária fomos vítimas de racismo dentro do 8° Salão de Ensino, Extensão e Pesquisa do IFRS.

Por meio deste e-mail, formalizo a denúncia e afirmo: como mulher negra, doutora e pesquisadora das relações étnico-raciais e servidora federal, NÃO ACEITAREI RACISMO! NÃO TOLERAREI ATITUDES RACISTAS DE QUEM QUER QUE SEJA, NO IFRS OU EM QUALQUER OUTRO LUGAR! E espero uma atitude concreta e coerente por parte do Instituto Federal do Rio Grande do Sul.


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