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22 de junho de 2012
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00:05

Senado paraguaio decide na sexta sobre cassação de Fernando Lugo

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Sul 21
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“Não existe nenhuma causa válida, nem política, nem jurídica, que me faça renunciar a meu juramento”, disse Lugo em rede nacional após abertura de processo de impeachment | Foto: PR/PY

Felipe Prestes

O Paraguai passa nos últimos dias desta semana por um processo relâmpago de cassação do seu presidente, Fernando Lugo. Na manhã desta quinta-feira (21), a Câmara dos Deputados aprovou a instalação do julgamento político do chefe do Executivo paraguaio. À tarde, o Senado decidiu que o julgamento começaria no mesmo dia, com a apresentação da acusação, que teve início às 18h desta quinta. A principal acusação dos parlamentares é que o presidente teria feito “mau desempenho de suas funções” numa ação de reintegração de posse, ocorrida na última sexta-feira (15), que terminou em massacre, vitimando seis policiais e onze camponeses.

Detrás desta acusação está a fragilíssima base aliada de Fernando Lugo. O Congresso paraguaio é dominado por partidos de direita, ligados à oligarquia rural, como o Partido Colorado, o Pátria Querida e os oviedistas, seguidores do militar Lino Oviedo. Quem avalizava a manutenção do ex-bispo no poder era outro partido de direita, o Partido Liberal Radical Autónomo (PLRA), que integrava o Governo e garantia um número de parlamentares governistas suficiente para manter Lugo no poder.

Os demais partidos de direita já sugeriram por diversas vezes o juicio político de Lugo ao longo de seu governo, que começou em 2008, mas esbarravam no apoio do PLRA para conseguir os 2/3 de votos necessários para instalar a processo de cassação. Bastou que o Partido Liberal se desvinculasse do governo, o que foi feito na manhã desta quinta, para que o processo se instalasse quase que instantaneamente.

Para se ter uma ideia da fragilidade política de Lugo após a saída do PLRA basta ver o placar da instalação do juicio político na Câmara dos Deputados: 76 deputados a favor e apenas um contrário. Ainda pela manhã, Lugo foi a público declarar em cadeia nacional que não renunciaria e que iria enfrentar o julgamento. No Senado, o ex-ministro do Interior, Carlos Filizzola, demitido após o conflito agrário da semana passada, apelou aos colegas para que fossem dados pelo menos três dias para a elaboração da defesa de Lugo, durante sessão que definiu os trâmites do julgamento, mas não foi atendido.

A defesa de Lugo está marcada para o meio-dia desta sexta e poderá se estender apenas até as 14h30, horário em que está marcada a avaliação das provas. Às 15h30 serão feitas as alegações finais e às 16h30 os senadores devem ter o veredicto. No sistema político paraguaio, os deputados são os acusadores, por isto foram eles que definiram a abertura do processo de cassação. Eles aprovaram uma comissão de deputados que fará a acusação perante o Senado, que é quem julgará o presidente. Também na Câmara Alta, a oposição tem esmagadora maioria.

A peça de acusação feita pelos deputados aponta que Lugo “incorreu em mau desempenho de suas funções em razão de haver exercido o cargo que ostenta de maneira imprópria, negligente e irresponsável, trazendo o caos e instabilidade política em toda a República”. Segundo o documento, o governo de Lugo gerou constantes “confrontos e luta de classes”, o que teve como “resultado final” um “massacre entre compatriotas”. Os deputados afirmam que a manutenção de Lugo no poder representaria grave perigo à “convivência pacífica do povo paraguaio, à vigência de seus direitos e garantias constitucionais”.

Correlação de forças no Paraguai é intrincada

É difícil compreender a correlação de forças políticas no Paraguai. Lugo se mantinha no cargo graças ao Partido Liberal. Sustentado por um partido de direita, o presidente nunca conseguiu efetuar mudanças no campo e assim tampouco amainar a radicalização dos movimentos campesinos. Quando do massacre da semana passada, Lugo demitiu Carlos Filizzola do Ministério do Interior. Filizzola é do Partido Pais Solidario, ligado à Internacional Socialista. Para seu lugar, Lugo nomeou Candia Amarilla, ligado ao Partido Colorado, visando atender os anseios dos fazendeiros.

Amarilla é considerado por movimentos sociais um repressor de camponeses por sua atuação como procurador-geral entre 2005 e 2011. O conflito ocorreu na reintegração de posse de uma fazenda de 2 mil hectares pertencente a um líder colorado, o ruralista Blas Riquelme, localizada em Curuguaty, no sudeste do Paraguai, próximo à fronteira com o Brasil. Nesta quarta-feira (20), Lugo havia ordenado uma investigação sobre os fatos ocorridos na reintegração de posse.

Deputados afirmam que a manutenção de Lugo no poder representaria grave perigo à “convivência pacífica do povo paraguaio" | Foto: HCD/PY

A nomeação de um colorado não conseguiu acalmar os líderes do principal partido de oposição, que foi a sigla que capitaneou o juicio político. E pior: o ingresso de Candia Amarilla no Ministério do Interior foi o estopim alegado pelos liberais para deixar o governo. Outro motivo seria a nomeação de Arnaldo Sanabria como novo chefe de polícia, que seria acusado por crimes e também teria participado da malfadada operação policial de Curuguaty.

Não faz sentido, porém, que o Partido Liberal Radical Autónomo deixe o governo por criticar a nomeação de um colorado e se junte aos colorados para derrubar o presidente. Não se deve descartar que os dois partidos tenham, juntos, aproveitado a crise gerada pelas mortes no campo para derrubar o presidente, mesmo que o PLRA apoiasse Lugo até um dia antes. Blas Llano, presidente do partido, é pré-candidato à presidência da República. As eleições ocorrem daqui a nove meses e dificilmente Llano seria apoiado por esquerdistas, precisando, portanto, buscar apoio no seu campo político. O PLRA também se beneficiaria com a cassação de Lugo porque assumiria o vice-presidente Federico Franco, que é do partido. Militantes de esquerda do Paraguai, inclusive, acusam liberais e colorados de terem incitado o conflito, com a participação de capangas de Blas Riquelme.

Por outro lado, os camponeses que teriam ainda mais motivos para estarem contra o atual governo, já que onze deles morreram na última sexta-feira, preparam-se para ir a Assunção protestar contra o impeachment. Milhares deles se deslocam de Curuguaty e de todo o interior do país para protestar em frente ao Congresso. Deriva daí a pressa dos parlamentares em realizar o julgamento.

Chanceleres sul-americanos chegam ao Paraguai ainda nesta quinta

Além dos camponeses, Fernando Lugo tem contado com apoio de seus eleitores de Assunção. Manifestantes estão em frente ao Congresso paraguaio desde que houve a notícia do processo de cassação. Jovens organizaram chamamento nas redes sociais para protestar contra o julgamento.

Víctor Alcides Bogado , presidente da Câmara, pediu "calma e serenidade" aos paraguaios | Foto: HCD/PY

Lugo também deve ganhar um reforço de peso nas próximas horas. Uma comitiva com chanceleres de países sul-americanos partiu do Rio de Janeiro às 19h desta quinta. Grande parte dos presidentes e chanceleres da América do Sul se encontravam na Rio+20 – uma das exceções foi justamente Lugo, que cancelara sua participação após o confronto da semana passada.

Cinco presidentes dos países-membros da UNASUL se reuniram na tarde desta quinta na capital fluminense para analisar a crise política paraguaia. Ficou decidido que uma comitiva de chanceleres iria para o Paraguai, liderada pelo brasileiro Antonio Patriota. Os líderes sul-americanos emitiram comunicado brando, dizendo respeitar a ordem democrática do país e pedindo que seja observado o direito de defesa de Fernando Lugo.

“Os presidentes expressaram a convicção de que se deve preservar a estabilidade, o pleno respeito à ordem democrática do Paraguai, observado o pleno cumprimento dos dispositivos constitucionais e assegurados o direito de defesa e o devido processo. Os presidentes consideram que os países da Unasul conquistaram com muito esforço a democracia e, neste sentido, nós todos devemos ser defensores extremados da integridade democrática na América do Sul”, diz a nota, lida por Patriota à imprensa. Participaram da reunião, além de Dilma Rousseff, os presidentes José Mujica, do Uruguai; Rafael Correa, do Equador; Evo Morales, da Bolívia, e Juan Manuel Santos, da Colômbia.

Segundo o jornal O Globo, Lugo teria ligado para presidentes da América do Sul durante esta quinta-feira para pedir apoio, inclusive para a presidenta Dilma Rousseff. Alguns presidentes foram entrevistados sobre o tema. O presidente do Peru, Ollanta Humala, que não estava no Rio, falou à imprensa peruana, de forma comedida. “Acredito que é importante a consolidação da democracia e que não haja alterações”, disse, afirmando que não comentaria mais o assunto, porque esperaria um pronunciamento conjunto dos presidentes do continente.

Rafael Correa, do Equador, qualificou como “gravíssimo” o que está ocorrendo no Paraguai. Ele disse que não se deve romper a legitimidade democrática do país. “Há coisas que podem ser legais mas ilegítimas”, afirmou. O presidente da Bolívia, Evo Morales, disse que o julgamento se trata de uma tentativa de golpe de estado. “Este golpe de estado que se gesta no Paraguai contra um presidente democraticamente eleito e apoiado pela maioria de seu povo é um atentado contra a consciência dos povos e contra os governos que hoje impulsionam profundas transformações em seus países de maneira pacífica”.

Com informações de Paraguay.com, La Nación, ABC Color, Ultima Hora, E’a, Telesur e O Globo


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