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14 de dezembro de 2020
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10:27

Inflação causada por excesso de demanda em plena recessão: pode?

Por
Sul 21
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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*)

Em audiência pública virtual no Congresso Nacional na última sexta feira (11/12), o Ministro da Economia declarou que o fim do Auxílio Emergencial, programado obstinadamente para a virada do ano, ajudará no controle da inflação, pois cessarão as pressões de preços em diversos mercados, desde produtos de alimentação até material de construção. Independentemente de juízo de valor sobre a importância do Auxílio na pandemia, sobre como o Governo foi forçado pelo Congresso a implantá-lo e sobre como foi mal gerido desde o início, a declaração do Ministro tem um diagnóstico claro, o de que a inflação de 2020, que surpreendeu a todos e que vai fechar o ano acima da meta estipulada, é uma inflação de demanda.

Isto é, o Auxílio entregou renda a uma parcela imensa da população que instantaneamente direcionou esta renda para o consumo de bens de primeira necessidade – e outros nem tanto, como nos casos dos materiais de construção e de eletrodomésticos –, pressionando seus preços. Assim que, a partir do início de 2021, cessada a força que desencadeou este desequilíbrio, o Auxílio Emergencial, desfaz-se automaticamente o desajuste entre oferta e demanda e tudo volta ao seu lugar, com inflação controlada e baixa.

Difícil é explicar como, na maior recessão da nossa história, ocorre uma inflação de demanda; e que, para ser tratada, deve-se retirar o pouco de estímulo ao consumo que ocorreu em 2020 e que foi decisivo para que a economia não colapsasse, chegando ao que projetavam o sistema financeiro e organismos internacionais ainda no primeiro semestre, uma queda do PIB de cerca de 9% neste ano. Interpretando de outra forma, e olhando para frente, para 2021, esta forma de ver o funcionamento da economia brasileira nos levaria a pensar que a esperada saída da recessão, numa retomada da atividade que proporcione aumento do emprego e da renda, fatalmente trará nova expansão da demanda e alta ainda maior da inflação.

Ou seja, se quisermos manter um controle adequado do nível de preços, isto nos exigiria uma economia funcionando permanentemente abaixo do seu potencial, bem abaixo, com as devidas consequências negativas do ponto de vista econômico e social. Só assim seria possível manter os preços sob controle. Aliás, dois dias antes da declaração do Ministro, o Comitê de Política Monetária concluiu sua última reunião do ano e manteve a taxa de juros básica em 2% ao ano, a mais baixa da nossa história. Contudo, na ata da reunião já ficou claro que está aberto o caminho para um novo ciclo de alta da taxa e esta aposta que fazem todos os analistas experientes do setor financeiro.

Ora, se o diagnóstico é de inflação de demanda – grife-se, excesso de demanda em plena recessão –, nada mais correto, deve-se começar a pensar em elevar os juros, para conter esta força que desequilibra as relações econômicas. O problema é conseguir explicar isto para a sociedade.

Um fato curioso ocorreu cerca de dez dias antes destes dois eventos da semana passada. O FMI se mostrou preocupado com a retirada precoce de estímulos que foram dados por vários países durante a pandemia para sustentar a atividade econômica, leia-se, sustentar a demanda, e evitar catástrofes sociais mundo afora. A entidade, de tradição conservadora em termos de pensamento econômico, entende que a pandemia ainda vai produzir efeitos negativos nos próximos meses e que os estímulos devem permanecer, ainda que causem problemas fiscais. Como não há a menor possibilidade de classificar o FMI na lista de entidades comunistas, alguma coisa deve estar errada com a interpretação atual do funcionamento da economia brasileira.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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