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1 de novembro de 2011
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09:00

Vitória da Palestina na Unesco aumenta pressão sobre Israel e EUA

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Sul 21
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“Esse voto apagará uma pequena parte da injustiça cometida contra o povo palestino”, diz ministro das Relações Exteriores da Palestina | Foto: Reprodução

Igor Natusch

O reconhecimento da Palestina como membro pleno pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), ocorrida na segunda-feira (31), pode ter pouco resultado prático. Mais do que isso, desperta reações de EUA e Israel que colocam em risco a própria manutenção das atividades do organismo internacional. Mas, para os palestinos, a vitória tem considerável potencial simbólico, uma vez que aumenta a pressão sobre a votação no Conselho de Segurança da ONU, que irá deliberar sobre a moção da Palestina na semana que vem.

“Esse voto apagará uma pequena parte da injustiça cometida contra o povo palestino”, afirmou o ministro palestino das Relações Exteriores, Riyad al-Malki. “É um pilar político na nossa batalha pela independência, e estamos mais perto dela do que nunca”, acrescentou Sabri Saidam, conselheiro do presidente palestino Mahmoud Abbas. Na visão de Saidam, a admissão é uma mensagem a todos aqueles que se opõem à moção palestina no Conselho de Segurança, que pede aceitação plena da Palestina como membro das Nações Unidas.

Na votação, o Brasil posicionou-se a favor do pleito palestino, ao lado de nações que fazem parte do grupo dos países em desenvolvimento (BRICs) — China, Rússia, Índia e África do Sul. Em apoio à postura contrária dos EUA, Canadá e Alemanha foram contra a inclusão da Palestina, enquanto o Reino Unido optou pela abstenção. A França, país que apresentava grandes reservas quanto à demanda palestina, acabou votando a favor do pedido de admissão plena. Ao todo, 107 membros aprovaram a entrada da Palestina, restrita desde 1974 ao papel de membro observador, enquanto 14 foram contrários ao pleito e 52 se abstiveram de voto. Outros 12 dos 185 países aptos a votar não compareceram à sessão.

Jon Donnison, correspondente da BBC em Ramallah, diz que a aprovação pela Unesco é vista na Palestina como parte de um esforço maior em pressionar Israel e legitimar suas demandas na esfera internacional. “Os membros da Unesco parecem ter colocado questões políticas acima do dinheiro. Os EUA têm poder de veto no Conselho de Segurança, mas não possuem tanto poder assim na Unesco, por isso fizeram lobby pesado para tentar forçar os palestinos a desistir”, descreve Donnison, acrescentando que a vitória dá “um gás extra” ao líder da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.

Assista abaixo ao vídeo que mostra o anúncio da aceitação da Palestina como membro pleno da Unesco:

EUA: decisão da Unesco é “lamentável e prematura”

As primeiras ações de EUA e Israel contra a decisão da Unesco foram imediatas. Horas depois do anúncio, o Departamento de Estado dos EUA já anunciava o corte no repasse de US$ 60 milhões à entidade, que ocorreria no começo de novembro. A porta-voz do Departamento de Estado americano, Victoria Nuland, afirmou que a decisão de aceitar a Palestina como membro pleno era “lamentável e prematura”, contribuindo para “minar o objetivo comum para um acordo de paz justo e duradouro”.

Uma lei norte-americana aprovada nos anos 90 permite a Washington cortar o repasse de recursos a qualquer organização internacional que admita a Palestina como membro pleno. Ainda que os EUA continuem, a princípio, integrando a Unesco, o corte de verbas tem forte impacto sobre o orçamento da organização internacional, já que calcula-se que os Estados Unidos financiam até 22% das atividades bianuais do órgão.

Os EUA já deixaram a Unesco uma vez, em 1984, por discordar do modo como a entidade conduzia suas políticas. O regresso ocorreu quase 20 anos depois, em 2003. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, deixou bastante claro que a organização vai fazer o possível para garantir o financiamento da Unesco, mesmo com a possível sanção dos EUA. “Trabalharemos em soluções práticas para manter os recursos da Unesco e garantir a continuidade de seus projetos”, garantiu Ban Ki-moon em pronunciamento na segunda-feira (31).

Em apoio à postura norte-americana, Israel declarou que o pedido junto à Unesco era “uma manobra unilateral” da Palestina que não traria mudanças efetivas, apenas “afastando mais ainda a possibilidade de um acordo de paz”. O comunicado, assinado pelo gabinete de Relações Exteriores de Israel, acrescenta que o país considerará “medidas mais abrangentes” no que se refere a sua cooperação com a Unesco. O representante israelense na organização, Nimrod Barkan, acenou com a possibilidade de Israel seguir os EUA e também retirar o apoio financeiro à entidade internacional. Isso, de acordo com Barkan, faria com que fosse “impossível” à Unesco seguir cumprindo sua missão. “A Palestina forçou à Unesco uma decisão política, que está além de sua competência”, analisou o representante israelense.

Karl Vick, correspondente do Times em Jerusalém, acredita que a decisão da Unesco, ainda que dolorosa do ponto de vista econômico, aumenta o constrangimento norte-americano na eventualidade de realmente precisar usar o poder de veto no Conselho de Segurança. “A votação em Paris é um lembrete da popularidade que o pedido da Palestina por ser membro pleno da ONU tem na maior parte do mundo”, argumenta. Segundo ele, o grande esforço dos EUA é em convencer os integrantes do Conselho de Segurança a não aceitar o pedido da Palestina, de modo que ela obtenha menos do que os nove votos necessários para que a petição siga adiante. “Os EUA usarão seu poder de veto, mas eles realmente, realmente prefeririam não fazê-lo”, afirma Vick.

Para analistas, esforço de Mahmoud Abbas coloca a Palestina em condições de negociar mais ativamente com Israel, EUA e Europa | Foto: Marco Castro/UN Photo

Palestina coloca-se “em pé de igualdade”, diz especialista

Ainda que o grande impacto da decisão da Unesco seja político, ela também tem algum significado prático. Afinal de contas, a organização é responsável pelos locais e monumentos considerados patrimônio da humanidade – conceito ao qual o Mar Morto aspira e que já ostentam a Igreja da Natividade, em Belém e o túmulo de Abraão em Hebrom. Com isso, a Palestina ganha uma voz mais ativa, dentro da comunidade internacional, no que se refere a alguns dos pontos de maior significado histórico (e político) do planeta.

A ideia da Palestina, de qualquer modo, é não parar por aí. Mufeed Shami, chefe da missão diplomática palestina em Portugal, garante que o pleito aprovado pela Unesco será conduzido a outras organizações ligadas à ONU, como forma de garantir a Palestina como “membro pleno, ativo e civilizado na comunidade internacional”.

Glen Rangwala, especialista da Universidade de Cambridge ouvido pela Deutsch Welle, acredita que os EUA não deve ceder, em um futuro próximo, ao pleito da Palestina junto à ONU. Mesmo assim, e ainda que considere o impacto real da decisão da Unesco como “pouco significativo”, Rangwala considera que a Palestina está tendo sucesso em uma de suas principais estratégias: manter o assunto nas manchetes e na pauta de discussões da ONU. “Ninguém nega que a Palestina só será de fato um Estado independente quando houver a aceitação de Israel”, diz Rangwala. Mas acredita que o esforço palestino junto à Unesco e outros órgãos ligados à ONU coloca o postulante “em pé de igualdade” com Israel para discutir as condições de um acordo.

Mouin Rabbani, analista do Instituto para Estudos sobre a Palestina em Amã, na Jordânia, concorda com essa leitura. “O que a Palestina está fazendo é colocar-se no mesmo patamar dos norte-americanos, europeus e israelenses. Com isso, passam a ser levados mais a sério como interlocutores”, argumenta Rabbani.


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