Opinião
|
21 de julho de 2023
|
09:31

Desenrola Brasil (por Flavio Fligenspan)

Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*)

Taxa de desocupação (desemprego) em baixa, bem melhor do que se esperava, mas ainda com 8,9 milhões de pessoas sem ocupação, em maio, e muitas outras sem as garantias do emprego formal. Milhões de famílias registradas nos cadastros de inadimplentes, rolando dívidas no sistema financeiro para suprir as necessidades básicas com taxas de juros absurdamente elevadas. Milhares de empresas com vendas fracas pela falta de clientes com capacidade de contratar crédito e o Banco Central mostrando que, efetivamente, o volume do crédito tem caído neste ano de 2023. Este é o quadro atual, em que “não há dinheiro na praça”, para usar a expressão antiga, evidenciando uma economia travada, na qual consumidores e empresas sobrevivem como podem à espera de algo que possa trazer uma mudança do ambiente.

Muita esperança está depositada no Programa Desenrola, uma promessa de campanha que atrasou muito, mas que foi lançado nesta semana. A ideia é renegociar dívidas para libertar boa parte dos cerca de 70 milhões de CPFs dos cadastros de inadimplentes, de forma que esses consumidores possam voltar ao mercado, reativando as vendas do comércio e a produção industrial. O fato é que ainda estamos digerindo as consequências negativas da pandemia, quando muitas dívidas não foram pagas e muitas foram postergadas na esperança de que a situação se resolvesse rapidamente. Como se viu, a pandemia durou mais tempo do que se pensava inicialmente, causou perdas enormes de rendimento para famílias e empresas; no caso das empresas, muitas delas recorreram aos programas de apoio governamental para resolver seus problemas mais urgentes e, com isso, constituíram passivos que se estenderam no tempo até agora.

Os números chamam atenção pela sua dimensão. Segundo o Banco Central, atualmente as famílias brasileiras destinam em média 28% dos seus orçamentos para cumprir compromissos com o sistema financeiro, incluindo todo tipo de prestação, desde o financiamento do imóvel e do automóvel até a parcela do caríssimo cartão de crédito rotativo, que alcança 455% de juro anual. Não é por acaso que desde o início de 2021 a inadimplência da pessoa física só cresce, chegando agora a 4,3%, isto é, este é o percentual de toda carteira de crédito do Sistema Financeiro Nacional com pelo menos uma parcela com atraso superior a 90 dias. Todos são números muito elevados e sintetizam uma situação bem ruim das finanças pessoais, que acabam repercutindo nos resultados das empresas, já que seus clientes estão impossibilitados de realizarem novas compras.

É curioso observar que os números do mercado de trabalho, por vários motivos, não mostram uma situação tão crítica; até pelo contrário, a taxa de desocupação pode ser considerada baixa para os padrões brasileiros, 8,3% no trimestre terminado em maio, segundo o IBGE. O número de ocupados tem subido e, junto com ele, o rendimento médio real, até porque a inflação caiu bastante. Isto fez a massa de rendimentos – soma de todos os rendimentos – aumentar desde o ano passado.

A pergunta que se coloca é: se a grande fonte de renda da ampla maioria da população brasileira é o mercado de trabalho, porque a vida financeira das famílias piorou tanto, recentemente? E ainda pode-se adicionar um dado para calibrar a resposta; o orçamento de muitas famílias foi acrescido em 2022 com o aumento de valor do Auxílio Brasil, na tentativa de Bolsonaro conquistar votos para sua reeleição. E Lula manteve valores médios altos em 2023 com o novo Bolsa Família.

Uma parte da resposta está no fato de que o sistema financeiro está sugando uma parcela considerável de recursos dos orçamentos, tanto pela tentativa das famílias de quitar suas dívidas, como pela taxa de juros alta aplicada nos mecanismos de rolagem das dívidas passadas. Uma manipulação algébrica simples apoia esta hipótese: os dados Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-IBGE) mostram que a massa de rendimentos nominais do mercado de trabalho cresceu 18,3% no primeiro trimestre de 2023, quando comparado com o mesmo trimestre de 2022. Ao mesmo tempo, a conta de Consumo das Famílias nas Contas Nacionais (IBGE) cresceu apenas 9,8%, também em termos nominais e no mesmo período, ou seja, pouco mais da metade da expansão da massa. Onde foi parar a diferença?

Mais um dado para apoiar a hipótese: o saldo dos depósitos de poupança caiu 4,7% entre o primeiro trimestre de 2023 e o mesmo período de 2022. Ou seja, as pessoas sacaram seus recursos, mas parece que eles não foram para o consumo, e sim para atender os compromissos financeiros passados. O bom funcionamento do Programa Desenrola é essencial para rearranjar a situação financeira de milhões de famílias e, junto a várias outras iniciativas de estímulo, proporcionar uma retomada da atividade econômica.

(*) Professor Aposentado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora