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17 de outubro de 2016
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20:24

Diversidade sofre revés no legislativo porto-alegrense no pleito municipal de 2016

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Sul 21
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Diversidade sofre revés no legislativo porto-alegrense no pleito municipal de 2016
Diversidade sofre revés no legislativo porto-alegrense no pleito municipal de 2016
Fachada do Palácio Aloísio Filho, sede da Câmara Municipal. Foto: Ederson Nunes/CMPA
Fachada do Palácio Aloísio Filho, sede da Câmara Municipal. Foto: Ederson Nunes/CMPA

Aristoteles Junior

Da Famecos/PUCRS

Estella Rocha. Mulher. Não se sente representada pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre. João Pedro Araújo. Negro. Não se identifica com a bancada. Luciano Borba Vargas. Bissexual. Se considera invisível no que diz respeito às políticas públicas municipais. A insatisfação, parece, predomina o vocabulário de quem faz parte de uma minoria social depois de uma eleição.

A capital gaúcha ilustra a falta de representatividade das minorias sociais no Poder Legislativo brasileiro. Apesar de haver mais mulheres do que homens na cidade (1,4 milhão de habitantes, sendo 653.787 homens e 755.564 mulheres), apenas quatro das 36 cadeiras da Câmara de Vereadores serão ocupadas por elas. Negros e pardos compõem 20% da população porto-alegrense, mas elegeram apenas um candidato. A população LGBT permanece ausente no legislativo da capital.

“A bancada é extremamente conservadora. É composta homens, brancos, cisgêneros, extremamente preconceituosos e machistas”, critica Estella Rocha, criadora do grupo feminista Emponderamento da Mulher. Ela aponta uma construção social que desvaloriza as lideranças femininas como motivo para a baixa representação do gênero na Câmara. “Acredito que a política é um espaço nocivo, muito agressivo para as mulheres. Nesse meio, a mulher tende a ter um espaço objetificado, de ‘cota’. Na maioria dos partidos, as lideranças investem em três ou quatro candidatas para ver se vai pra frente”, afirma.

Mulheres, em um passado recente, alçaram-se pela primeira vez ao poder executivo. Casos como o da ex-presidenta da República, Dilma Rousseff (PT), e da ex-governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), também são exemplos da opressão na política. “Elas tiveram uma vida muito mais dura e muito mais agressiva do que os homens. Elas foram muito mais julgadas e desrespeitadas, independentemente da bandeira”, considera Estella.

Ela acredita que a representatividade feminina na política está muito longe de acontecer, pois os homens ainda não aprenderam a ouvir a voz feminina como sinônimo de liderança. Estella relata que já esteve na Câmara de Vereadores. Lá viu mulheres, especialmente as mais jovens, tentarem falar sem sucesso. “Elas são completamente desrespeitadas. É, praticamente, uma relação de agressão verbal e comportamental em relação a essas mulheres”, diz.

Saúde da mulher, questões trabalhistas e direitos, em geral, são algumas das pautas específicas do universo feminino, que devem ser discutidas pelo legislativo. Apesar da hostilidade encontrada no meio, a feminista ressalta a importância presença da mulher nestes espaços. “Não precisamos de mais homens brancos falando por nós. Eles já falaram por milênios”.

“A população não tende a ver o negro como um representante nos espaços de poder”, afirma o estudante de direito João Pedro Araújo. Para ele, o racismo da população brasileira é o fator determinante para a baixa presença de negros na esfera pública. “Os espaços políticos reproduzem a lógica da exclusão da negritude”, lamenta.

Para ele, a política não é feita somente de programas, propostas e racionalidades. Ela também é formada pela imagem e pelo processo de identificação entre o candidato e o eleitor. “Há uma predisposição dos partidos em investir nos candidatos homens e brancos. Historicamente, são eles quem arrecadam mais votos dentro de uma sociedade racista e que não enxerga outras imagens como representantes de seus ideais”, afirma.

A política brasileira apresenta, em sua maioria, eleitos de mesmo gênero, cor de pele, classe social e orientação sexual. Essa falta de pluralidade coloca em xeque a legitimidade das instituições, no que diz respeito a propostas que envolvam os direitos das minorias sociais.

Araújo considera que falta política pública e conscientização social da importância da representatividade para as pautas das minorias. “Embora pessoas de diversas classes sociais disputem as cadeiras da Câmara de Vereadores, os eleitos são, geralmente, oriundos das classes A e B. Como se sabe, a maior parte da população negra ainda reside entre as classes C e D”, reitera.

O estudante enxerga, no resultado das últimas eleições, o fortalecimento do conservadorismo e um esgotamento das propostas e dos métodos utilizados pelos setores mais progressistas da sociedade. “A baixa representatividade negra na Câmara faz com que temas como racismo, e as formas que ele se expressa, sejam pouco discutidos. O genocídio da juventude negra pode ser deixado de lado nesse contexto. São os negros, moradores das regiões periféricas, entre 18 e 24 anos, as maiores vítimas da violência”.

O Censo 2010, do IBGE, sequer abordou orientação sexual e identidade de gênero em suas pesquisas. Contudo, a estimativa da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) afirma que mais de 10% da população brasileira pertence a este grupo. Apesar disso, vereadores de partidos tidos como de esquerda, como o PT e PSOL, levantam esta bandeira na Câmara.

Para o professor de inglês Luciano Borba Vargas, 20, o problema maior dos LGBTs não é a representatividade, mas a visibilidade. “Acho importante, sim, eleger um candidato que conheça os problemas cotidianos da comunidade LGBT. Porém, além disso, ele precisa representar os ideais do eleitor como um todo. Por isso, ter alguém que paute as questões LGBTs, mesmo não fazendo parte deste grupo, já é o suficiente para mim”, afirma.

Luciano acredita que com a configuração atual da Câmara, os projetos relacionados à causa não terão muito futuro. “Precisamos de mais apoio dentro da própria comunidade, para que as pessoas ‘de fora’ possam abraçar as nossas ideias. Se hoje já temos alguns vereadores que representam a nossa causa dentro da Câmara, se deve a um movimento criado pelos próprios LGBTs. Nós precisamos mais disso”, lembra. Para ele, falta apoio por parte dos partidos com os candidatos LGBT. “Além, é claro, de mais engajamento na conquista de votos”, pondera.

Apesar do cenário desfavorável, Luciano acredita que o conservadorismo está em declínio na capital gaúcha. “Apesar de ser um pouco utópico, acredito que possamos chegar em um processo eleitoral onde não precisemos lutar por visibilidade, por já estarmos inseridos no cotidiano da sociedade”, diz.

 


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