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19 de outubro de 2020
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10:15

Quando 2021 vier…

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Sul 21
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Quando 2021 vier…
Quando 2021 vier…
Perspectiva para 2021: nível de atividade econômica frágil, com taxa de desemprego muito alta. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Flavio Fligenspan (*)

Já caminhamos para o final e outubro e o Governo segue enrolado, sem saber o que fazer com a economia e sem reconhecer o acidente de popularidade que está por enfrentar. A partir de agora já estamos vivendo o intervalo de tempo de adaptação à vida sem o Auxílio Emergencial, que acaba em dezembro, pelo menos na visão do Ministro da Economia, tão zeloso de obter melhores resultados fiscais, custe o que custar.

Os estudiosos de psicologia afirmam que a dor da perda é assimétrica em relação ao prazer do ganho; é muito pior a perda, em especial se ela vier depois do ganho. Trazendo para a realidade do Auxílio Emergencial, ainda que haja um período de quatro meses para a população se acostumar à perda, com o valor reduzido pela metade, na virada do ano termina o Programa que deu tanto resultado para assegurar condições mínimas de sobrevivência, movimentar a economia e elevar os percentuais de popularidade do Presidente. Espera-se grande frustração e desencanto com o Governo.

O que a população encontrará pela frente no início de 2021? Um nível de atividade frágil, uma taxa de desemprego muito alta, pressionando rendimentos para baixo e forçando um aumento da informalidade, e a repercussão da taxa de câmbio mais alta sobre os preços de diversas mercadorias. Cenário difícil, tanto mais quanto estiver para estourar a bomba dos reajustes dos preços das passagens do transporte coletivo urbano. Tema espinhoso que lembra as manifestações de 2013 (“as Jornadas de junho”), quando a confusão institucional começou. Mais um ingrediente, com a pandemia sob controle, a população vai estar mais na rua, para procurar o emprego que não vai aparecer e, para protestar.

Olhando pelo lado das empresas, a situação não será muito melhor. O dólar mais caro vai continuar batendo nos custos das matérias primas, a falta de demanda não vai deixar estes custos serem repassados para os preços, o que vai comprimir as margens de lucro e, para muitas delas, terá chegado a conta de todos os pagamentos que foram postergados durante a pandemia: impostos, parcelas de empréstimos bancários e compromissos com a folha de pagamento. Os níveis de confiança em relação ao futuro, em baixa, já demonstram hoje a preocupação com este período que se aproxima rapidamente.

E como reage o Governo? O Ministro da Economia continua pregando o rigor fiscal e o cumprimento da regra do Teto de Gastos, como dogma insuperável em qualquer situação e em qualquer momento do tempo. Daqui a alguns anos, ou talvez em bem menos tempo, já fora do Governo, ele vai se dar conta de que este episódio, com sua crença absoluta no valor da austeridade fiscal a qualquer custo, foi um daqueles erros que toda pessoa ou toda sociedade comete por se agarrar cegamente a preceitos ortodoxos – aqui não no sentido estritamente econômico – que poderiam ser relaxados com grande vantagem. Mas terá sido tarde demais para o País.

O Presidente, por sua vez, demonstra não entender o momento que está vivendo, os riscos que está correndo e, obviamente, não ter capacidade de decidir diante do precipício que se aproxima. A bem da verdade, no plano econômico, pelo menos por enquanto, Bolsonaro está na mão do Ministro e seus dogmas, a despeito da disputa política que não é pequena no entorno palaciano. Venderam-lhe a idéia de que o Teto de Gastos é inegociável, que sem ele o País quebra, sua credibilidade se esvai e junto se perde o Governo e sua tentativa de reeleição.

A respeito disso, em encontro anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial na semana passada, o diretor de assuntos fiscais do Fundo foi muito claro ao expressar sua preocupação com a retirada precoce de estímulos, mesmo em economias com dívida elevada. E não se trata de uma entidade de oposição ao Governo ou mesmo de esquerda. Trata-se do FMI, sempre muito conservador em termos de política econômica, cauteloso e austero, para dizer o mínimo. Nem isso sensibiliza o Governo, que vai viver um 2021 pleno de emoções negativas, arrastando a sociedade para um buraco mais fundo.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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