Educação
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8 de julho de 2023
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15:38

IFRS Alvorada democratiza acesso ao ensino e abre portas para a comunidade

Por
Duda Romagna
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No início da construção, em 2014, comunidade acreditava que prédio seria um presídio. Foto: Luiza Castro/Sul21
No início da construção, em 2014, comunidade acreditava que prédio seria um presídio. Foto: Luiza Castro/Sul21

Em 2017, o Sul21 visitou o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRS) Campus Alvorada, que funcionava há um ano na sede própria, localizada na rua Professor Darcy Ribeiro, na periferia de uma das cidades mais marginalizadas da região metropolitana de Porto Alegre. No ano da reportagem, segundo uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Alvorada era o sexto município mais violento do país. 

Desde então, o município, assim como o campus, passou por mudanças positivas e já não figura na lista dos mais violentos do País. No IFRS, o número de estudantes triplicou e ele abriu ainda mais suas portas para a comunidade em que está inserido. Na época, o campus funcionava com 60 servidores, divididos em técnicos e docentes, e com aproximadamente 250 alunos, com um prédio principal e sem pavimentação no acesso à instituição. Hoje, possui uma quadra poliesportiva e prédios anexos, e a pavimentação recente, finalizada em 2022, conecta o espaço acadêmico aos moradores do bairro Campos Verdes. 

Confira o vídeo:

A comunidade em torno do campus, que, no início das obras de construção, em 2014, acreditava que a estrutura se tornaria um presídio e que tinha dúvidas se seria acolhida, foi convidada pela administração do instituto a utilizar seus espaços e se envolver nas atividades cotidianas. 

O diretor geral Fábio Azambuja Marçal explica que uma das estratégias para reforçar a integração foi abrir a quadra para jogos, inclusive no final de semana. “O nosso campus funciona de uma forma ousada, mas acredito que democrática, de portas muito abertas, a gente vai criando mecanismos para quebrar barreiras. Lembro que tinha noites que a galera ficava até tarde jogando basquete, que é um esporte muito difícil encontrar lugar público para praticar”, relata.

 

Quadra de esportes é uma das formas de integração com a comunidade. Foto: Luiza Castro/Sul21

Apesar disso, para o diretor, a comunidade ainda vê a educação com distanciamento. “Temos muito a caminhar no que se refere a eles se enxergarem aqui dentro, é tipo ‘não é para mim, é uma estrutura que eu não posso desfrutar’”, diz. Uma maneira de democratizar o acesso foi a escolha de priorizar o ingresso na modalidade de sorteio, sem que seja necessária a realização de uma prova pelos candidatos, na educação básica. “Isso causou o ingresso maior de pessoas com necessidades educacionais específicas. Isso é muito bom para nós, é desafiador. Talvez esteja criando uma maneira para os mais excluídos estudarem aqui.”

Atualmente, o IFRS Alvorada tem cursos técnicos integrados ao ensino médio em Meio Ambiente e em Produção de Áudio e Vídeo, concomitante em Processos Fotográficos, e subsequentes em Tradução e Interpretação de Libras e Processos Fotográficos. Além disso, possui o Técnico em Cuidados de Idosos integrado ao ensino médio na modalidade de ensino para jovens e adultos (EJA) e os cursos superiores em Tecnologia em Produção Multimídia, com nota máxima nos conceitos do MEC, e licenciatura em Pedagogia.

“A porta de entrada das pessoas da classe trabalhadora, de uma forma mais evidente, é no nosso EJA, a gente vê mulheres, muitas trazem os filhos e boa parte delas mora aqui no entorno, vêm a pé e voltam a pé. A nossa licenciatura em Pedagogia também tem uma cara bem popular, não é uma licenciatura de uma universidade pública clássica, aquela que tem o estudante supostamente ideal, que vive para os estudos, mas as condições objetivos da vida deles fazem com que a gente crie outras estratégias para trabalhar com esse público. Então ainda é um campus muito popular, até pelo território onde a gente está”, explica Fábio Marçal.

Um dos projetos de extensão do IFRS Alvorada que chama a comunidade a ocupar os espaços do campus é um curso de costura, que acolhe principalmente mulheres em situação de desemprego ou baixa renda da região. Uma sala com máquinas de costura fica à disposição delas e o curso busca apresentar a moda como forma de renda alternativa.

 

Projetos de extensão incentivam a comunidade a ocupar os espaços do campus. Foto: Luiza Castro/Sul21

Somente um dos cursos ofertados pelo campus, o de Pedagogia, não teve seu currículo integralizado ainda, ou seja, não teve uma turma que chegou à formatura. Quem já se formou, afirma que o local marcou o início de uma jornada pessoal e profissional. Esse é o caso de Eric Pedott, egresso da primeira turma de ensino superior e, hoje, é técnico do Laboratório da Comunicação na FAPA.

Pedott lembra que sequer sabia da existência do IFRS Alvorada quando uma prima indicou o curso de Produção Multimídia. “No primeiro dia de aula a gente foi acolhido por um sarau organizado pelos alunos do ensino médio. Foi legal porque a gente estava ali em 2019 e eu tinha receio de como seriam os anos dali pra frente”, relata. 

A integração com a comunidade também chamou a atenção dele, que anteriormente estudava em uma universidade privada. “É um espaço que tu acaba convivendo com todos, tu faz amizade com o pessoal da portaria, com a tia da limpeza, tu tem uma relação quase que íntima, é um lugar que tu se sente super bem, sabe?” A vida em comunidade também impactou a experiência do egresso. “A lancheria que tem na esquina tem o Maicon e a família dele trabalha fazendo salgado e a renda é toda dos alunos do IF que compram ali. O próprio Maicon trabalha na portaria e a filha dele também é aluna do IF. É muito importante para todo mundo ali do entorno.”

A primeira turma do ensino superior participou de reuniões para construir o Projeto Pedagógico de Curso (PPC) junto aos professores. Para o ex-aluno, o curso foi feito de forma horizontal e, por isso, abrange áreas não só técnicas, mas também disciplinas voltadas para cultura e comunicação. A multidisciplinaridade também o ajudou profissionalmente. “Eu ainda tinha um mês para me formar e já tinha conseguido um emprego por causa do IF.”

 

Campus conta com estúdio de vídeo e foto. Foto: Luiza Castro/Sul21

“Até o meu trabalho de conclusão foi um curta de ficção científica que cheguei a exibir na Cinemateca Capitólio e agora um curta de uma colega minha que se formou junto comigo foi selecionado para o Festival de Cinema de Gramado. São conquistas que a gente teve com o IF e experiências que eu só conseguiria através do IF. Tenho colegas que se formaram e conseguiram emprego também na área. É algo que tá dando muito certo e a gente sente bastante orgulho do Instituto Federal, é uma coisa que eu carrego no meu coração, eu espero até um dia poder ser técnico do próprio IF e desejo que cresça cada vez mais e tenha como botar mais gente ali, sabe? Para estudar e se formar. Porque foi a primeira vez que eu fui ter amor por uma instituição, uma coisa que eu não tinha numa faculdade privada”, conta Pedott.

O mesmo pensa a egressa do curso Técnico em Meio Ambiente Carolina Possa, que foi ouvida pela reportagem em 2017. “Esse espaço transforma vidas e transformou a minha. Ao longo desses anos eu consegui perceber na prática tudo que eu estudei. Eu entendi a falta de saúde pública da cidade, a fome, o conflito por moradia, a educação e a informação que é negada, e todos os problemas que uma sociedade desigual nos coloca. Mas, ao mesmo tempo em que eu entendi isso, eu sonhei muito. Sonhei muito e me percebi como parte de um povo diverso que coberto de estigmas é negligenciado. O campus Alvorada me fez amar o meu território e foi lá que eu descobri a potência do coletivo, que eu cruzei com pessoas inspiradoras”, afirma.

Colega de Carolina, Laura Becker concorda. “A cidade é extremamente estigmatizada, conhecida por muitas pessoas pelos seus altos índices de violência e de criminalidade e por esses e outros motivos sempre ficou à margem. O direito de acesso à saúde, ao lazer, à cultura e à educação por muito tempo foram negados ao povo de Alvorada. Eu digo isso para reforçar que para mim foi um grande marco a inserção do Instituto Federal em Alvorada”, relata.

 

Em 2017, Laura Becker e Carolina Possa eram estudantes do curso de Meio Ambiente. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Em 2017, Carolina Possa disse ao Sul21 que o curso motivou uma paixão e a introduziu a um estilo de vida, o que se materializou no ingresso dela e de Laura no Bacharelado em Agroecologia, na Universidade Federal do Rio Grande (Furg), onde estudam atualmente. “Esse sonho me trouxe onde eu estou hoje, eu trabalho muito com extensão e quem me apresentou a extensão foi o Instituto Federal, fui bolsista de extensão e de pesquisa, então eu me digo extensionista desde 2017 e eu trouxe isso para cá, para a graduação. É muito incrível ver o quanto esse espaço me preparou”, reitera Carolina.

Ainda que muito tenha evoluído, velhos problemas ainda fazem parte da realidade do IFRS Alvorada. Os cortes em repasses federais desde o governo Temer causaram preocupações para o campus. A construção de novas salas e blocos só foi possível através de emendas parlamentares dos deputados federais Henrique Fontana (PT), Maria do Rosário (PT) e Fernanda Melchionna (PSOL) que destinaram dinheiro à instituição.

O apoio da Prefeitura, assim como sinalizado na matéria de 2017, continua escasso. “Hoje a crise do transporte coletivo, que está assim em quase todas as regiões metropolitanas do Brasil, atingiu em cheio os nossos alunos, que têm muitas dificuldades de chegar aqui, aí a galera vem de bike, vem a pé”, relata o diretor geral.

 

Fábio Marçal é diretor geral e está no Campus Alvorada desde sua implantação. Foto: Luiza Castro/Sul21

Ele também percebe que muitos estudantes vivem em situação de vulnerabilidade social, agravada nos últimos anos. “É um reflexo do que a sociedade brasileira está passando, questões básicas de não ter o que comer às vezes, não ter transporte, não ter roupa. Os brasileiros empobreceram e consequentemente os nossos estudantes também, e servidores, inclusive.”

Como explica Eric Pedott, a assistência estudantil acaba sendo o que garante a permanência de quem é afetado por esses problemas. “Eu até consegui ter o passe livre para Alvorada, mas muitos não. Por mais que o curso seja de graça, eles [IFRS] também têm essa questão de uma assistência conforme a renda do aluno, para impulsionar que ele esteja ali, estudando.”

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

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Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

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Foto: Luiza Castro/Sul21

 

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