Opinião
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14 de maio de 2023
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12:19

Breve ensaio sobre a prática científica dos economistas e de como administram sua (ir)relevância

Imagem: Pixabay
Imagem: Pixabay

Hélio Afonso de Aguilar Filho (*)

Com frequência surgem discussões sobre o sistema de classificação da produção científica dos economistas brasileiros. A princípio, as reivindicações soam legítimas a qualquer ordenação institucional que busca atender resultados específicos: a necessidade de regras claras de avaliação da produção de acordo com o mérito. Neste sentido, sob a justificativa de aumentar o esforço individual para publicar, a parcela ortodoxa da profissão recomenda um ranking considerando o impacto e a relevância dos periódicos, que vai dos mais prestigiosos, os internacionais, para os de ‘menor nível’.

No cerne da reivindicação dos economistas ortodoxos está, portanto, a tentativa sub-reptícia de promover a internacionalização como sinônimo de melhoria da nossa ciência. Uma mente menos afeita aos sofismas da profissão, classificaria tal estratégia como parte da obsessão cultural brasileira de nos medirmos pelo ‘espelho de prospero’, ou o Complexo de Pestana da literatura. Se praticarmos o princípio da caridade com esta parcela dos economistas, podemos presumir que tal motivação se associa mais ao próprio background teórico da profissão, ou seja, uma comunidade epistémica que raciocina usando como modelo a metáfora do mercado. 

Dois argumentos se conectam aqui produzindo uma ligeira confusão. O primeiro é de natureza econômica, no qual os economistas buscam aplicar regras competitivas semelhantes às do mercado ideal da teoria para aumentar o conhecimento e a confiabilidade da ciência; o segundo, é de cunho epistemológico, e visa igualar internacionalização à noção de ciência aberta.  Em outros termos, busca-se engatar o vagão das ciências nacionais, local, à ciência global, com a justificativa de que quanto mais amplo o espaço em que um teoria circula, maior a audiência e a probabilidade dela ser testada e falseada; sua sobrevivência, ainda que provisória, seria a prova da verdade de seu conteúdo.

O problema com a metáfora dos economistas ortodoxos é que eles confundem a linguagem objeto com o objeto da linguagem; ao reduzir a ciência às noções de eficiência, incentivos e competição, a metalinguagem da Economia perde de vista que a prática científica é organizada de acordo com várias diferenciações simbólicas que contam para sua hierarquia. No caso, não é apenas a relevância do financiamento e outras condições materiais que separam o centro da periferia científica, mas a operação de fatores que reforçam e legitimam o lugar do centro como ‘fixo’. Os critérios de universalidade cumprem um papel neste sentido, porque ao mesmo tempo que direcionam a atenção para aquilo que o centro produz como referência única de excelência, tornam a produção da periferia ignorada.

A condição da Economia europeia expõe os dilemas típicos enfrentados pela busca por unificar e melhorar a pesquisa local via adesão a métricas de classificação internacionais, no caso, aquelas praticadas nos Estados Unidos. Segundo parecer de um renomado economista, a evidente necessidade de evitar tal estratégia decorre da ameaça que ela representa à principal característica da Economia europeia, sua diversidade, além do risco de rebaixar as universidades do continente a um conjunto de programas globais perpétuos de ‘segundo nível’. Isto porque, além dos economistas da América do Norte tenderem a citar apenas eles mesmos e publicarem preferencialmente em periódicos do país, boa parte desta publicação ocorre depois que o tema já foi discutido nos seminários das suas principais universidades.

A relação entre o caso europeu e a existência de uma estrutura produtora e reprodutora de hierarquias na ciência destaca-se, primeiro, por mostrar que em um contexto onde a informação já circula há mais tempo, quem chega depois (nosso caso) tende a gerar referências defasadas. Segundo, por revelar como opera o fluxo assimétrico de informações e pesquisadores, com a dinâmica das redes apontando em uma direção, ou seja, dos departamentos de menor prestígio para os de maior. Terceiro por também mostrar a difusão assimétrica do conhecimento, dado que em uma ordem científica constitúida, é reduzida a capacidade de determinados espaços proporem agendas, “criarem e entrarem no debate” e “resolverem controvérsias”. E, por fim, por algo que sabemos bem, o fato de as questões locais serem tratadas como exóticas, recebendo espaço para publicação apenas como um desvio do caso normal.

Por fim, não se trata de isolar a ciência nacional desconsiderando as melhores práticas mundiais, principalmente em um cenário cada vez mais global e interconectado. Mas abraçar, como querem os economistas ortodoxos, índices de classificação internacional que negligenciam e ignoram o produzido em contextos mais próximos, ‘o vizinho’ ou par imediato, parece um equívoco que apenas reforçará nossa condição periférica. De outro modo, tal caminho se justifica mais como uma questão de incentivo individual, ou busca de uma máxima espiritual para dar sentido às próprias estratégias de carreira, do que para melhor a condição da ciência nacional.

Referências:

BRIGATTI, Fernanda. “Economistas se rebelam contra mudança em ranking de revistas científicas”. Folha de São Paulo: São Paulo, 05 de Janeiro, 2023.

COLANDER, David. “Can european economics compete with US economics? And should it?”. In: LANTERI, Alessandro; VROMEN, Jack (org). The Economics of Economists: Institutional Setting, Individual Incentives, and Future Prospects Account. Cambridge: Cambridge University Press, 2014.

NEVES, Fabrício. “A periferização da ciência e os elementos do regime de administração da irrelevância”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 104, p. 1-18, 2020.

(*) Professor da UFRGS, doutor em Economia pela UFRGS – Ênfase em Economia do Desenvolvimento. E-mail: [email protected]

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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