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19 de abril de 2023
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11:38

Prefeitura aumenta subsídio a empresas de ônibus, mas não detalha custos

Por
Luís Gomes
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Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

O prefeito Sebastião Melo anunciou na última sexta-feira (14) a manutenção da tarifa de ônibus de Porto Alegre nos atuais R$ 4,80. Na ocasião, Melo informou que a tarifa técnica calculada pela Prefeitura seria de R$ 5,70, com a diferença sendo bancada pelo poder público. Pelos cálculos apresentados na ocasião, o repasse a ser feito às empresas de ônibus para garantir a manutenção da tarifa será de R$ 124 milhões.

Este será o terceiro ano consecutivo em que a Prefeitura subsidiará parte da tarifa de ônibus. Em 2022, o repasse foi de cerca de R$ 115 milhões, dos quais cerca de R$ 75 milhões foram destinados para as operadoras privadas do sistema e R$ 40 milhões para a empresa pública.

Engenheiro de Transportes da Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP), Antônio Augusto Lovatto explica que o subsídio é calculado mês a mês, com a Prefeitura cobrindo o prejuízo operacional das empresas. Segundo ele, atualmente, o custo mensal das empresas, incluindo a Carris, é de R$ 57 milhões e a arrecadação é de cerca de R$ 50 milhões. Apesar de a Prefeitura ter anunciado o valor de R$ 124 milhões, Lovatto destaca que ele poderá ser maior ou menor, dependendo justamente dos custos e da arrecadação das empresas. “Quanto será necessário ao longo do ano, nós não sabemos”.

O economista André Augustin, pesquisador do Observatório das Metrópoles, explica que, até 2020, a tarifa técnica e a remuneração das empresas de ônibus eram a mesma coisa. Todo início de ano, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) apresentava uma planilha tarifária, normalmente após ser definido o reajuste de salário dos rodoviários, cuja data-base é 1º de fevereiro. A planilha com todos os custos do sistema era então enviada ao Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu), que tinha a responsabilidade aprovar o reajuste, e divulgada no site da Prefeitura. “Nos últimos anos, foi criado o subsídio e mudou, agora, uma coisa é o que o usuário paga e, outra, a remuneração da empresa, com a Prefeitura subsidiando essa diferença. Desde então, a Prefeitura parou de divulgar esse cálculo”, diz Augustin.

Ao anunciar que não haveria reajuste da tarifa em 2022, a Prefeitura informou que estava mudando a forma de calcular a tarifa, o que deixaria de ser feito a partir do custo por passageiro transportado e passaria a levar em conta o quilômetro rodado. Na ocasião, foi informado que a tarifa técnica deixaria de existir. Contudo, o índice de R$ 5,70 foi divulgado pela própria Prefeitura.

Na sexta-feira, a Prefeitura apresentou um detalhamento da tarifa técnica (ver imagem abaixo), em que informa que R$ 2,15 dos R$ 5,70 são referentes ao custo das empresas com pessoal, R$ 2,08 a custos variáveis (diesel, pneus, peças, etc.), R$ 0,40 à depreciação de capital, R$ 0,37 a despesas administrativas, R$ 0,33 à remuneração do serviço, R$ 0,26 à remuneração de capital — os dois últimos componentes são referentes às taxas de lucro das empresas definidas em contrato –, e R$ 0,11 referente à contribuição previdenciária sobre a receita bruta.

 

Quadro apresentado pela Prefeitura no dia 14 | Foto: Reprodução

Ainda na sexta-feira, a reportagem encaminhou à Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU) um questionamento sobre a divulgação da planilha com o detalhamento de cada um desses itens, como ocorria anteriormente. Em documento divulgado no site da Prefeitura sobre o reajuste da tarifa de 2021, intitulado resumo do cálculo da tarifa de ônibus (ver a partir da página 130 no documento abaixo), é possível ver o detalhamento, por exemplo, de quanto as empresas pagavam por óleo diesel, pneus, peças e todos os demais elementos que compunham a tarifa.

 

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Augustin pontua que, na prática, a forma de calcular a tarifa é a mesma, uma vez que leva em conta os custos do sistema calculados pelas empresas. A diferença é que, agora, a Prefeitura paga uma parte. “Para saber a diferença entre o que é a remuneração da empresa e o que é pago de tarifa, tem um cálculo do custo do sistema de ônibus e do lucro que a Prefeitura faz para pagar esse subsídio, que não está sendo divulgado e que não está sendo discutido no Comtu. Então, é uma grande falta de transparência. Não é porque o usuário não paga todo o valor da passagem que não deveria ser público, afinal é pago com dinheiro público”, diz.

No final de março, a SMMU encaminhou à Câmara Municipal um projeto de lei que propõe a criação do Conselho Municipal de Mobilidade Urbana (Commu) para substituir o Comtu. Ao contrário do atual, o novo conselho não terá mais poder de decisão sobre a tarifa do transporte público de Porto Alegre. O projeto ainda não foi votado pelos vereadores.

Lovatto diz que, entre 2022 e 2023, o custo operacional das empresas aumentou em cerca de 5%, sendo a maior parte referente ao reajuste concedido aos rodoviários em fevereiro, de 5,71%. O engenheiro explica que a tarifa do usuário, hoje, depende de três fatores: custos operacionais, demanda — quanto menor a demanda, maior a tarifa, e vice-versa — e do tamanho do aporte da Prefeitura. Ele pontua que as empresas têm o controle sobre a demanda e o custo, mas não tem controle sobre o subsídio, que é um valor decisivo para definir a tarifa final. Com isso, afirma que a definição do valor da tarifa não tem participação ou interferência das empresas.

“Quando chegou a pandemia e identificando o aumento de custos pela queda de passageiros, se viu que a tarifa estava sofrendo uma inflação bastante acelerada, mais acelerada do que o normal. E aí se buscou uma política muito parecida com o que já existe em outras cidades do mundo e boa parte das grandes cidades brasileiras, fazer um descolamento entre a tarifa técnica e a tarifa do usuário, para que a tarifa do usuário não subisse tanto como a técnica”, diz.

Ele afirma que, por outro lado, a retirada gradual dos cobradores tem ajudado a amenizar a necessidade de reajuste, seja na tarifa ou no subsídio. “Sem isso, o custo das empresas teria aumentado mais. Beiraria, tranquilamente, uns 12%, 13%”, diz.

A respeito do detalhamento dos custos das empresas, Lovatto afirma que a planilha será publicizada, mas ainda não foi homologada. Segundo ele, o documento será divulgado quando ocorrer a assinatura do quarto termo de acordo entre Prefeitura e empresas para o pagamento do subsídio.

André Augustin destaca que, para além do detalhamento dos elementos que compõem a tarifa, os documentos tornados públicos durante os processos de reajustes permitiam que a população tomasse conhecimento sobre uma série de dados do sistema de transporte da Capital e que, sem essa divulgação, podem deixar de ser acessíveis.

“Por exemplo, no cálculo de depreciação da frota, que é uma parte do considerável do valor da tarifa, tinha que listar a idade de toda a frota, o modelo e o preço deles. Tinha característica dos ônibus que a Prefeitura não está mais divulgando. Era ali também que a gente sabia que as empresas não estavam cumprindo as regras do edital. Tinha regras de idade máxima dos ônibus que nenhuma empresa privada cumpria, a Carris era a única que tinha a idade média da frota abaixo da exigida pelo edital. As empresas também não cumpriam a regra de ar-condicionado exigida pelo edital da licitação de 2015, que dizia que todos os ônibus tinham que ter ar-condicionado. Então, tem várias questões contratuais que deixaram de ser divulgadas. Para além do cálculo, acabou com a transparência de todo o sistema”, afirma o economista.

Por sua vez, Lovatto reconhece que houve uma queda de qualidade no transporte público de Porto Alegre decorrente da queda acentuada no volume de transporte de passageiros desde 2015. Segundo dados da ATP, em 2015, o sistema transportava mensalmente 25,10 milhões de passageiros. Em 2021, em razão da pandemia, eram apenas 9,68 milhões. A partir de 2022, ocorreu uma recuperação parcial das perdas, mas ainda muito longe do volume pré-pandemia (ver quadro abaixo). Em março deste ano, foram transportados 14,74 milhões de passageiros.

 

Dados de viagens disponibilizados pela ATP | Foto: Reprodução

“O transporte coletivo vem sofrendo a perda de produtividade desde 2015 e com isso houve o envelhecimento da frota, houve um prejuízo por parte da população. Como nessa época, quem pagava o sistema era só o usuário — estima que hoje seja 85% o usuário e 15% a Prefeitura –, um pouco antes da pandemia o sistema tinha um prejuízo de R$ 3 milhões por mês e as empresas, muitas vezes, para se defender, o que que elas faziam? Elas simplesmente deixavam de comprar o ônibus, cortavam custos, e também tiravam viagens. Comprava-se menos ônibus. Porto Alegre envelheceu a frota de 2015 a 2022. Tem um hiato de 7 anos, em função do envelhecimento da frota, da diminuição de viagens, para garantir que a tarifa não disparasse. E agora tem tempo para poder ter uma retomada, tu não vai conseguir recuperar 7 anos de prejuízo em 2 anos. Nós precisamos de um tempo para equilibrar essa defasagem de hoje”, afirma Lovatto, acrescentando ainda que, com o subsídio, os custos do sistema foram equilibrados, o que está permitindo a necessária renovação da frota.

No âmbito do programa Mais Transportes, a Prefeitura espera que a qualificação do sistema ajude a aumentar a demanda de passageiros, o que contribuiria para diminuir a necessidade do subsídio.


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