Lorena Paim (texto) e Flavia Boni Licht (consultoria)
O Arquivo Público do Estado funciona em três edificações, no mesmo terreno, no Centro Histórico de Porto Alegre. Os dois prédios mais antigos, dez anos depois de uma grande restauração, estão precisando de novas intervenções, a fim de combater os danos da umidade que ameaça o acervo. A diretora da instituição, Isabel Oliveira Perna Almeida, diz que existe um processo de negociação em andamento e a previsão de que R$ 440 mil serão necessários para as obras.
Segundo a diretora, a vizinhança com o estacionamento da Assembleia e com a escadaria, que dá acesso ao Legislativo, provoca infiltrações nos prédios 1 e 2 do Arquivo. Já se observam manchas nas paredes e, por isso, parte do acervo teve que ser deslocado. Portanto, Isabel considera importante definir como e quando começarão as intervenções e, inclusive, quem bancará os custos – Executivo, Legislativo, ou os dois poderes em conjunto.
Acompanhe a série patrimônio histórico:
– Viaduto Otávio Rocha, um alumbramento
– Restaurar custa três vezes mais do que conservar
– Travessa dos Venezianos clama por cuidados
– Concluída parte do restauro da Igreja da Conceição
– Falta tombar as telas do Instituto de Educação
– Obra de restauro da Praça da Alfândega termina em junho de 2012
– Patrimônio: Porto Alegre ganhará um novo centro cultural em 2012
– Patrimônio: faltam recursos para a ampliação do Museu de Porto Alegre
– Patrimônio: Paço dos Açorianos comemora 110 anos com “A Samaritana”
– Patrimônio: Palacinho poderá abrigar acervo de negativos de Calegari
– Patrimônio: Governo abrirá licitação para restauro do Piratini
– Patrimônio: quatro mil pessoas já participaram do Caminhos da Matriz
– Patrimônio: restauro da Igreja das Dores será concluído em 2012
– Patrimônio: mais dois prédios do Centro Histórico serão restaurados
– Patrimônio: Porto Alegre tomba e restaura prédios históricos
– Patrimônio: Pão dos Pobres, instituição de inspiração francesa
– Patrimônio: Dois prédios tombados à espera da conclusão do restauro
– Patrimônio: Centro de compras no lugar de tradicional cervejaria
O prédio 3 do Arquivo, aquele que o visitante enxerga da calçada, na Rua Riachuelo, é o mais recente, construído em 1949/50 de acordo com a arquitetura clássica, predominando a simplicidade nos traços. Situados nos fundos do terreno, o prédio 1, erguido entre 1910/12, e o prédio 2, de 1918/19, caracterizam-se por paredes de até um metro e meio de largura, estantes feitas com trilhos de trem, comprados da Viação Férrea e da Força e Luz, e concreto armado, para sustentar o peso dos documentos. Para permitir a troca de ar, o entrepiso é em ferro vazado, sobre o qual deslizam escadas móveis de ferro. Esses eram os elementos mais adequados, na época, para garantir a melhor temperatura ambiental e contribuir para a prevenção de incêndios.
Conforme o site do Arquivo Público, o projeto do prédio 1 é do arquiteto francês Maurício Gras (o mesmo do Palácio Piratini) e coube ao então diretor da Repartição de Obras, Afonse Hebert, a execução. Esse conjunto arquitetônico eclético, constituído de duas alas em forma de L, foi concebido no governo de Borges de Medeiros, que dava ênfase à filosofia preservacionista.
O tombamento estadual do Arquivo Público efetivou-se em 1991, considerando parecer do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico de Estado – IPHAE, através de portaria da Secretaria da Cultura. O parecer dá ênfase à ação do governo Borges de Medeiros para a guarda e preservação do patrimônio documental gaúcho e também destaca a sua localização, inserido no espaço urbano do Centro Cultural da capital gaúcha.
Logo após sua conclusão, o prédio 3 foi ocupado pelo Colégio Júlio de Castilhos, cuja sede havia sofrido um incêndio. Com a saída deste, entrou a Secretaria da Administração, permanecendo até 1981. Apesar da reivindicação de posse, instalou-se, no local, em seguida, a Junta Comercial, que ficou até 1999. Ou seja, somente após 48 anos, o prédio finalmente foi ocupado por aqueles para quem havia sido originalmente construído e projetado.
A diretora Isabel Oliveira Perna Almeida conta que uma restauração de vulto foi feita em 2000/2001 nos prédios 1 e 2, danificados pela umidade e pelos anos de uso, inclusive o telhado estava com o madeirame podre. Do prédio 1, os funcionários tiveram que retirar 120 toneladas de documentos e transferi-los para o prédio 3, enquanto duraram as obras. Foi feito um telhado móvel para o prédio 2, onde o acervo precisou ser encaixotado com madeira compensada. “Na época, não deixamos nunca de funcionar”, informa.
Hoje, o acervo encontra-se distribuído pelos três prédios. A capacidade de armazenamento está esgotada, segundo a diretora, e somente documentos permanentes são aceitos. Há 18 milhões de documentos no total, dos quais 500 mil cadastrados, isto é, que podem ser localizados pelo site da instituição. O maior volume de consultas, por parte do público, ocorre em relação ao Registro Civil (fotocópias de certidões de nascimento, casamento e óbito). Mas há também registros históricos, como aqueles referentes aos escravos no Rio Grande do Sul. Além disso, estão disponíveis os prontuários do Hospital Psiquiátrico São Pedro, processos de indenização aos presos políticos, ações de inventários e testamentos e processos de alterações territoriais, entre outros. Os papéis mais antigos, relativos ao Judiciário, datam de 1763. Muitos estão disponíveis apenas para pesquisadores. Existe a possibilidade de fazer visitas guiadas ao Arquivo Público.
Casa de Lutzenberger ganha novo aproveitamento
Semelhante às grandes cidades, como Londres e Paris, onde placas ostentam na fachada “Aqui viveu…”, seguido de um nome notável, Porto Alegre possui uma casa tombada, com referência a figuras históricas. A residência de José (ou Josef) Lutzenberger, tombada este ano pelo Município, está sendo restaurada para abrigar a empresa Vida, a parte administrativa pelo menos, que desenvolve soluções ecológicas para o descarte de resíduos industriais. Já esteve ali o escritório da Fundação Gaia, também dirigida pela família Lutzenberger. A residência está nas fotos “De onde são” de domingo passado, 20/11, na série Patrimônio.
No prédio de três andares, situado no início da Rua Jacinto Gomes, em Porto Alegre, nas proximidades do Hospital de Pronto Socorro, viveram três gerações da família. O arquiteto alemão José Lutzenberger, em 1930, projetou e desenhou sua moradia para um terreno da então Rua Dona Tereza. O professor e arquiteto Maturino Luz, da UniRitter e da PUC/RS, diz que enquanto a tradição arquitetônica local se voltava para o período colonial brasileiro, “a sua residência representa avanços, no sentido da setorização das funções exercidas na casa”. O projeto que entrou na Prefeitura em 1931 tem poucas alterações em relação ao anteprojeto do arquiteto alemão. No lado externo do balcão, ele colocou o monograma JL, iniciais com as quais assinava suas gravuras e aquarelas. O professor Maturino diz que a residência possui um volume único, salientando-se dois elementos avançados, na forma de bay-window, um na fachada principal e outro na dos fundos.
Projetista das obras do Pão dos Pobres, da Igreja São José e do Palácio do Comércio, todos em Porto Alegre, Lutzenberger pai destacou-se ainda como artista plástico. Morou no local com a mulher Emma e os três filhos.
Seu filho mais famoso, José Antonio Lutzenberger, agrônomo e ecologista, um dos precursores e maior incentivador da causa ambiental no Brasil, também viveu na casa de 20 cômodos, com a mulher Annemarie e as filhas Lara e Lilly. Tinha apreço especial pelo jardim orgânico, nos fundos, onde deixava a natureza se expressar livremente. O espaço foi uma referência no bairro Santana. Diz Flávio Kiefer, arquiteto responsável pela restauração: “A casa, bem como o jardim, vão ser totalmente preservados e restaurados. O que vamos fazer é uma mudança de uso na edificação, que passa a ser comercial. Tem um viés de refuncionalização. Ali será instalada a empresa Vida, que foi criada pelo ambientalista José Lutzenberger. Para isso vai ser necessário ampliar o espaço edificado e acrescentar demandas contemporâneas para este tipo de edifício, como elevadores e ar-condicionado”. O prazo previsto para conclusão é março de 2012.
Conforme Kiefer, “a alteração mais forte é o acréscimo lateral, onde já havia previsão de uma construção, e a integração de três salas no segundo pavimento. Também a casa ganhou transparência em sua antiga porta da garagem e, em uma grande janela aberta em sua face oposta, permite que, desde a calçada, se contemple o jardim. A antiga entrada da casa serve de acesso a um pequeno espaço de eventos voltados para a comunidade. O acesso da Vida se dá pelo anexo”.
“A construção é sólida, mas o nosso maior problema foi o cupim”, constata o arquiteto. Retirando parte do assoalho do último pavimento, deteriorado pelo cupim, Kiefer encontrou uma camada de terra entre as vigas. “Acredito que ela servia como isolante acústico entre um andar e o outro.”
O imóvel estava desabitado desde 2002, quando Lutzenberger faleceu. “Ao revitalizarmos a casa, também estamos revitalizando a memória de meu avô, arquiteto e aquarelista, e de meu pai, o ambientalista”, afirma Lara Lutzenberger, presidente da Fundação Gaia. Lara e Lilly formam a terceira geração a ocupar a residência.
No interior do imóvel, há marcas da convivência familiar. No topo da escadaria, está um vitral com o brasão da família, onde o arquiteto fez uma adaptação incluindo a bandeira do Brasil. As obras do arquiteto e aquarelista, que retratam cenas do cotidiano de Porto Alegre, foram digitalizadas e podem ser vistas neste site.
Mobilização salvou Capela do Bom Fim da demolição
Sua construção foi tão demorada a ponto de ser chamada pelos jornais de “obra de Santa Engrácia”. A Capela do Nosso Senhor Jesus do Bom Fim, na Avenida Osvaldo Aranha, deu nome ao bairro e, por muito tempo, foi a construção de maior destaque naquela via, de frente para o atual Parque Farroupilha. Já existia, em meados do século XIX, o culto a Nosso Senhor do Bom Fim e, em 1865, foram feitos os primeiros donativos para a construção de uma capela com essa devoção. O início das obras foi por volta de 1867, em terreno de frente para a Várzea doado por Feliciana Alexandrina da Silva Câmara.
Foi um trabalho bastante moroso, pois a continuação dependia de doações. Muitas vezes os devotos se reuniam em um barraco de madeira erguido no local. A inauguração só ocorreu em 1883 – mas não nos moldes em que a Capela está hoje. A feição atual data de 1913. Por muitos anos, o pequeno templo permaneceu em obras. Uma de suas riquezas é o crucifixo entalhado em madeira, trazido das Missões Paraguaias e que deve ter mais de 300 anos. É conhecido como Crucifixo Missioneiro.
Em função da progressiva deterioração do prédio, inclusive com perigo de desabamento, houve ameaça de demolição, fato que levou a plantões pelo tombamento, nos anos 70 do século XX, com a participação de devotos e de artistas plásticos. Uma cautelar chegou a dar ganho de causa à demolição. Mas, em 1979, esse risco foi evitado, com o tombamento pelo Município de Porto Alegre que, em 1983, deu início às obras de restauração. Havia danos pelos cupins, fissuras e, além disso, o prédio foi atingido por um incêndio. O telhado foi refeito, as paredes e o grande arco cruzeiro estabilizados, removeram-se acréscimos como confessionários externos, refeitos também o revestimento interno e externo, os forros e o piso. As pinturas murais se perderam quase na totalidade. Em 12 de dezembro de 1987, foi finalmente realizada ali missa de reabertura do templo, que hoje segue congregando os devotos de Nosso Senhor do Bom Fim.
A arquitetura eclética da Capela permite identificar três leituras distintas que caracterizam as três fases de sua construção: colonial português, visto nos arcos abatidos da fachada lateral; neogótico, representado nos arcos ogivais; e neoclássico, evidente nos elementos da fachada principal: aberturas em arco pleno, frontão, colunatas dóricas na parte inferior e coríntias na metade superior e na torre sineira, além da estatuária encimando os cunhais.
O templo católico não chega a ser um exemplar de destaque na arquitetura de Porto Alegre – tem proporções modestas e linhas elementares –, mas guarda importância histórica e social. É da época do Império, o que o torna mais raro entre os remanescentes. O Padre Landell de Moura – também cientista e inventor – foi seu capelão, em 1887.
Endereços:
Arquivo Público do Estado – Rua Riachuelo, 1031, Porto Alegre.
Telefone 3288.9100, site www.apers.rs.gov.br
Casa de Lutzenberger – Rua Jacinto Gomes, 39, Porto Alegre
Atualmente em restauro
Capela Nosso Senhor Jesus do Bom Fim – Avenida Osvaldo Aranha, 462, Porto Alegre
Telefone 3311.0883
De onde são?
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