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30 de agosto de 2019
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14:26

Indio da Costa: ‘A arquitetura deve ser muito cuidadosa para não competir com a natureza’

Por
Sul 21
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Luiz Eduardo Indio da Costa. Foto: Maia Rubim/Sul21

Renata Cardoso

Em palestra na noite desta quinta-feira (29), Luiz Eduardo Indio da Costa, arquiteto brasileiro responsável por projetar a revitalização da orla de Copacabana para as Olimpíadas de 2016, o VLT do Rio de Janeiro e tantas outras construções que se integram e dão forma à cidade Maravilhosa, falou de seus mais recentes e icônicos trabalhos.

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O arquiteto foi autor da Palestra Magna do 6º Seminário de Exercício Profissional, promovido pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS) para pensar os desafios e o futuro da profissão. O evento começou na quinta-feira e se encerra nesta sexta no Centro Histórico-Cultural da Santa Casa, em Porto Alegre.

Para uma plateia formada majoritariamente por colegas de profissão, Indio da Costa discorreu sobre os desafios, a necessidade e as dificuldades de se reinventar a cada trabalho, e como enxerga alguns aspectos da Arquitetura e do Urbanismo. Após mais de 50 anos de carreira, ele, que já recebeu inúmeros prêmios nacionais e internacionais, como a Comenda Niemeyer do Instituto de Arquitetos do Brasil, concedida a “personalidades que tenham produzido ou contribuído para a produção da melhor Arquitetura no País”, confessou que faz um esforço quase diário para se “ver livre de toda essa bagagem”. “Claro que a bagagem me ajuda, mas o mundo está em constante mudança. Acho que todos nós temos que nos reinventar todos os dias”, afirmou.

Autor da Palestra Magna no seminário promovido pelo CAU/RS. Foto: Maia Rubim/Sul21

Com leveza, o arquiteto mescla obras de arte à arquitetura e acredita no dinamismo profissional, que os espaços devem ser funcionais, adaptáveis e evolutivos, além de integrados à natureza. “O Rio de Janeiro tem uma coisa fantástica na natureza. É uma paisagem tão forte que às vezes a gente fica até intimidado de entrar com a arquitetura”.

Após tanto tempo de estrada, os desafios ainda são o que estimulam o profissional. “O interessante é a gente fazer quando é difícil. Quando é fácil, não tem graça. Quando eu termino um projeto eu quero começar outro do zero, por isso, não tenho uma linguagem única. Eu me sinto muito mais desafiado fazendo assim. O mercado imobiliário é uma camisa de força”, afirmou. Questionado sobre a vontade dos clientes ou os impedimentos para a realização de alguma demanda, ele enfatiza que é preciso transformar o projeto no melhor que ele pode ser. “A gente não pode ficar esperando o projeto maravilhoso cair do céu”, salientou.

“As cidades são a mais diabólica experiência do Homo Sapiens”

Para o arquiteto, vai ser cada vez mais complicado gerir as cidades. Porém, ainda há muito o que avançar no urbanismo, “e as novas gerações serão responsáveis por isso”, acredita Indio da Costa, que trabalha com uma equipe multidisciplinar para lidar com os diferentes aspectos de cada projeto, o que, de acordo com ele, enriquece o trabalho, pois cria debates e discussões com diferentes pontos de vista.

Em sua fala, o arquiteto citou ainda as smart cidades e os smart bairros e as demandas cada vez maiores por incorporar a tecnologia no mobiliário urbano. Ao finalizar sua palestra sobre o futuro da profissão e do país, ele é categórico: “A grande solução, o grande caminho para o futuro é a educação”, afirmou.

Revitalização da Orla de Copacabana para os Olimpíadas está entre os projetos de Indio da Costa. Foto: Maia Rubim/Sul21

Confira a entrevista completa:

Qual a importância da integração e o respeito entre a arquitetura e a paisagem natural das cidades? Qual a importância da sustentabilidade nessa integração?

Eu venho do Rio de Janeiro, um local onde a presença da natureza é fortíssima.  A beleza da cidade se deve muito mais à natureza do que ao nosso trabalho como arquitetos e urbanistas. Há cidades cuja natureza e a topografia não têm graça nenhuma. Como Paris, por exemplo, que se torna maravilhosa pela construção do homem. No Rio a construção da natureza é muito mais forte, e isso facilita e complica ao mesmo tempo o trabalho dos arquitetos. A arquitetura deve ser muito cuidadosa para não competir com a natureza, mas sim se integrar a ela. Às vezes, em determinados locais, a natureza é tão bonita que dá até pena de fazer uma interferência arquitetônica.

Estamos muito atentos à sustentabilidade. Já conseguimos entender que os recursos naturais são finitos, e que a gente não pode infinitamente consumir isso. Nós tivemos uma sensação linear de começo, meio e fim. De que você come, digere e depois expele as sobras, mas eu acho que agora nós estamos adquirindo uma consciência de que isso não tem que ser uma linha, mas sim um círculo que se autoalimenta para fazer uma sociedade mais equilibrada do ponto de vista econômico e social.

O senhor acompanhou muitas transformações na área ao longo da sua carreia? Quais fatos o senhor considera mais marcantes e ou que trouxeram novos paradigmas na arquitetura nacional?

Eu tenho a sensação de que eu me formei em outra vida, por que a mudança foi tão grande e violenta. Hoje a gente trabalha com projetos em 3D, um mundo completamente diferente de quando eu comecei. Essa evolução é extremamente positiva. Eu acho que hoje a gente consegue projetos muito mais interessantes, melhores e mais estruturados do que na minha época, quando fazíamos projetos complementares com uma grande dificuldade.  Hoje você consegue, por meio da tecnologia, prever os possíveis problemas da edificação e assim resolvê-los ainda na prancheta.

‘O grande desafio é crescer com ética’. Foto: Maia Rubim/Sul21

Como o senhor vê a relação entre a tecnologia e o processo criativo em um projeto arquitetônico?

Eu acho que o processo criativo mais facilmente se materializa com a tecnologia, mas não que ele aumente a criatividade. Hoje se tem um instrumental muito melhor que potencializa a criatividade. Quando a gente não tinha meios de viabilizar a criatividade não se podia fazer muita coisa. Hoje você tem métodos construtivos absolutamente inovadores, você pode construir uma casa em impressora 3D. Esse tipo de coisa vai mudar todo o jeito de projetar.

Quais são os principais desafios para arquitetos e urbanistas atualmente?

Eu acho que os desafios são muito grandes. Eu não saberia exatamente classificar isso, mas eu acho que o grande desafio é crescer com ética, respeitando o meio ambiente. Hoje a gente tem um mundo ameaçado pelo esgotamento. O desafio para a arquitetura eu acho que é esse: fazer de modo sustentável, mais correto e mais preocupado com a preservação e o futuro.


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