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28 de junho de 2011
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15:45

Miguel Nicolelis decreta o fim do culto ao corpo: “cultuaremos a mente”

Por
Sul 21
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Vicente Carcuchinski
Neurocientista brasileiro diz que a ciência atual nos permite "ver e ouvir as tempestades cerebrais" | Foto: Vicente Carcuchinski

Igor Natusch

Devolver o movimento a pessoas paralisadas, controlar objetos com o poder da mente, agir diretamente sobre a realidade sem necessitar mover um músculo do corpo. Segundo o neurocientista Miguel Nicolelis, não é questão de discutir quando essas coisas serão possíveis – na verdade, elas já são.

O médico e cientista brasileiro, que dirige a Comissão do Futuro da Ciência Brasileira e é codiretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke (EUA), participou de um encontro especial do Fronteiras Educação, ligado ao ciclo de debates Fronteiras do Pensamento. Além de discutir os avanços que a neurociência está trazendo ao conhecimento humano, Nicolelis também autografou seu novo livro, “Muito além do nosso eu”. O evento ocorreu na noite desta segunda-feira (27), no Salão de Atos da UFRGS em Porto Alegre.

No começo de sua palestra, Miguel Nicolelis mostrou uma imagem que, segundo ele, representa o registro de 10 segundos do pensamento de um primata, entre o esforço de decifrar uma mensagem e esticar o braço para pegar um objeto. “Hoje, podemos representar as sinfonias neurais”, continuou, reproduzindo o som feito pela transcrição dos dados exibidos de forma gráfica instantes antes. Usando um termo comum em publicidade, Nicolelis disse que atualmente é possível “ver e ouvir um brainstorm (tempestade cerebral)”, antes de completar, brincando: “meu filho costuma dizer que parece o som de pipoca estourando no microondas, com o ruído de uma emissora AM mal sintonizada ao fundo”.

A partir daí, o neurologista passou a explicar, de forma acessível, os complexos estudos dos quais toma parte na Universidade de Duke, nos Estados Unidos. As pesquisas buscam não apenas decifrar o intrincado funcionamento do nosso cérebro, como também desenvolver mecanismos que permitam ao cérebro controlar ferramentas externas ao corpo humano. “Queremos que ferramentas possam efetuar um comportamento motor comparável ao que o corpo humano faria, sob o comando do mesmo cérebro”, explicou.

Para os que dedicam boa parte de seu tempo ao culto do corpo, Miguel Nicolelis trouxe uma boa e uma má notícia. “A boa é que valeu a pena cultuar o corpo, deu certo durante algum tempo”, disse, para completar de forma irônica: “a ruim é que o culto ao corpo acaba aqui. A partir de agora, surge o culto à mente”. A frase marca um dos pontos máximos da fala de Nicolelis, na qual explicou a abrangência dos estudos que provam que a mente pode comandar ferramentas sem movimento do corpo, usando apenas os impulsos do próprio cérebro. Em vários momentos, o neurocientista mostrou estudos que permitiram a macacos executar jogos simples de computador e até mesmo comandar avatares de si próprios – tudo isso sem mover um músculo do corpo, apenas pensando nos movimentos que desejava executar.

Vicente Carcuchinski
Miguel Nicolelis: vestes robóticas permitirão que quadriplégicos voltem a andar | Foto: Vicente Carcuchinski

O objetivo final desta etapa recebe o nome de The Walk Again Project – uma iniciativa que une centros de pesquisa em vários países com o objetivo de gerar um equipamento capaz de devolver os movimentos a quadriplégicos e pessoas que perderam completamente a capacidade motora. O projeto oferecerá primeiro uma espécie de treinamento, onde as pessoas aprenderão a controlar seus pensamentos por meio de um simulador. Em seguida, estarão aptas a fazer uso de um exoesqueleto de corpo inteiro – uma “veste robótica”, como explica Nicolelis. Com essa espécie de armadura, será possível recuperar a maior parte dos movimentos, inclusive e especialmente os de locomoção. Se tudo der certo, a primeira demonstração pública do projeto será das mais marcantes: a ideia é de que um quadriplégico, fazendo uso da vestimenta, dê o pontapé inicial da Copa do Mundo no Brasil em 2014.

O Fronteiras do Pensamento terá continuidade no dia 08 de agosto, com o político e ativista polonês Lech Walesa – o sociólogo Zygmunt Bauman participaria antes, mas foi forçado a adiar sua presença por motivos pessoais. Pela primeira vez, as palestras serão realizadas também em São Paulo. Outras atrações do ciclo de palestras incluem nomes como o escritor Orhan Pamuk, o filósofo e ensaísta Luiz Felipe Pondé, o escritor e apresentador Alain de Boutton e o enxadrista Garry Kasparov.


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