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9 de fevereiro de 2021
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12:22

A ideia e a presença

Por
Sul 21
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A ideia e a presença
A ideia e a presença
Manuela D’Ávila, Guilherme Boulos e Fernando Haddad (Reprodução/Facebook)

Céli Pinto (*)

A cientista política inglesa Anne Phillips escreveu um texto – que se tornou clássico da Teoria Política Feminista – onde discute a participação das mulheres no parlamento a partir de duas noções: ideia e presença [1]. Phillips nos ensina que é possível haver deputados homens defendendo causas feministas, mas é improvável que uma ideia ganhe corpo sem a efetiva presença de mulheres. Para que possa ter possibilidade de êxito, uma pauta feminista necessita da presença de mulheres, mas também, fundamentalmente, de mulheres com ideias feministas. Em suma, a ideia de libertação não se realiza sem a presença de sujeitos da opressão.

A partir desta tese, quero examinar uma discussão muito presente na política brasileira, tanto por parte da direita, que pretende se apresentar como civilizada em oposição ao troglodita que nos governa, como nas hostes da esquerda de todos os matizes: a tese de que o importante são as ideias, depois vêm os candidatos ou candidatas.

Sem entrar em discussões filosóficas de extração hegeliana, que deixariam muitos marxistas, defensores da tese de que primeiro devem vir as ideias de cabelo em pé, vamos para o mundo da política como ela é, parafraseando o grande Nelson. Os partidos políticos, como os clubes de futebol, os Grêmios Estudantis de adolescentes e até as reuniões de condomínios não são constituídos por um bando de seres humanos sem posições formadas, abertos a ouvir o outro como se fossem uma página de papel em branco. Sempre há lados, há posições herdadas, habitus formados, no sentido bourdiano do termo. A ideia de que é preciso ouvir todos os lados para formar nossas opiniões e que todos têm o mesmo poder de persuasão só é adequada para a falsa ingenuidade propagandeada em programas de TV, como Saia Justa ou Papo de Segunda (com o perdão do Emicida).

Portanto, tanto em setores da direita “civilizada”, como no conjunto das esquerdas do país, sempre que pensam nas eleições de 2022 – e todos estão pensando – estão falando de nomes, lideranças capazes de tocar projetos para a frente ou, pelo menos, tirar o país das mãos desta gang desqualificada. É simplório pensar que, depois de 40 anos de luta, as esquerdas brasileiras precisam construir ideias sobre que Brasil desejam e que a direita não sabe o que quer. Estes grupos precisam acertar internamente os diferentes interesses de seus subgrupos, e não há nenhum juízo de valor aqui. Isso é política: cada grupo coloca sua história, seus interesses na roda para formar coalizões, ou não. Cada grupo tem um conjunto de propostas representadas por líderes que aceitarão uma ou outra, conforme a oportunidade política.

No caso da esquerda e centro-esquerda, alguém acredita que Ciro, Lula, Haddad, Boulos, Manuela, Marina vão se sentar, meditar por 10 minutos (parece que atualmente isso virou essencial) e depois trocar ideias até chegarem a um programa único e então escolherão entre eles o candidato mais adequado? Todos eles sabem, desde as calendas gregas, em que pontos concordam e sobre o que discordam. Cada um acha que tem as reais condições de representar melhor o conjunto de ideias sobre as quais concordam. Para sair um candidato, unitário ou não, dependerá da posição
relativa de poder de cada líder neste jogo.

Voltando a Phillips, há ideias e presenças e não podemos ter a veleidade de abrir mão das segundas em favor das primeiras. As cartas estão dadas. Há um partido que tem a maior bancada de oposição na Câmara de Deputados, que nunca deixou de estar no segundo turno nas eleições presidenciais, desde a eleição de Colllor de Mello – ele deverá abrir mão de um candidato à presidência da república em 2022? Há outro partido que tem como líder um importante político que foi para Paris no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, mesmo sabendo que isto poderia representar a vitória de Bolsonaro, o que, para ele, era preferível à vitória do PT – ele não será candidato?

A direita tem caminhos mais fáceis. Sua centro-direita, representada pelo PSDB, está muito fragilizada e as duas pedras nos seus sapatos estão virando areia: João Doria e Rodrigo Maia. É fácil se unir ao redor de um nome que represente o novo, se filie ao DEM e tenha páginas da Folha de São Paulo à sua disposição, colocando-se contra os extremismos.

Em todo caso, urge que a esquerda e a centro-esquerda se construam em antagonismo ao extremismo de direita e, ao mesmo tempo, possam impedir que a chamada direita civilizada tenha êxito em criar uma equivalência entre seus dois adversários, colocando-os como extremistas. Mais importante ainda é impedir que, no interior do grupo progressista, algum candidato faça o mesmo jogo da “direita civilizada”. Este será o pior dos dois mundos.

A esquerda tem uma tarefa muito árdua, muitos chefes para poucos votos e opositores poderosos. Mas não encontrará respostas aos severos desafios que terá pela frente no espaço das ideias. Ideias sem presenças não funcionam, já nos ensinou Anne Phillips, a presença de lideranças é fundamental. Presença nas ruas, presença em todos os veículos de mídia, quaisquer que sejam, presença nas mídias sociais, presença no Congresso Nacional, nas casas legislativas estaduais e municipais, presença nas janelas, com um megafone, se for necessário. Muitos líderes, todos de preferência.

[1] PHILLIP, Anne De uma política de ideias a uma política de presença. Revista de Estudos
Feminista. V. 9 n.1 , 2001.

(*) Professora Emérita da UFRGS; Cientista Política; Professora convidada do PPG de História da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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