Revolução Russa -- 100 anos
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26 de maio de 2017
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17:16

XV — “Existe Sim!” E os Bolcheviques vão às urnas

Por
Sul 21
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Fernando Horta

Mesmo com toda a tensão advinda da primeira guerra, dos movimentos revolucionários e do jogo político que tentava por um lado diminuir a força dos Soviets, e por outro, retomar o controle sobre o exército, os russos decidem que é preciso votar. Lênin, que havia adotado o lema de total inconformismo com o governo provisório montado, já iniciava sua luta para dar todo poder aos Conselhos de Soviets, ainda que estes não estivessem sob controle bolchevique. Em artigo escrito em 1920, Lênin defendia a participação dos bolcheviques em eleições “para deixar provado que o governo provisório não tinha qualquer apoio”.

Kerenski, exaltando pessoalmente soldados encaminhados para a ofensiva russa na Galícia em 1917 | Foto MIT

Os interesses, que outrora pareciam estarem afinados, começam a se descolar, com os soldados entre os grupos mais radicais contra os rumos do governo provisório. De fato, a situação tornava-se mais perigosa aos soldados que viam a vontade do governo provisório pela manutenção da guerra não arrefecer. Kerenski começava a resgatar a disciplina e a hierarquia das tropas, ao mesmo tempo que eram renovados os esforços contra a Alemanha. Se entre os proletários a situação parecia encaminhada, com este grupo aceitando o poder nas mãos dos soviets e, em última instância apoiando o governo provisório, os soldados partiam para a radicalização. O historiador Edward Carr afirma que “o medo do front jogou papel importante nesta radicalização”.

Foto do primeiro congresso russo de soviets em junho de 1917 | Foto: oldsp.ru

No final de maio e início de junho ocorreu o primeiro Congresso Pan-Russo de Soviets. Dos 822 delegados eleitos e com direito de voto, os Social-Revolucionários (SR) tinham 285, os Mensheviks tinham 248 e os Bolcheviques apenas 105. Havia ainda delegados de grupos menores e 45 que se declaravam “sem aliança partidária”. No segundo dia de congresso, o ministro do governo provisório Irakli Tsereteli (menchevique) discursava enfatizando que o posicionamento político do Congresso ainda era muito divergente e que “não existia partido ainda na Rússia que pudesse dizer ‘dê-nos o poder e podem descansar que nós cuidamos do resto’”. Tsereteli defendia que o governo provisório vinha realizando esforços no sentido de atender ao conjunto de interesses e por isto, por vezes, poderia parecer paralisado.

“Existe sim!”

De sua cadeira no local do congresso, Lênin atalhava a fala de Tsereteli, de forma curta e direta, afirmando que os Bolcheviques estavam prontos a assumirem o poder. Que o governo provisório era já desnecessário.

Irakli Tsereteli, ministro menchevique do governo provisório, foto em selo russo da época

A fala de Lênin foi tomada quase como um deboche. Afinal, os bolcheviques eram minoritários no congresso e não foi difícil que a sua moção (que previa transferência de todo o poder aos soviets) fosse rejeitada. O resultado do Congresso foi a ratificação do governo provisório, embora os mencheviques, por sua força tivessem conseguido aumentar seu poder frente aos partidos da burguesia (KADET). Institucionalmente, a audácia bolchevique ricocheteava e parecia que a consolidação do poder de Kerenski era indiscutível.

Convencido a vencer o governo provisório nas ruas, Lênin ordena no final de maio (início de junho) que os bolcheviques façam manifestações. O Congresso de Soviets (de maioria Menchevique e SR) resolve mostrar força e convoca ainda maiores manifestações alguns dias depois. No meio dos desfiles de poder, ficava claro, entretanto, que nenhum dos lados suportava o governo provisório. A disputa pelas ruas deixava nu o governo em exercício, exatamente no momento em que este se organizava para uma nova ofensiva contra os alemães.

Enquanto a ofensiva russa na Galícia era preparada, a demanda pelo alistamento fazia com as linhas do partido bolchevique fossem fortalecidas numa proporção maior do que o exército russo. O governo provisório, temeroso de que um golpe bolchevique viesse a retirar-lhe o poder, ordena o exército desbaratar os bolcheviques, prender seus líderes e fechar os jornais.

Vários líderes bolcheviques são presos (Trotsky, Kollontai, Lunacharsky), outros escondidos ou auto-exilados (no caso de Lênin), mas ainda a ofensiva russa mostrou-se desastrosa (com mais de 200 mil mortos). Outra crise sobreveio ao governo provisório. O príncipe Lvov abandonava o poder e o entregava a Kerenski. Kerenski, por sua vez, procurava manejar os soviets para consolidar-se, aproveitando da providencial ausência bolchevique. A manobra, arriscada, acaba fortalecendo os partidários de Lênin que, por estarem completamente alijados dos círculos de poder, não eram percebidos como corresponsáveis pelos erros e problemas advindos nem das decisões dos soviets, nem do governo provisório.

Alexandra Kollontai líder bolchevique presa em 1917 e depois a primeira mulher ser embaixatriz soviética. Na foto, à esquerda. | Foto: Liberationschool.org

Segundo os cálculos da historiadora Sheila Fiztpatrick, durante a revolução de fevereiro de 1917 os bolcheviques tinham não mais do que 24 mil partidários, chegando a pouco mais de 100 mil no final de abril, para alcançar 350 mil em outubro. Os Bolcheviques fortaleciam-se na intempérie e sua resiliência política colhia frutos se comparados aos erros políticos do governo. A violência institucional contra os bolcheviques tinha efeito adverso do que seus perpetradores pensavam, era muito difícil combater fisicamente ideias…

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Fernando Horta é professor, historiador, doutorando na UnB.


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