Cultura
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18 de abril de 2024
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17:59

Convênio da União com a Prefeitura pode impedir privatização da Usina do Gasômetro

Por
Luciano Velleda
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O tradicional espaço cultural está fechado desde 2017, com as obras de revitalização agora previstas para serem concluídas até o final do ano. Foto: Marcelo Viola/PMPA
O tradicional espaço cultural está fechado desde 2017, com as obras de revitalização agora previstas para serem concluídas até o final do ano. Foto: Marcelo Viola/PMPA

O plano do prefeito Sebastião Melo (MDB) de privatizar a gestão da Usina do Gasômetro pode não acontecer conforme o pretendido por seu governo. A razão é que o convênio do governo federal que cedeu à Prefeitura de Porto Alegre o terreno e o prédio da Usina determina, numa de suas cláusulas, que o local permaneça como logradouro público.

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“A presente cessão fica condicionada à preservação das partes tombadas e à utilização do respectivo terreno somente como logradouro público”, diz a cláusula terceira do convênio assinado entre a Eletrobrás, então detentora da Usina Termelétrica de Porto Alegre, e o governo municipal, em janeiro de 1982. 

O contrato segue em vigor. Com a privatização da Eletrobrás, o patrimônio da antiga estatal atualmente está sob responsabilidade da Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar). A Prefeitura pleiteia junto ao governo federal a doação da Usina do Gasômetro. No entanto, o processo ainda está em estágio inicial e, até o momento, não há certeza de como avançará.

A interpretação de que a Prefeitura não pode passar à iniciativa privada a gestão da Usina do Gasômetro é confirmada por Emerson Rodrigues, superintendente de Patrimônio da União (SPU) no Rio Grande do Sul.

“O processo atual de cedência da Usina do Gasômetro corresponde a acordo celebrado em 1982 com a extinta Eletrobrás. Ele é muito claro com relação ao uso: manutenção das áreas tombadas e uso como logradouro público das demais áreas”, afirma. 

O pedido de doação precisará ser analisado pela Superintendência de Patrimônio da União (SPU) e a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar). Rodrigues explica que tal processo burocrático será inédito no Brasil. 

“Ambas ainda não celebraram nenhum processo de destinação juntas em nenhum outro local do País. Isto porque a ENBPar só foi formalizada em  2022. Estamos trabalhando (SPU-RS) para avançar nos processos burocráticos junto com a nossa Unidade Central em Brasília para encaminhar a formalização do pedido à ENBPar. Por enquanto, segue vigente a regra anteriormente informada (contrato de 1982). Manutenção das partes tombadas e, nas demais áreas, apenas uso para logradouro público”, destaca o superintendente de Patrimônio da União (SPU) no Rio Grande do Sul. 

Rodrigues pondera que, ainda que haja um novo acordo entre o governo federal e a Prefeitura de Porto Alegre, esse novo arranjo pode ou não permitir a destinação da Usina do Gasômetro no sentido pretendido pelo governo Melo. A exceção, ele diz, é se realmente o instrumento utilizado for a doação.

Em nota, a Secretaria Municipal de Parcerias afirma que o projeto da Prefeitura “não se trata de privatização”, ainda que seja passar a gestão da Usina do Gasômetro à iniciativa privada. “A proposta de concessão está em andamento, em ampla discussão com a sociedade, e seguirá o cronograma estabelecido”, sustenta a Secretaria.

No começo de abril, o vereador Aldacir Oliboni, o deputado estadual Leonel Radde, ambos do PT, e representantes da classe artística entregaram ao superintendente de Patrimônio da União (SPU) no Rio Grande do Sul um documento expressando preocupação com o futuro da Usina. 

O grupo solicitou que a Usina não seja doada ao município de Porto Alegre, de modo a permitir sua concessão à iniciativa privada, e que a cessão do espaço continue “desde que observado o convênio firmado em vigor”. O pedido para que não seja permitida a concessão à iniciativa privada inclui, além do prédio, a chaminé da Usina do Gasômetro e o anfiteatro externo, todos bens tombados e que devem ser preservados pela Prefeitura. 

Ao se referir ao estacionamento privado existente ao lado da Usina, o documento solicita que a União fiscalize se o local, supostamente no terreno do governo federal, não foi concedido irregularmente à iniciativa privada pela Prefeitura “à revelia do convênio firmado” em 1982. 

Por fim, o grupo pede que a Superintendência de Patrimônio da União realize, em conjunto com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Ministério da Cultura, uma vistoria para verificar a preservação das partes tombadas da Usina do Gasômetro.

Ao comentar o entendimento da Prefeitura de que o projeto para a Usina não é uma privatização, o vereador Oliboni diz que o entendimento é uma contradição com o que foi apresentado em audiência pública em março. “Concessão é privatização”, afirma. Ele acredita que o governo Melo não conseguirá a doação do espaço justamente devido ao plano de conceder a gestão à iniciativa privada. “É uma dor no coração ver que o governo coloca 20 milhões para recuperar o espaço e então depois quer privatizar.”

Imagens aéreas da vistoria nas obras da Usina do Gasômetro. Foto: Marcelo Viola/PMPA

O tradicional espaço cultural da cidade está fechado desde 2017, com as obras de revitalização agora previstas para serem concluídas até o final do ano. O investimento estimado é de R$ 20,6 milhões em 11 mil m² de área útil, com a reforma estando 70% concluída, de acordo com a Prefeitura.

Segundo o governo municipal, o local abrigará um novo complexo cultural por meio de parceria com a iniciativa privada. A proposta prevê que, por 20 anos, uma empresa privada faça a operação do Gasômetro, com gestão compartilhada com o poder público. O governo municipal afirma que o viés cultural da usina será mantido, com o espaço aberto ao público e acesso gratuito a diversas áreas.

Durante audiência pública realizada dia 21 de março, a secretária municipal de Parcerias, Ana Pellini, argumentou que realizar a obra de restauração tem sido muito difícil e que conservar a Usina depois de pronta é tão complicado quanto. Como exemplo, falou da dificuldade em manter a conservação dos vidros alvos de vandalismo. “Por essa razão, estamos propondo uma nova forma de administração com a iniciativa privada para nos ajudar a gerir”, sustentou. 

O projeto prevê 13 espaços culturais na usina. Entre eles, um teatro, cinemas, salas de exposições, de danças e de ensaios. Também foram projetados cinco espaços de permanência (terraços, coworking, entre outros), e quatro de serviços em locais pré-determinados (incluindo cafeteria, bar, restaurante e loja de souvenir).

Se haverá data com atividades gratuitas, também haverá outras com a cobrança de ingresso, como uma das formas de remuneração da empresa privada que assumir a gestão do espaço. “O parceiro privado poderá também oferecer atividades sócio-educativas, culturais e recreativas”, disse, na ocasião, a secretária de Parcerias do governo Melo. A empresa selecionada poderá realizar eventos, apresentações, exposições, cursos e serviços relacionados à produção cultural, comercializar alimentos e bebidas nos espaços pré-determinados e fazer locação de ambientes para atividades liberadas pela Prefeitura. 

Ana Pellini explicou que a prefeitura projeta um custo anual de R$ 4,9 milhões para a operação da Usina do Gasômetro, sendo que deste valor, o máximo de R$ 3,9 milhões anuais será bancado pelo governo municipal. O critério de disputa na concorrência que será realizada considera o menor valor da prestação a ser paga pela prefeitura.

Após a consolidação do relatório de contribuições da consulta e audiência públicas, o projeto será enviado ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), que tem até 90 dias para devolver a análise. O passo seguinte será o lançamento do edital de concorrência para definir a empresa privada, o que deve ocorrer ainda em 2024, segundo a projeção da prefeitura.

De acordo com o projeto apresentado pela Prefeitura, entre as responsabilidades da empresa privada estão a preservação e a limpeza do local, considerando o tombamento vigente, além do monitoramento por câmeras de vigilância, instalação de mobiliário, colocação de piso podotátil, entre outras ações.

O projeto também estipula que o parceiro não poderá ter fonte de receita com atividades comerciais não previstas em edital ou não aprovadas pela Prefeitura, não poderá cobrar ingresso para uso de sanitário, para ingresso na exposição permanente da casa e para entrada na usina, “salvo em casos exclusivos e pontuais”, ressalta a Prefeitura.

Na apresentação durante a audiência pública, o governo municipal destacou que a empresa que vencer o edital de concorrência poderá realizar eventos, apresentações, exposições, cursos e serviços relacionados à produção cultural, comercializar alimentos e bebidas nos espaços pré-determinados e fazer locação de ambientes para atividades liberadas pela Prefeitura.


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