Geral
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8 de setembro de 2022
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19:13

Receio da população em informar dados, ausência e medo de violência: Desafios de quem faz o Censo

Por
Luís Gomes
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Recenseadores relatam dificuldades para obter informações e encontrar moradores em casa. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Recenseadores relatam dificuldades para obter informações e encontrar moradores em casa. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Ana Caroline Silveira atua como recenseadora do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no bairro Jardim Algarve, na cidade de Alvorada, região metropolitana de Porto Alegre, desde setembro. Ela conta que tem encontrado resistência dos moradores para responder ao questionário do Censo 2022. Em muitos casos, a recusa ocorre porque eles e elas sequer sabem para que serve o Censo. A recenseadora diz que, diariamente, precisa explicar diversas vezes para que servem os dados fornecidos pelas pessoas e que eles não serão usados indevidamente.

Outro problema encontrado em Alvorada, segundo ela, decorre do fato de ser uma cidade dormitório, o que dificulta que as pessoas estejam em casa durante o dia. Como a cidade tem a fama de ser uma das mais inseguras do Estado, com elevados índices de criminalidade, há o temor de assaltos durante visitas noturnas, especialmente porque os recenseadores trabalham com os aparelhos em mãos.

“Não tem como a gente ficar indo nas casas depois das 20h, porque já está muito escuro na rua. E não tem como ir muito cedo, porque ninguém atende. Aí teve o caso de um domicílio que eu já tinha ido quatro vezes e fui num domingo. A moradora reclamou, disse que domingo não era dia de estar indo ali, sendo que foi o único dia que encontrei ela em casa e ainda foi a irmã dela que recomendou que eu fosse no domingo”, conta.

Ela diz que há casos de residências em que é perceptível que o morador está em casa, mas que não atendem, mesmo após insistência. “Faltou nem que fosse um carro de som passando para informar que ia ter o Censo”, diz.

Há casos, no entanto, mais graves do que a recusa, em que o recenseador é ofendido ou mesmo agredido ou furtado.

Luís Eduardo Puchalski, coordenador operacional do Censo no RS, informa que o IBGE já registrou oito casos de furtos de equipamentos de trabalhadores, cinco deles em Porto Alegre. Houve ainda um recenseador ameaçado e um Boletim de Ocorrência por perseguição.

Ele pontua que, entre recenseadores e supervisores, que também precisam ir a campo em determinadas situações, são mais de 9 mil pessoas participando do Censo, o que faz com o que o número de ocorrências possa ser considerado pequeno.

Há registros de furto do equipamento usado pelos recenseadores. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Tá dentro de uma certa normalidade. A gente já imaginava que, em alguns casos, ia ter esse tipo de problema. Mas, felizmente, a gente não teve nenhum problema de agressão física, algo que pudesse ser mais grave, basicamente o furto de equipamento mesmo”, afirma.

Diante das dificuldades relatadas pelos recenseadores, o perfil oficial do IBGE nas redes sociais divulgou na última segunda-feira (5) uma manifestação em que repudia atos de discriminação, calúnia, injúria, preconceito, ofensa ou agressão contra recenseadores, destacando que estas ações configuram crimes contra a preservação dos servidores públicos no exercício de suas funções. A postagem também reitera que as informações prestadas aos recenseadores são sigilosas.

“O IBGE ratifica a importância de se receber bem o recenseador e responder o questionário do Censo 2022 e informa que a pesquisa estará em campo até o dia 31 de outubro de 2022”, diz a postagem.


No dia 30 de agosto, o IBGE divulgou um balanço parcial do Censo informando que 2,5 milhões de pessoas já tinham sido recenseadas no Rio Grande do Sul — 966.837 domicílios. Neste balanço, o IBGE informou que a taxa de recusa de moradores em responder ao questionário estava em 1,4% dos domicílios visitados no Estado, enquanto a média nacional era de 2,3%.

Puchalski diz que o IBGE já trabalha com a perspectiva de um certo nível de recusa e que, na maioria dos casos, elas ocorrem por desconhecimento das pessoas sobre a importância do Censo. “Elas não conseguem compreender porque motivo precisam responder, o que vão ganhar com isso. Muitas vezes até fazem essa pergunta: ‘o que eu vou ganhar?’ Então, quando a pessoa não entende a importância, é mais fácil dela achar que é um tempo perdido atender o recenseador”, diz.

Além disso, muitas vezes os recenseadores são tratados com agressividade ou mesmo ofendidos pelos moradores. “Às vezes, o recenseador não consegue argumentar, porque as pessoas não estão dispostas a ouvir. A gente recomenda que o recenseador ouça e, se a pessoa der um brecha, tente argumentar. Quando consegue, muitas vezes, conversando, a gente consegue reverter a recusa. Basicamente, a orientação é agir com paciência, não entrar em discussão, não conversar sobre assuntos polêmicos, porque muitas vezes as pessoas confundem o IBGE com o governo. O IBGE é um órgão de Estado, estamos fazendo uma pesquisa que vai servir para todos os governos que vão vir pela frente”, afirma Puchalski.

O coordenador operacional do Censo no RS diz que, nos casos de recusa, o recenseador é orientado a tratar as pessoas com gentileza e explicar que o Censo tem o objetivo de subsidiar políticas públicas, mas reconhece que a argumentação nem sempre dá resultado. O protocolo indica que, após a primeira recusa, o recenseador deve voltar ao local. “Muitas vezes, a própria pessoa que recusou muda de ideia ou ela encontra outro morador do domicílio”.

Em caso de nova renúncia, o supervisor deste recenseador faz uma terceira visita. Ainda assim, ele pontua que há um percentual que não é possível reverter. Puchalski avalia que a taxa de recusa deve cair à medida que os recenseadores e servidores retornam para novas visitas.

Em 2010, o percentual de recusa foi de 1,5% dos domicílios visitados, mas este número incluiu recusas e domicílios em que não foi possível encontrar algum morador após repetidas visitas. Nesta edição, os números foram separados.

Puchalski explica que, no caso das recusas definitivas, a população dos domicílios em que não foi possível realizar entrevistas é estimada por um modelo matemático. “Do ponto de vista da contagem de pessoas, a gente vai ter essa população estimada entre esse 1,5% de não entrevistas.”

A arquiteta Marlene Chave está atuando como agente censitária supervisora no município de Alvorada. Ela coordena uma equipe de 15 pessoas que atuam em uma área da cidade caracterizada por condomínios fechados e por seis ocupações de moradias irregulares.

“Alvorada é uma das cidades que mais precisa dos dados do Censo para a elaboração de políticas públicas e eu fiquei impressionada como as pessoas ainda são resistentes para responder”.

No entanto, ela pontua que o maior número de recusas está ocorrendo na área dos condomínios fechados, com os moradores das ocupações sendo mais receptivos aos trabalhadores.

“Tem uma questão de que tem que dar o CPF, e as pessoas já estão ressabiadas. E aí tem uma mistura com época de eleição, tem gente que confunde e acha que é pesquisa eleitoral. Ficam confundindo até com agente da dengue. É muita confusão e é bem chocante”, diz.

Marlene avalia que, antes do início do trabalho de campo, faltaram campanhas de informação à população sobre o que é o Censo. “As pessoas não têm muita noção do que é o IBGE, mesmo pessoas que prestaram o concurso”, diz.

Uma das recenseadoras da equipe de Marlena, Ana Caroline diz que os trabalhadores estão enfrentando uma série de outros problemas além das recusas, a começar pelo mal funcionamento do DMC, aparelho em que os recenseadores registram as respostas dos entrevistados. No caso dela, conta que dados que já tinha enviado foram perdidos e ela precisou acionar a supervisão para que um backup fosse feito, mas isto lhe custou mais de um dia de trabalho. “Tem gente que não pode esperar e acabou refazendo esse dia perdido”, conta.

Ana Caroline também avalia que deveriam ter sido feitas mais campanhas informativas sobre o Censo. “Acho que a Prefeitura poderia ter contribuído um pouco mais para divulgar que teria o Censo, o que é e para que ele serve. Tem pessoas que não entendem. Por dia, tu tens que explicar três, quatro vezes ou mais para que serve o Censo, para onde vão esses dados, que não tem problema informar o CPF, que a pessoa não precisa mentir a renda, que ela falando que tem dois banheiros na casa não vai aumentar o IPTU que ela está pagando. São várias inseguranças que as pessoas têm na hora de passar uma informação”, relata.

Marlene pontua ainda que, no caso de Alvorada, há uma dificuldade adicional relacionada com a falta de trabalhadores. Originalmente, apenas metade das vagas para a cidade foram preenchidas, obrigando a realização de várias nomeações posteriores. Além disso, muitos que assumiram as vagas acabam desistindo. Na sua equipe de 15, foram registradas três desistências apenas do final de agosto para cá.

“Eles recebem por produção. Daí eles vão vendo essa dificuldade das pessoas recusando entrevista, muito trabalho e caminhada para pouca gente recebendo. Alguns conseguiram outro trabalho e outros ficaram meio desesperançosos”.

Marlene explica que a recusa prejudica o pagamento dos recenseadores, uma vez que eles recebem por produção. Apesar de a taxa geral de recusa ser baixa, recenseadores que atuam em áreas com maiores taxas podem ser prejudicados.

Ana Caroline confirma que os recenseadores estão sentindo dificuldades para receber a remuneração e que, em alguns casos, como o seu, ainda não receberam nenhum pagamento. Ela diz que o IBGE concedeu acesso a uma plataforma em que o recenseador pode estimar a sua remuneração, mas que, na prática, os trabalhadores têm recebido valores inferiores ao estimado no site do próprio IBGE.

“Essa parte do pagamento desanima. A maior parte das pessoas está trabalhando como recenseador para ter uma renda complementar. Já passou um mês que a gente está trabalhando, teoricamente, de graça, porque a gente recebeu uma ajuda de custo do treinamento, mas ainda não recebemos nenhuma ajuda para o transporte, não recebemos auxílio com alimentação. Então, por mais que tenham nos colocado em setores próximos às nossas residências, ainda assim temos que caminhar boa parte do dia e não recebemos ajuda de custo. É bem complicada essa parte de seguir trabalhando”.

Por outro lado, Heitor Barbosa, que está atuando no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, avalia que, no seu caso, a recepção tem sido tranquila quando “consegue achar as pessoas em casa”. “Eu já recebi todos os mimos que um recenseador pode receber. Já recebi cafezinho, já recebi bolachinha. Tem sido muito bom conhecer um pouco mais do meu bairro e das pessoas que moram aqui perto. Em geral, tem sido bom, as pessoas gostam de responder. Ficam interessadas em saber para onde estão indo as informações”.

Heitor diz que a maior dificuldade que enfrentou até o momento foram algumas grosserias. No entanto, ele reconhece que ouviu relatos de episódios bem mais graves que ocorreram com outros recenseadores. Um dos relatos é de uma trabalhadora que foi puxada para dentro de um domicílio e a polícia foi acionada para que ela fosse retirada. Em outro caso, um recenseador teve uma arma apontada contra si. “Não é uma coisa que vai acontecer todo dia, mas preocupa. A gente ouve essa história e fica desconfortável. A segurança é uma das coisas que me preocupam mais, mas, no geral, é muito tranquilo. Eu não tive nenhuma experiência parecida”, conclui.


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