Revolução Russa -- 100 anos
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17 de agosto de 2017
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18:32

XXII — O Realismo Socialista de Maxim Gorky

Por
Sul 21
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Fernando Horta

Uma das grandes mudanças que o século XX trouxe à Rússia era derivada da industrialização. A sociedade vai se transformando e, inevitavelmente, a cultura e a literatura espelham esta transformação. A lenta industrialização que vai ocorrendo essencialmente em núcleos urbanos, não apenas oferece – como afirma a teoria marxista – a contradição principal do capitalismo e o surgimento de uma classe oprimida. A industrialização oferece também uma mudança nas formas de entendimento do mundo, nos tempos e joga luz em uma série de tipos sociais que antes eram invisíveis.

Anton Chekov e Maxim Górky em Yalta em 1900

Aleksei Peshkov, nascido em 1868 em Novgorod, conhecido como “Gorky” (“amargo” em russo), é um dos principais nomes de um estilo literário chamado “Realismo Socialista”. Nas palavras de Stalin, a literatura deveria “exaltar as qualidades domésticas e proletárias”, como forma de se opor à toda visão de mundo burguesa. Tipos que não apareciam nas criações clássicas de Pushkin, Lermontov, Turgenev e Dostoevsky passam a figurar como o centro das descrições do mundo industrial-revolucionáio do início do século XX. Gorky, como o escritor que fez dos miseráveis e dos marginais os seus grandes personagens, entendia que a grande virtude humana era ser capaz de lutar contra o seu meio. A sobrevivência toma o lugar das virtudes clássicas como a misericórdia, o amor abnegado ou a humildade:

Quando eles falam de ‘narod’ [o povo em russo], eu sinto uma mistura de desconfiança e surpresa pois não posso pensar da forma como estas pessoas pensam. Para eles ‘narod’ é a personificação da sabedoria, da beleza espiritual, da benevolência, como criaturas divinas … Eu não conheço este tipo de ‘narod’. Eu conheço carpinteiros, pedreiros […] todos que não dependem apenas da sua vontade.” (Maxim Gorky, Coletânea, volume 13)

Desde o final do século XIX, Maxim Gorky se destacava pelas representações “reais da vida” na sociedade russa em industrialização. Afora as capacidades estilísticas, Gorky havia passado extrema necessidade, trabalhando como cozinheiro ou pedreiro quando não passava fome nas ruas. Desde os treze anos Aleksei sofria com a privação material e esta experiência pode ser vividamente passada às páginas de seus escritos. O homem que foi indicado cinco vezes para o prêmio Nobel de Literatura, publicou pela primeira vez em 1898 e com curtas histórias sobre a “realidade”, Gorky se tornaria o escritor mais lido da Rússia, e também o mais observado pelas forças do czar.

Maxim Górky em 1902, foto do Instituto de Literatura Mundial em Moscou

A partir de 1901, Gorky se tornava um revolucionário atento aos escritos de Plekhanov e ávido por conhecer o marxismo. Sua capacidade com a linguagem e a fluidez de seus textos, o colocaram em contato com os revolucionários que publicavam o jornal Iskra (faísca em russo); o colocaram em contato com um certo Vladimir Ulianov. No primeiro encontro entre os dois, em 1907, Gorky escreveria “Ele [Lênin] era algo comum, não dava nenhuma impressão de ser um líder”.

De abril a julho de 1917, Gorky e Lênin passaram muitos momentos juntos. Enquanto Gorky tinha pouco apreço pelos camponeses, a quem chamava de “não letrados incapazes de sentir paixão”, Lênin defendia-os incessantemente. A discussão sobre o que seria mais necessário para a revolução, se a técnica e o conhecimento dos grupos proletários urbanos ou a obstinação e a confiança dos camponeses colocou o velho escritor longe do revolucionário. O realismo socialista de Gorky era essencialmente urbano e via o mundo do campo com distância e desprezo. Do final de 1917 até 1918, Gorky afastou-se de Lênin, denunciando o comportamento “cruel” e “tirano” do líder bolchevique. A agressividade de seus textos fez com que fosse censurado pela revolução. O velho escritor e o líder revolucionário tomavam caminhos distintos.

Apesar disto, Gorky escreveria em 1932 o livro “Meus dias com Lênin” onde afirma:

Vladimir Lênin está morto. Mas os herdeiros do seu pensamento e vontade vivem. Eles vivem e carregam uma obra mais vitoriosa do que qualquer outra na história da humanidade […] Lênin levantou-se longe da balbúrdia e da hipocrisia de um mundo louco”

Esta foi a senha para o retorno de Gorky à Rússia. Tratado pelo estalinismo como um herói que conviveu com Lênin, Gorky ainda pôde escrever suas últimas peças antes de sofrer com o falecimento prematuro de seu filho, em 1934.

Os pobres são sempre ricos em filhos, e na sujeira das ruas existem grupos deles ali, de manhã à noite. Famintos, mal-vestidos e sujos. Crianças são as flores vivas da terra, mas estas têm a aparência de flores que murcharam prematuramente. Isto porque cresceram em um solo onde não existe ninguém para cuidar.” (Maxim Gorky, Vinte e seis homens e uma menina e outras histórias)

O realismo dos textos de Gorky não terminava em grandes lições de moral ou na superação da realidade através dos valores individuais, como o heroísmo burguês. Gorky retratou a vida e a morte dos proletários até 1936, quando faleceu. A força do trabalho de Gorky é incontornável para todos os que pretendem compreender a vida proletária na Rússia revolucionária.

No final da vida, após retornar a URSS, Gorky e Stalin em 1932

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Fernando Horta é professor, historiador, doutorando na UnB.


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