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21 de setembro de 2023
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17:28

Novo edital do Cais traz inconsistências jurídicas e mais vantagens a investidores, dizem entidades

Por
Luís Gomes
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Projeto apresentado pelo governo do Estado traz previsão de construção de nove torres na área das docas do Cais Mauá | Foto: Reprodução
Projeto apresentado pelo governo do Estado traz previsão de construção de nove torres na área das docas do Cais Mauá | Foto: Reprodução

O governo do Estado publicou na segunda-feira (18) o novo o edital de concessão do Cais Mauá, que prevê a realização do leilão em dezembro deste ano. Nesta quinta-feira (21), o Coletivo Cais Cultural Já e o Projeto de Extensão Ocupação Cais Mauá Cultural, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), divulgaram uma nota a respeito do novo edital, apontando problemas e inconsistências jurídicas.

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A primeira crítica feita na nota é a respeito do prolongamento do prazo para a realização das ações de qualificação e restauração dos armazéns e demais áreas da concessão. “No contrato anterior, havia um prazo de 390 dias para essa ação, após a fase preliminar de ajustes, de 180 dias. Este prazo agora foi multiplicado por três: são 1.170 dias após a fase preliminar, o que resulta num prazo de quase quatro anos entre o Termo de Entrega e a finalização das obras. Como o Termo de Entrega depende de outras providências formais da concessionária para se habilitar, é possível estimar um prazo de quatro a cinco anos entre o resultado do leilão e o usufruto completo do espaço pela população. Ainda que a entrega dos imóveis das Docas, que é a contrapartida do Estado, esteja atrelada aos prazos de conclusão dessas obras, como suposta garantia, aumenta o risco de intercorrências e atrasos para a completa ‘revitalização’, termo com o qual não temos acordo, do Cais”, dizem.

Em contrapartida à revitalização, o vencedor do leilão poderá construir até nove torres comerciais e residenciais na área das Docas. A área ao lado dos armazéns, próxima ao Gasômetro, também poderá receber edificações comerciais.

O segundo ponto que eles criticam é a redução no tempo de uso público dos armazéns voltados para feiras e eventos, que foi reduzido de 90 para 30 dias ao ano. “É importante ressaltar que a cidade de Porto Alegre tem um forte papel cultural no Estado e no País, e, por exemplo, a Feira do Livro de Porto Alegre, evento anual que mobiliza grandes e diversos grupos e setores educacionais e culturais da cidade e do Estado, já ocupa mais do que todo esse prazo. Eventos bianuais como a Bienal do Mercosul, tem duração de aproximadamente 60 dias. Que relação se estabelece entre o patrimônio da cidade e a cultura quando eles são impedidos de dialogar?”, questiona a nota.

A respeito dos Armazéns A e B e do Pórtico Central, as entidades pontuam que a responsabilidade pública do governo estadual e com destinação cultural foi mantida. Contudo, criticam que o edital não prevê que os recursos necessários para as atividades culturais sejam aportados pela concessionária, que fica com a responsabilidade apenas da reforma estrutural.

O Coletivo Cais Cultural Já e o Projeto de Extensão Ocupação Cais Mauá Cultural consideram que o novo edital trouxe vantagens preocupantes para os investidores, ao permitir o uso para negociação do potencial construtivo da área. “Trata-se da possibilidade do investidor usar para negociação índices construtivos, caso não utilize os máximos permitidos para a área. Como a área do Cais estará hipoteticamente submetida ao Plano Diretor do Centro de Porto Alegre, aprovado em novembro de 2021, aliás, durante a pandemia de covid-19, e esse não estabelece nem limites de altura, nem de ocupação para novos empreendimentos no Centro Histórico, o Edital abre imensas possibilidades para negociação de índices, o que garantiria novas possibilidades de ganhos ao investidor. Importante notar que a região da rodoviária poderá, conforme esse novo Plano do Centro que fragmenta a cidade, ter edifícios de até 200 m, ou cerca de 60 andares. E a área das Docas, oferecidas para a produção imobiliária, está próxima à rodoviária. As vantagens ao capital só aumentam, talvez para tentar compensar as inseguranças jurídicas latentes”, dizem. “Entendemos que o novo edital concede mais vantagens ao hipotético futuro investidor e mantém um conjunto de garantias pelo Estado, tornando o investimento isento de riscos”.

As entidades dizem ainda que o edital mantém inconsistências jurídicas, como no caso da preservação do entorno dos armazéns históricos. A portaria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que regulamentou as regras de preservação em 2016, afirmam que o entorno das áreas tombadas não poderão “fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes”. O edital não respeitaria esta previsão.

“Este regramento do Iphan sobre as intervenções nos bens tombados procura assegurar importâncias culturais presentes na materialidade dos armazéns do Cais do Porto. Os necessários trabalhos de ressignificação desses espaços para um acolhimento de usos culturais contemporâneos não necessitam abrir mão de seu caráter social diverso e popular, como já foi demonstrado durante os debates do primeiro edital e as atividades culturais realizadas durante os anos de 1990 e 2000 no Cais”, diz a nota.

Nesta quinta-feira, publicamos uma entrevista com o  secretário Pedro Capeluppi, titular da Secretaria de Parcerias e Concessões (Separ), sobre o novo edital. Confira aqui.


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