Colunas>Franklin Cunha
|
21 de setembro de 2017
|
17:04

Economistas e médicos

Por
Sul 21
[email protected]
Economistas e médicos
Economistas e médicos
Keynes em sua biografia expôs os conceitos de todo o grupo: “Os principais objetivos da vida são o amor, a beleza, criatividade, o gozo estético e a busca do conhecimento”. National Portrait Gallery.

Franklin Cunha

Intelectuais em geral não gostam e não entendem  de temas econômicos. E entre economistas, raros são homens de letras, música e artes plásticas. Já ouvi conhecido escritor afirmar que não acredita em economistas que não lêem Borges ou que não gostem das suítes de Bach para violoncelo e de um luminoso quadro de Turner. Houve um que apreciava e até cantava óperas, mas parece que ficou nisso em música e seus conhecimentos econômicos ficaram na mão milagrosa do mercado de Adam Smith. Carpeaux dizia que a ópera representou  a decadência da música italiana. E Marx comprovou que a mão do mercado não funciona. Mas… deixa pra lá.

Pois John Maynard Keynes (1881-1946) era um raro economista interessado nas artes. Nas especiais circunstâncias de sua vida nunca foi um cidadão convencional em qualquer tema que enfocou ou atitudes que tomou. Foi na verdade um cavalheiro inglês da burguesia ilustrada, da era vitoriana, educado em Cambridge. Foi decisiva sua adesão ao grupo Bloomsbury junto com Virginia Woolf e outros intelectuais. Estes não somente renovaram a arte e a literatura como desafiaram certos  hábitos da Inglaterra puritana do início do século vinte.

Keynes em sua biografia expôs os conceitos de todo o grupo: “Os principais objetivos da vida são o amor, a beleza, criatividade, o gozo estético e a busca do conhecimento”.

O grupo Bloomsbury praticava uma sexualidade heterodoxa e Keynes escandalizou a sociedade britânica ao se casar com uma bailarina dos balês russos, ao mesmo tempo que mantinha relações homossexuais com amigos do mundo artístico. Introduziu no programa do partido Liberal  as reivindicações de igualdade das mulheres e as questões sexuais, incluindo  o reconhecimento da homossexualidade. Virgínia Wolf, musa do grupo, escreveu em seu diário que “O sexo impregnava nossas conversações. Analisávamos as relações sexuais com os mesmos entusiasmo e franqueza com que discutíamos a natureza do bem”.

Em 1931 Keynes numa conferência intitulada “Porque sou liberal” , simplesmente disse que “A situação das mulheres e o projeto do salário família (sic) afetam a situação das que não têm trabalho remunerado e a questão de se a elas deve ser aplicada a lei da oferta e da procura  dentro das circunstâncias do momento”.

Quanto à moral sexual e social  afirmou: “Repudiamos totalmente a moral em uso, as convenções e o saber tradicional. No sentido rigoroso da palavra nos convertemos em imoralistas”. Isto porque Keynes admirava André Gide, que em 1902 publicara o livro  O Imoralista.

Ao falar sobre economia, disse que “A economia deve ser somente um meio para criar as condições nas quais a  maioria dos homens podem dedicar seu tempo à cultura e às artes. O problema político da humanidade é combinar três coisas: a eficiência econômica, a justiça social e a liberdade individual”.

Se redivivo, John Mayanrd Keynes não se surpreenderia com o contraste de suas avançadas idéias comparadas com a selvageria social, moral, ética e anti-humana do capitalismo atual.

Não nos esqueçamos que durante anos a ciência era conhecida como “Economia Política”, e ao longo do tempo e por conta do viés matemático, foi perdendo o profundo sentido social. O próprio Keynes se adiantou às  críticas de suas idéias  quando com ironia respondeu:

“A longo prazo estaremos todos mortos”.

Enfim, assim como um economista ao adoecer procura um médico de sua confiança, um médico ao procurar soluções e explicações dos graves problemas sócio-econômicos mundiais deve procurar um economista de sua mais inteira confiança. Eu preferiria ouvir em conferência três deles. Poderiam ser, por exemplo, John Maynard Keynes, Karl Marx e Thomas Piketty. E um pouco de Istvan Meszaros não me faria mal.

***

Franklin Cunha é médico, membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora