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1 de março de 2021
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11:29

A elite empresarial e a responsabilidade de suas escolhas

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A elite empresarial e a responsabilidade de suas escolhas
A elite empresarial e a responsabilidade de suas escolhas
Pato da Fiesp, símbolo das manifestações pela impeachment de Dilma Rousseff. (Foto: Ayrton Vignola/Fiesp/Divulgação)

Flavio Fligenspan (*)

Acompanho, profissionalmente, a conjuntura econômica brasileira desde 1986, ano do Plano Cruzado, a primeira experiência heterodoxa ampla de tratamento da inflação. Vi o entusiasmo inicial da população e de alguns economistas, os erros de administração do Plano – muito em função das eleições do final daquele ano –, e as sucessivas tentativas de congelamento de preços, todas fracassadas.

Observei de perto a campanha eleitoral de 1989, para suceder Sarney, e me chamou atenção a incapacidade do empresariado nacional, especialmente os grandes empresários e as entidades representativas, para juntar forças e viabilizar seu candidato natural, o ex-Governador de São Paulo, Mario Covas. Ele era o candidato do PSDB e, com a experiência no governo do centro dinâmico da economia brasileira, parecia a pessoa indicada para aquele momento em que se discutia a entrada tardia da indústria brasileira no mundo do novo paradigma tecnológico, o da produção flexível. Quem melhor que Covas e o PSDB, com todas suas relações empresariais, para gerir este processo que incluiria administrar uma inevitável abertura comercial? Ficou emblemática a sua frase de campanha: “O Brasil precisa, também, de um choque de capitalismo, um choque de livre iniciativa, sujeita a riscos e não apenas a prêmios”.

Pois bem, Covas não conseguiu chegar ao segundo turno, e acabamos produzindo uma infame clivagem entre Lula – considerado como radical de esquerda – e Collor, um azarão eleitoral, um conservador populista que, na verdade, era uma grande incógnita para a maioria da sociedade. Os empresários o apoiaram maciçamente, muitos sem saber bem o que estavam fazendo, apenas para evitar o “risco da esquerda”. Outros sabiam o que queriam. A frase símbolo da reta final da campanha foi de Mario Amato, Presidente da FIESP, quando disse que se Lula ganhasse, 800 mil empresários sairiam do Brasil. Anos depois, já não sustentava a mesma opinião, declarando-se arrependido.

Como se sabe, a aposta em Collor se mostrou um rotundo equívoco, não só para a maioria da população brasileira, mas para o empresariado que se viu desnorteado e “traído” desde o primeiro momento, com a implantação do destrambelhado Plano Collor em março de 1990. Ao sequestro de ativos seguiu-se uma óbvia desorganização completa da economia e uma recessão que durou até 1992, quando também se desfez o Governo, com a renúncia para evitar o impeachment. O novo Presidente, que se elegeu com amplo apoio empresarial, claramente não tinha a menor capacidade de enfrentar o desafio; sua equipe econômica também não, mostrando despreparo e falta de habilidade para o diálogo.

A abertura comercial, uma promessa de campanha, foi tomada como um símbolo da traição pelo empresariado, que pensava que aquela promessa era só para ganhar a eleição, mas não para ser executada. Pensava também que teria controle sobre o Governo, o que se mostrou um erro. O apoio ao processo de impeachment foi nascendo naturalmente, diante das circunstâncias. Na verdade, o erro maior foi não ter um plano de apoio político que elegesse Covas, o representante natural da elite empresarial naquele momento. Chamava atenção a falta de visão de médio prazo da elite empresarial, supostamente com muitos homens com talento para enxergar o futuro e adotar os caminhos de melhor resultado para si e para suas empresas. A desorganização da economia, a recessão, a abertura sem planejamento, nada disso podia ser visto como bons resultados de homens de negócios de sucesso.

Proponho aqui um corte abrupto no tempo, passando por cima de Fernando Henrique, Lula e Dilma, e desconsiderando Itamar e Temer, já que governaram por pouco tempo e em função de rupturas, não diretamente por escolhas eleitorais. Chegamos a Bolsonaro, uma liderança populista que também usou, e muito, o fato de se colocar como a “alternativa à esquerda” (e à “velha política”), agora carregada com um novo atributo bem trabalhado, a pecha da corrupção em grande escala.

Passados dois anos de Governo, além da incapacidade de organizar o tratamento da Covid, da incapacidade de organizar a economia e da falta de coordenação mínima de ações em várias frentes importantes com repercussões nos negócios das grandes empresas, como a frente ambiental e a das relações externas, o Governo ainda cria confusões desnecessárias quase diariamente. A última delas, de grande impacto, foi a nova crise dos preços dos derivados do petróleo, com o anúncio da intervenção na Petrobras e da troca do Presidente da companhia, em flagrante desacordo com as posições do Ministro da Economia.

Este anúncio, no noite da sexta feira (19 de fevereiro), gerou grande confusão no mercado financeiro, enorme perda de valor da empresa nas bolsas daqui e do exterior e, pior, quebra de confiança do capital internacional, inclusive de grandes fundos estrangeiros que aplicam recursos financeiros e produtivos no Brasil. A semana seguinte ao episódio trouxe várias manifestações de desânimo e de perda de confiança também do empresariado nacional, que começa a explicitar um “jogar a toalha” na aposta que fizera em Bolsonaro e no seu Ministro da Economia.

O empresariado, sobretudo o das grandes empresas, não entende a posição do Governo quanto à administração da pandemia, seu negacionismo e a ausência de um plano organizado e ágil de vacinação. Chegou a ensaiar fazer o papel do Governo, através da compra privada de vacinas, pois sabe que não haverá retomada da atividade sem controle sanitário. Um ano de pandemia e milhares de mortes não foram suficientes para convencer o Governo desta obviedade. Pois bem, com vacinação lenta, as expectativas de recuperação parcial da economia feitas na virada do ano se transferiram para o segundo semestre, se não ainda mais para frente. As projeções de crescimento do PIB para 2021, que sequer recuperariam a queda de 2020, caíram nas últimas pesquisas.

Nestes termos, com o debate público já direcionado para as eleições de 2022, aproxima-se o fim do Governo Bolsonaro sem boas perspectivas na economia, com projeção de crescimento médio próximo de zero nos seus quatro anos. Parece que a aposta do empresariado foi novamente equivocada em 2018, tal como em 1989 com Collor, o que nos remete para uma pergunta inevitável: a elite empresarial do País estaria preparada para não cometer outro equívoco, sob a perspectiva de seus interesses? A um ano e meio das próximas eleições, com o debate já tomando forma, não se percebe uma articulação política que dê conta de um projeto do grande capital para discutir com a sociedade. A elite empresarial não percebe sua responsabilidade no debate público e nas escolhas que faz?

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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