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26 de junho de 2012
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09:00

Queda-de-braço tem vitórias de Lugo na política externa e de Franco no Judiciário

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Sul 21
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Jovens protestam contra Federico Franco | Foto: Marcello Casal Jr./ABr

Felipe Prestes

Fernando Lugo aceitou de pronto a decisão do Senado de destituí-lo na última sexta-feira (22), segundo ele para não “dar o gosto aos promotores da morte, que provocaram as mortes de policiais e camponeses”. A afirmação é reveladora da postura de Lugo: evitar conflitos armados, como fez na sexta-feira, mas partir para o confronto político. O presidente deposto deu esta declaração nesta segunda-feira (25) em um “gabinete pela restauração democrática” que montou com a participação dos ministros que permaneceram fiéis a ele.

Com a medida, Lugo trata de agir como presidente. Ele afirmou que sua equipe irá fiscalizar o novo governo. Ao “despachar” no gabinete, ele afirmou também que pretende participar da Cúpula do Mercosul, que ocorrerá em Mendoza, na Argentina, que ocorrerá entre a próxima quinta (28) e sexta (29), reunião da qual o Paraguai não poderá participar, por ter sido suspenso. A Unasul vai aproveitar a reunião para debater a situação política paraguaia, por isto a cúpula terá participação de todos os países sul-americanos à exceção do próprio Paraguai. Lugo disse que pretende transmitir a presidência da Unasul (que, na verdade, não está em seu nome, mas com a presidência do Paraguai) ao presidente do Peru, Ollanta Humala.

Federico Franco também deve enviar um representante à Cúpula do Mercosul, o novo chanceler do país, José Fernandez Estigarribia. Enquanto Lugo, “despachava com ministros”, ele começava a governar, nomeando sua equipe e movimentando a diplomacia para ser aceito pela comunidade internacional. É a queda-de-braço entre antigos aliados que procuram legitimar sua posição como presidente. O saldo da briga entre o presidente deposto e o presidente imposto nesta segunda-feira foi de vitórias para Fernando Lugo no plano internacional e vitórias de Franco no plano interno.

Judiciário fecha as portas para Lugo

Lugo amargou derrotas no Judiciário paraguaio nesta segunda. Derrotas, de fato, no plural. Primeiro a Corte constitucional, arquivou a ação de inconstitucionalidade que seus advogados haviam proposto na sexta-feira. A rapidez na decisão tem motivo: os ministros Víctor Núñez, Gladys Bareiro de Módica e Antonio Fretes sequer entraram no mérito da ação, em uma decisão in limine.

Marcello Casal Jr / ABr
Fernando Lugo diz não ter tido tempo de se defender de acusações em julgamento que o destituiu da presidência do Paraguai | Foto: Marcello Casal Jr / ABr

Os ministros disseram que o julgamento político é de exclusiva responsabilidade do Congresso e, por isto, arquivaram a ação. Além disto, argumentaram que, como o Senado já tomara sua decisão, o processo já estava extinto e, por isto, o pedido de Lugo não tinha validade. Eles chegaram a citar trecho de um livro de um dos advogados que defendeu Lugo no Senado, Emílio Pacheco, no qual ele diz que equiparar o juicio político a um processo judicial é “uma perversão inadmissível do princípio de responsabilidade política, essencial e inerente à democracia”.

Os advogados de Fernando Lugo entendem que o processo feito pelo Congresso feriu o artigo 17 da Constituição paraguaia, que fala do direito de defesa. O artigo diz que “no processo penal, ou em qualquer outro do qual puder derivar pena ou sanção” toda pessoa tem vários direitos, entre eles “à comunicação prévia e detalhada da imputação, assim como dispor de cópias, meios e prazos indispensáveis para a preparação de sua defesa em livre comunicação”. Lugo teve menos de menos de 24 horas para preparar sua defesa e seus advogados tiveram duas horas para expor seus argumentos.

Além da decisão da Corte, Lugo também sofreu uma derrota no Tribunal Supremo de Justiça Eleitoral (TSJE). Ante a impossibilidade de se reverter a decisão do Congresso, a pressão dos movimentos sociais ligados a Lugo deve ser para que as eleições presidenciais, marcadas para 21 de abril de 2013, sejam adiantadas, o que o próprio presidente deposto defendeu nesta segunda em seu “gabinete pela restauração democrática”. Entretanto, em um comunicado o TSJE rechaçou esta possibilidade, dizendo não ser possível modificar os prazos eleitorais e manifestando que Federico Franco é o legítimo presidente.

Semana terá reuniões de OEA, Unasul e Mercosul para falar do Paraguai  

Legitimado pela Justiça paraguaia, Federico Franco vê, contudo, seus esforços no plano internacional não surtirem qualquer efeito. O primeiro cargo de primeiro escalão nomeado por Franco foi o de chanceler. Até agora, Estigarribia, não conseguiu nada mais que uma visita do representante do Vaticano no Paraguai e do embaixador alemão.

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Federico Franco disse que procuraria países vizinhos para desfazer "mal-estar" com impeachment | Foto: Marcello Casal Jr./ABr

No final de semana, Franco disse que procuraria países vizinhos para “desfazer o mal-estar”, acreditando que poderia obter apoio dos presidentes Dilma Rousseff e José Mujica, do Uruguai, que adotaram, inicialmente, posturas cautelosas quanto à deposição de Lugo. Os dois países chamaram seus embaixadores para consultas, ao passo em que os presidentes de Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela declararam de pronto não reconhecer o novo governo. A diplomacia de Franco, porém, só viu as coisas piorarem até o momento.

Ainda no domingo (24), Brasil, Argentina e Uruguai anunciaram a suspensão do Paraguai do Mercosul, medida que possivelmente deverá ser estendida à Unasul. A medida não é uma sanção econômica, mas de participação nos órgãos decisórios.

À rádio uruguaia Sarandi, o chanceler paraguaio Fernandez Estigarribia queixou-se que estava tentando telefonar para seu par uruguaio, Luis Almagro, após a decisão do Mercosul, mas que Almagro se negava a conversar com ele. O presidente uruguaio, José Mujica, também elevou o tom das críticas, afirmando que houve um “golpe de estado parlamentar”, que não se pode deixar passar por alto. Ele disse ainda que a destituição foi “aparentemente legal”, mas “moralmente ilegítima”. Mujica fez coro ao que havia pleiteado Lugo e recomendou que o Paraguai “acelere as eleições”.

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José Fernandez Estigarribia, chanceler paraguaio, disse que Mercosul não dá direito de defesa ao novo governo paraguaio | Foto: Marcello Casal Jr./ABr

A chancelaria paraguaia criticou a suspensão, apontando uma possível contradição dos países do Mercosul, por não ter deixado o novo governo se defender. Segundo a diplomacia do país, os países não levaram em conta que os procedimentos legais para se aplicar o Protocolo de Ushuaia, que diz respeito a sanções a países que não cumprem preceitos democráticos. “A declaração, curiosamente, tem o mesmo defeito que se atribui ao processo interno paraguaio que lhe deu origem, que se qualifica impropriamente como de ruptura da ordem democrática, ‘por não haver se respeitado o devido processo’”.

A decisão do Mercoul surtiu efeito fora da América do Sul. A Espanha, que havia emitido nota confusa no sábado, defendendo o respeito ao Estado de Direito e declarando confiar que o Paraguai vença a crise política, mudou seu posicionamento nesta segunda. O ministro das Relações Exteriores espanhol, José Manuel Garcia-Margallo declarou que a Espanha confia no Mercosul e na Unasul para a gestão da crise. Margallo criticou o prazo que a defesa de Lugo teve no Senado. A França emitiu comunicado semelhante, afirmando apoio à Unasul.

Os Estados Unidos também mudaram de posição. Ainda na sexta-feira (22), dia da deposição, os EUA haviam emitido nota aparentemente pró-Franco, pedindo que os paraguaios agissem “de maneira pacífica, com calma e responsabilidade, segundo o espírito dos princípios democráticos do Paraguai”. Nesta segunda, a porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Victoria Nuland, disse que o país está “bastante preocupado” com a rapidez do processo de cassação de Lugo. Ainda assim, disse que, dentro do sistema paraguaio, a rapidez foi contestada e o processo seguiu adiante.

Nuland afirmou que os EUA estão consultando seus aliados na Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a crise política do Paraguai. A OEA adiantou uma reunião extraordinária de seu Conselho Permanente para discutir este tema da quarta-feira para esta terça (26). A reunião é para que os membros da OEA tomem conhecimento sobre a situação do país, mas o Conselho tem poder para tomar medidas contra o Paraguai.

Além dos revezes no plano diplomático, o governo paraguaio viu a possibilidade de a nota de sua dívida pública ser rebaixada. Em um comunicado, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s previu que a nota da dívida paraguaia deve ser rebaixada daqui a três meses, quando estiverem claras as consequências da ruptura política. Os motivos seriam a instabilidade, a troca de toda a equipe econômica e as possíveis sanções econômicas, como a que já vem impondo o governo da Venezuela, ao cortar o fornecimento de combustível ao Paraguai.

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Ministros paraguaios tomam posse | Foto: Marcello Casal Jr./ABr

A queda-de-braço das mobilizações

Enquanto os apoiadores de Lugo, especialmente agremiações campesinas, já se mobilizam em Assunção desde que foi iniciado o processo de impeachment na semana passada, a mobilização pró-Franco começa a ganhar corpo essencialmente com apoio de grandes produtores rurais. Os brasiguaios, que são em grande parte produtores rurais, entregaram carta ao cônsul brasileiroem Ciudad DelEste, pedindo que Dilma Rousseff apoie o novo governo. Eles afirmam que o Governo Franco já lhes deu garantias de segurança quanto aos conflitos agrários, e que não tinham qualquer garantia no Governo Lugo.

A Unión de Grêmios dela Producción (UGP) suspendeu nesta semana um “Tratorazo” que realizaria em protesto ao Governo Lugo. Em nota, a entidade diz que se trata de um “tempo de mudanças e ajustes” e que confia que as novas autoridades vão dar respostas “às inquietudes de diversos setores da população” por “paz e segurança”. A entidade também emitiu nota criticando duramente o Mercosul, por ter suspendido o Paraguai.

O Partido Liberal Radical Autónomo (PLRA), que deixou o Governo Lugo na semana passada, criando as condições para a cassação, vai realizar nesta quarta-feira uma marcha “pacífica”, segundo seu presidente, Blas Llano, em favor de Federico Franco. Já está confirmada a participação da UNACE, partido fundado por Lino Oviedo, senador e militar que tentou dar um golpe de estado nos anos 1990. Também serão convidados os partidos Colorado e Pátria Querida.

Com informações de Ultima Hora, La Nación, ABC Color, E’a, Terra, El Observador, Paraguay.com, Agência Brasil e Telesur


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