Opinião
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23 de agosto de 2023
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13:58

Homenagem às guerreiras do povo brasileiro (por Mauri Cruz)

Socióloga Enid Backes (Arquivo pessoal)
Socióloga Enid Backes (Arquivo pessoal)

Mauri Cruz (*)

22/08/2023. Acabo de receber a notícia do falecimento da querida companheira, socióloga, militante Enid Backes (93 anos), fundadora e histórica militantes do PT gaúcho e uma das minhas primeiras candidatas. Foi com ela que ouvi pela primeira vez, numa reunião na cidade periférica de Sapucaia do Sul em 1982 a palavra feminista. Nunca me esqueci de seu jeito firme, mas doce. Dedicou a maior parte de sua vida a apoiar a construção de processos de fortalecimento dos coletivos das mulheres. Escreveu, ensinou, compartilhou, criou. Esteve sempre ao lado dos movimentos sociais, em especial, dos movimentos de mulheres, defendendo e construindo seu protagonismo. Foi uma voz na contramão de uma sociedade machista, patriarcal e excludente. A sua maneira, tentou ensinar a nós homens brancos de esquerda, a importância e o papel da libertação das mulheres do jugo capitalista para que haja a emancipação de toda classe trabalhadora. Parte uma lutadora que deixa como legado seu exemplo, suas ideias e toda dedicação a causa da liberdade das mulheres e do povo brasileiro. Triste por estar longe e não poder render a homenagem que sua história merece.

17.08.2023. Na semana passada acordamos com a notícia do assassinato de Bernadete Pacífico (72 anos), líder da luta do Quilombo Pitanga de Palmares. Liderança histórica da luta das comunidades quilombolas em todo país, a Mãe Bernadete, como também era conhecida, colocou toda sua vida dedicada a defesa dos direitos de suas comunidades. Em 2018, sofreu um profundo baque com o assassinato de seu filho, Binho, liderança da luta pela regularização do território. Apesar da dor, não esmoreceu. Seguir firme em sua luta, sem medo das ameaças, sem titubear.

Nos últimos anos, Mãe Bernadete intensificou sua luta, participando de uma série de atividades políticas na Bahia, em Brasília e em outros estados brasileiros, exigindo no estado o cumprimento do compromisso com a titulação das terras e de políticas públicas permanentes de financiamento destes territórios.

Apesar de sua importância e relevância, Mãe Bernadete sempre se colocou como pessoa acessível, amável e parceira. Nunca abandonou as práticas cotidianas de sua comunidade, através da comercialização de produtos orgânicos produzidos no próprio quilombo, na articulação com os grupos da economia solidária e na luta pelo respeito a diversidade religiosa.

14/03/2018. Marielle Franco (38 anos) estava apenas no começo de sua trajetória parlamentar e já confrontou os poderosos setores que se sentem donos da cidade, querem manter a exclusão e a exploração social e tentam, de todas as maneiras, manter seus privilégios e evitando a emancipação do povo brasileiro.

Assassinada no Rio de Janeiro, enquanto realizávamos o Fórum Social Mundial Bahia, em Salvador, evento do qual participaria no dia 18/03, o corpo de nossa guerreira tombou. Mas foi por instantes. Apenas algumas horas após a informação do assassinato chegar a militância popular em todos os cantos do país, Marielle renasce como símbolo de luta, como símbolo de unidade, como ensinamento para nunca se desistir.

Mulher negra de periferia, inteligente, articulada, sagaz, Marielle é um exemplo das guerreiras brasileiras que não desistem, não esmorecem. Por isso, tornou-se esse símbolo da luta contra o fascismo, a intolerância, o machismo e o patriarcado. Nossa heroína que está viva no coração de todas as brasileiras e brasileiros que seguem acreditando que é possível construir um mundo onde não haja desigualdades, nem opressão.

31/08/2016. O golpe jurídico-midiático-parlamentar perpetrado contra a Presidenta Dilma Rousseff (75 anos) que, apesar do cerco político midiático iniciado em 2013, havia sido reeleita com 54 milhões de votos em outubro de 2014, foi baseado numa ficção jurídica. Isso, a maioria do povo brasileiro não sabia e, pasmem, parte da própria esquerda não acreditava. Não foram poucas as vozes do campo democrático que tentaram culpar a companheira Dilma pelo golpe, sua hipotética inabilidade de articulação política com setores da direita, seu jeito firme no trato com aliados, sua pretensa falta de jogo de cintura, sua postura pragmática com a gestão da economia.

Agora, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) confirma a sentença que já havia sido prolatada em primeiro grau de que não houve ilegalidade, irregularidade administrativa ou prejuízo ao erário público a gestão do orçamento da União 2014 e 2015. A maldosamente denominada pela mídia golpista e pela oposição de “pedalada”, como bem demonstrou a Presidente Dilma em sua oitiva no Senado, é prática corriqueira de todos os governos para ganhar espaço no orçamento da União a fim de não suspender programas econômicos e sociais como o Plano Safra, destinado as empresas do agronegócio, as políticas de saúde e educação destinadas a toda população brasileira ou ainda ao Programa Bolsa Família que atendia, há época, mais de 34 milhões de pessoas. Dilma, Mantega e Coutinho, não só agiram de forma honesta e correta, como, suas medidas impactaram na mitigação dos efeitos da crise econômica internacional que havia iniciado em 2008.

Aos críticos de plantão da Presidenta Dilma, aguarda-se um pedido de desculpas. Que engulam seu preconceito e revejam suas posturas nas análises políticas quando, do outro lado, estiver uma mulher, uma pessoa negra, com deficiência ou LGBTQIPA+.  Já, para militância que sempre esteve ao lado da Presidenta, uma ponta de orgulho de não termos a deixado só, mesmo nos momentos mais críticos e difíceis. Aquele prazer íntimo de ver nossa guerreira, leve, confiante, forte, presidindo o Banco dos BRICs que, como já fez à frente da Petrobrás, irá colocar os EUA e a União Europeia no seu devido lugar.

A história destas guerreiras do povo brasileiro é apenas uma pequena amostra do que milhares, milhões de mulheres tem feito ao longo da história pela libertação de nosso país. É preciso nos darmos conta que a face mais cruel do preconceito contra pessoas negras, mulheres, pessoas com deficiência, pessoas que lutam para exercer de forma livre sua orientação sexual, é que a vítima, mesmo quando realiza ações com maestria e sucesso, precisa provar várias vezes sua competência. O que mais ouço no trabalho com pessoas vítimas do preconceito é a sensação de cansaço. Não basta ser correta, competente, brilhante. É preciso provar o tempo todo que o reconhecimento é merecido. O preconceituoso nunca aceita de bom grado o sucesso. Isto porque a aceitação poria por terra as pretensas “verdades” que o justificam. Trago aqui exemplos que heroínas que ainda hoje, precisam provar que são merecedoras deste título. 

Estar ao lado de guerreiras como Dilmas, Bernadetes, Marielles, Carmozinas, Silvias, Déboras, Reginetes, Márcias, Marias, Stellas, Lauras, Luísas, Danielas, Roses, Rosas, Janizes, Judites e tantas outras, tem sido um processo de aprendizado, de reconhecimento de meus privilégios e de busca por mudança nas relações de gênero que a humanidade tanto precisa. Só o preconceito alimenta o descaso e a inércia que parte do campo democrático tem em encarar a luta feminista como central na superação do capitalismo. Finalizo com a declaração cantada nas marchas do Fórum Social Mundial desde 2001: a revolução democrática, ou será feminista, ou não será revolução. Em nenhum outro momento essa afirmação fez tanto sentido quanto agora.  

(*) Advogado socioambiental, especialista em direitos humanos, professor de pós-graduação em direito a cidade, mobilidade urbana e gestão de parcerias com OSC. Diretor Executivo do Instituto de Direitos Humanos – IDhES e sócio da Usideias Consultoria.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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