Colunas
|
25 de fevereiro de 2012
|
06:13

Eu te conheço de muitos carnavais

Por
Sul 21
[email protected]

Qual o interesse de conectar e pensar em artes visuais em tempos de carnaval? Esses dois fenômenos, que parecem à primeira vista tão distantes, podem mostrar muitos pontos de contato. Para os apreciadores desse evento, que é um dos momentos mais significativos da cultura no Brasil, estas abordagens podem ser bem interessantes.

Segundo Dostoievski, não há assunto tão velho que não possa ser dito algo de novo sobre ele, e o carnaval é festa antiga. Estudiosos identificam suas origens nos ritos pagãos que a Igreja Católica medieval procurou controlar. Caracterizada em Veneza e Florença por festivais com desfiles e bailes de máscaras, muitos dos mais reconhecidos artistas plásticos e mestres do Renascimento deles participaram, criando cenários e todo tipo de decoração. As elites buscavam um reconhecimento social de sua distinção no luxo e na beleza desses festivais, e os artistas eram seus aliados nessa tarefa. Os mecenas, inclusive, colocavam seus quadros pintados para desfilar pelas ruas para que o povo pudesse admirá-los. As belas-artes em suas origens estiveram bastante próximas das atividades populares, servindo à Igreja e às classes dominantes (nobreza e burguesia) como instrumento de controle social. A segmentação dos públicos erudito e popular ocorreu na modernidade, quando os integrantes do campo artístico buscaram formas de autonomia, desligando-se das funções de representação.

Assim, uma primeira relação pode ser estabelecida com a participação de artistas em elaborações visuais para a grande festa. O que ainda hoje pode ser visto nas escolas de samba, em que muitos carnavalescos são artistas, com formação em artes visuais e história da arte. Além disso, é bastante destacada nas oficinas de arte de cada escola a utilização diferenciada que se faze das qua­lidades artísticas e técnicas dos colaboradores. No carnaval em, geral e, nesse barracão em particular, estabelecem-se as participações de artistas com formação específica, definindo, de acordo com as suas posições, relações entre seu trabalho e a arte. Uma grande margem de criatividade envolve cada elo da cadeia de produção, e mesmo os trabalhadores menos envolvidos nas questões de arte reconhecem, em seu trabalho a importância da criatividade. O efeito visual de uma escola de samba não pode ser considerado como produto da criação de um só ar­tista, mas o rico resultado da relação de numerosas pessoas com trajetórias e posições diversas, num processo dinâmico e coletivo. Entretanto, a participação de artistas com formação universitária e atuação profissional nessas produções, tem sido crescente nos últimos anos.

Outra relação importante entre as artes visuais e o carnaval aparece na homenagem que muitas escolas fazem para destacados artistas plásticos. Cândido Portinari, no carnaval do Rio de Janeiro, em 2012, foi homenageado pela escola Mocidade Independente. Cantando Portinari, a Mocidade fez um desfile cheio de cores e imagens alusivas aos seus quadros mais conhecidos. A escola surpreendeu com alegorias e fantasias criativas e de muito impacto visual. Os carros tinham imponência e bom acabamento, com destaque para as reproduções das telas “Café” e “Retirantes”. A letra do samba-enredo retoma aspectos da vida e obra desse grande artista, aproximando-o mais do público leigo.

http://youtu.be/y0znd__FLjQ

Também em 2012, Romero Britto foi tema da Escola de Samba Renascer, de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. O trabalho com cores vibrantes e figuras esquematizadas do artista prestou-se bastante bem a essa incorporação carnavalesca.

http://youtu.be/bL0f04E_mNU

Outra homenagem foi proposta no carnaval de 2008 pela Escola de Samba Bambas da Orgia, em Porto Alegre, que tomou como tema o Instituto de Artes da UFRGS, que naquele ano comemorava seus 100 anos. Os alunos executaram uma ala de fantasias, participando ainda da confecção de diversos carros alegóricos, e executando uma cópia de um painel do artista Aldo Locatelli. A comissão de frente (que foi escolhida a melhor do carnaval daquele ano) foi concebida e coordenada pelo professor Francisco de Assis, do Departamento de Artes Dramáticas, com a participação de alunos e membros da escola de samba. Vários participantes nas alas foram alunos e professores do Instituto.


Muitos artistas usam o carnaval como fonte temática seja o caso dos clássicos personagens Pierrô e Colombina, ou o uso das imagens dos foliões como faz Arthur Omar em seu ensaio fotográfico “Antropologia da Face Gloriosa”. Nessa série, Omar foca o êxtase estético, a violência sensorial e social para a construção de suas metáforas visuais. O artista parte de um estudo do rosto como dimensão transcendental, elaborando uma iconografia da realidade brasileira a partir desse fenômeno que marca sua cultura. Apresentada pela primeira vez na Bienal de São Paulo de 1997, a instalação fotográfica, constava de um painel com 99 fotografias em preto e branco em grande formato. Essa série, hoje reconhecida como um clássico da fotografia brasileira, pode ser vista em livro publicado pela Cosac & Naify.


A experimentação de novas estratégias pode contribuir para que a arte tenha uma visualidade contemporânea, comprometida com seu espaço, e inserida nos grandes complexos culturais. As atuações artísticas mais significativas que se encontram atualmente emergem de flexíveis correntes hibridas e se nutrem das tensões e contradições do mundo real. São produções que, recriando tradições, tentam responder aos problemas colocados pela contemporaneidade, tanto ao nível individual quanto das coletividades. O carnaval pode ser um desses momentos de novas oportunidades visuais, tanto para os criadores quanto para o público em geral que observa. O importante é estar antenado.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora