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24 de março de 2012
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06:04

E essa tal de arte contemporânea?

Por
Sul 21
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Em termos de artes visuais, essa pergunta sempre vem à tona, e as respostas são diversas. Para o senso comum, contemporânea é toda a arte deste tempo; o que se produz aqui e agora, essa mescla de estilos, valores e padrões que convivem no mundo globalizado. Entretanto, será que no campo artístico funciona assim? Não, o conceito de arte contemporânea é bem específico, diferenciando-se da arte atual genericamente considerada.

Vários autores se dedicam a estudar e definir a Arte Contemporânea, cujas origens se encontram na segunda metade do século XX, com a emergência da Pop Arte. Esse movimento artístico, que incorporava ícones da cultura de massa, para com eles criar proposições ambíguas e questionadoras, inaugura um tipo de postura marginal/integrada típica da sociedade de consumo. Vários movimentos seguiram nessa linha de produção border-line, criando novas categorias artísticas, como as “performances” (espécie de ação artística momentânea, envolvendo o artista ou outras pessoas segundo sua proposição), “instalações” (construções espaciais com objetos, que fogem à classificação de escultura), “videoarte” (propostas com imagens em movimento que não se enquadram no cinema e na TV tradicionais). Em todos esses experimentos a construção da visualidade é o foco.

Assim, a arte contemporânea, seja nos seus momentos mais ou nos menos radicais, com seus questionamentos, instaurou uma busca constante de inovação e ruptura. Afirmando o lugar-comum e a vida real como motor de criação, a pluralidade domina esta produção, na qual não é mais possível estabelecer movimentos ou tendências estilísticas dominantes, embora algumas classificações sejam tentadas – arte povera, arte conceitual, arte relacional, etc. O desaparecimento da especificidade de suas práticas e as aproximações com o banal e o cotidiano permitem que alguns autores falem de uma arte pós-autônoma. Isso por que, ao fugir da tradição refinada e elitista dos objetos artísticos, estabelecendo fortes ligações com o mundo real, os artistas fragilizam a autonomia do campo artístico. Eles propõem rupturas com o sistema da arte, e este, por outro turno, vai aos poucos incorporando tantas e diferentes propostas que fica difícil determinar seus contornos. Cozinhar para o público na Bienal de Veneza pode ser um ato artístico, como fez Rirkrit Tiravanija, assim como colocar uma montanha de batatas apodrecendo em uma galeria, como propôs Agnes Varda.

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Se o regime de consumo é moderno, o regime de comunicação é contemporâneo; nele os valores artísticos se definem nas redes de relações que estabelecem valores e significações. Atividades e objetos muito diferenciados podem ser considerados artísticos, dificultando a compreensão do grande público. A comercialização permanece, ainda que com diferentes estratégias. Tem-se, por exemplo, a venda de fotos ou vídeos de performances, que aconteceram num determinado local e momento, e cuja existência se perpetua nestas imagens. O objeto vendido são os vestígios do ato efêmero, que ocorreu e que bem poucos puderam assistir. Para a realização desta comercialização, artistas e obras se articulam em diferentes conexões.

Os interessados podem encontrar um conjunto de informações básicas sobre a arte contemporânea no site da enciclopédia do Itaú Cultural

Embora haja muitos estudos e várias tentativas de definições da arte contemporânea, fica sempre difícil estabelecer parâmetros. Quem homologa o valor artístico e quem estabelece a hierarquização desses artistas e de seus produtos? Isso só se aclara um pouco quando se analisa o complexo em que se articulam marchands, curadores, administradores de museus, críticos, fundações, agentes de arte, investidores, jornalistas e até produtores culturais, que substituem muitas vezes os críticos e os historiadores da arte. O sistema da arte – grande universo simbólico – está repleto de crenças que dificultam a percepção das suas condições institucionais e das disputas sociais que nele se inserem. Segundo Anne Cauquelin, as crenças mais persistentes são: a do artista como gênio criador (responsável único pelos produtos de sua criatividade), a da imanência da obra de arte (que todos reconhecem espontaneamente) e a da universalidade atemporal dos valores artísticos

Mesmo na contemporaneidade, em meio a tantos questionamentos, a maioria dos indivíduos ainda assume e difunde essas míticas da criação. Por isso, muitas críticas são feitas a essa produção que perdeu os contornos de seu campo autônomo, que se mistura na vida real, que desaparece sem deixar senão vestígios do que se passou. Um grande número de indivíduos se pergunta: isso é arte?

Segundo Ana Mae Barbosa, “sob a designação de arte contemporânea tem-se ainda a continuação da arte moderna, especialmente no Brasil, muito apegado ao modernismo”. A grande maioria das pessoas têm dificuldade de perceber que muita coisa interessante está sendo feita sob a designação de arte contemporânea, que os artistas procuram se aproximar cada vez mais do público, invadindo todo tipo de espaço, e o dia a dia dos indivíduos. Como prática simbólica deste tempo, essa arte tem que dizer da realidade complexa e contraditória que se vive hoje, das riquezas e misérias deste mundo global/local, das individualidades e do social. O ponto a discutir não é mais como classificar ou hierarquizar as ações artísticas, mas como deixar-se permear por elas. Como perceber suas repercussões, suas possibilidades comunicacionais e, principalmente, sua capacidade de surpreender? Num mundo em que as mídias atordoam os olhares com imagens, como pode a arte encantar ou impactar? Pode ela, ainda, obter adesões e participações?

São muitos os desafios que se colocam para os produtores, para os críticos e para o próprio público, pois abrir os olhos e o coração para essa arte não é aceitar tudo sem ordem de valores. É necessário buscar continuamente referências e informações que permitam estabelecer uma real vivência estética e caminhos de fruição. Comodismo não funciona para quem deseja uma vida rica em experiências.


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