Opinião
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16 de maio de 2023
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14:21

As Ouvidorias Externas e o fortalecimento das Defensorias Públicas (por Rodrigo de Medeiros Silva)

Rodrigo de Medeiros Silva, Ouvidor da Defensoria Pública do RS (Divulgação)
Rodrigo de Medeiros Silva, Ouvidor da Defensoria Pública do RS (Divulgação)

Rodrigo de Medeiros Silva (*)

A Defensoria Pública é uma inovação da Constituição de 1988, trazida em seu artigo 134, para a defesa dos segmentos vulnerabilizados. Necessário instrumento da sociedade em um país ainda tão desigual, mas que possui dentre os seus objetivos fundamentais, enquanto República, construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, da CF). 

A consecução deste programa constitucional só pode ser alcançado em ambiente democrático, no qual se fala de garantia do acesso à Justiça, por isso, não à toa que a Defensoria é expressão e instrumento do regime democrático (artigo 134, da CF). Sendo assim, não se pode entender a constitucionalização da Defensoria fora do contexto de mobilização social por direitos, que ocorreu na reabertura democrática (OLIVEIRA, 2018, p.26), pelo fim da Ditadura Civil-Militar, que culminou com a nova ordem jurídica, inaugurada pela Constituição de 1988:

“Essa ambiência específica de transição democrática e de fortalecimento do sistema de Justiça como projeto de estabilização político-econômica permeou um processo de reacomodação das elites jurídicas pré-1988 que culminou – como resultado das atividades da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) entre 1987 e 1988 – não só na reconfiguração do Poder Judiciário e do Ministério Público mas também na criação da Defensoria Pública e da Advocacia-Geral da União, além da garantia de espaço privilegiado à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre outras instituições da sociedade civil”. (LIMA; LAMENHA, 2021, p.89)

A sua formação e escopo, então, podem explicá-la como a mais avançada, dentre as instituições do sistema de justiça, quando se fala em mecanismo de diálogo com a sociedade, qual seja, a sua Ouvidoria Externa. Este formato de ouvidoria, composto por pessoas advindas da sociedade civil, foi estabelecido na Lei Orgânica da Defensoria Pública, pela LC nº 132/2009. Hoje, em 16 estados há ouvidorias externas de defensorias, quais sejam: Acre, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo. Da mesma forma que a democracia não é algo dado e sim, uma construção, o fortalecimento e estruturação das defensorias, bem como de suas ouvidorias é um processo histórico. Mesmo sem a previsão legal, a Defensoria Pública da União também avançou, por meio de normativa interna, instituindo a sua Ouvidoria Externa. E, este ano, elegeu o seu primeiro Ouvidor-Geral, a partir da de lista tríplice forma pela sociedade.

Traz-se aqui, então, a partir de estudos do próprio Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas (CNODP) e da Transparência Brasil, organização da sociedade civil, em que situação encontram-se as ouvidorias externas das defensorias públicas estaduais. No ano de 2022, contando quinze ouvidorias externas, foram realizados 76.949 atendimentos. A Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul realizou neste ano 6.075 atendimentos, o que significou a proporção de 0,05% da população estadual. Deve ser levado em consideração a diferença da população dos estados, as estruturas que as ouvidorias possuem e, ainda, quando elas foram criadas. Observem os mapas que seguem:

A Transparência Brasil destaca outros aspectos sobre as ouvidorias de defensorias. Com dados de 2022, por exemplo, constatou que há dezesseis ouvidorias externas instaladas e mais cinco com previsão de criação. A maior parte das pessoas que ocupam os cargos são mulheres 66,6%, sendo apenas uma mulher trans, na Ouvidoria-Geral do Paraná. Em relação a pluralidade étnica, 50% identifica-se como pessoa negra ou parda e há uma indígena Ouvidora, na Ouvidoria-Geral do Acre. Quanto à formação acadêmica 50% dos integrantes é formado em Direito, 16,7% em Serviço Social, 8,3% em Administração, 8,3%, em Sociologia e 8,3% possui ensino médio.

Sobre a estrutura que as ouvidorias possuem, a OSC verificou que, em relação ao tamanho da equipe que possuem, o quadro em 2022 era: 8,3% possuem duas pessoas; 41, 7% possuem três pessoas; 16,7% possuem quatro pessoas; 8, 3% possuem cinco pessoas; 8,3% possuem seis pessoas; e 16,7% possuem dezoito pessoas. Quanto a capilaridade, nenhuma Ouvidoria está lotada em mais de uma unidade de sua Defensoria. Importante destacar que somente quatro ouvidorias contam com servidores públicos concursados:

6 Ouvidorias contam com 1 cargo de ouvidor/a + até 2 cargo de assessoria + até 3 estagiários
2 Ouvidorias contam com 1 cargo de ouvidor/a + até 2 estagiários
2 Ouvidorias contam com 1 cargo de ouvidor/a + até 2 cargo de assessoria
2 Ouvidorias contam com 1 cargo de ouvidor/a + 1 cargo de coordenação + até 5 cargos de
assessoria técnica + até cargos de 5 assistência técnicas + até 6 estagiários

Apenas duas ouvidorias possuem conselho consultivo, o que potencializa a sua capilaridade. Entretanto onze ouvidorias realizam projetos de intinerância, o que se reputa necessário para os objetivos legais do órgão: promover atividades de intercâmbio com a sociedade civil; estabelecer meios de comunicação direta entre a Defensoria Pública e a sociedade; e contribuir para a disseminação das formas de participação popular no acompanhamento e na fiscalização da prestação dos serviços realizados pela Defensoria Pública (artigo 105-C, da LC nº 80/1994).

O que estes números demonstram é que a Defensoria Pública, como opção democrática do constituinte de 88, está realizando uma caminhada condizente com a aposta feita, ampliando os canais de participação social. Da mesma maneira que a democracia é um processo de permanente construção e aperfeiçoamento, a Defensoria o é, e a sua Ouvidoria Externa também. A trilha ainda possui poucas décadas,que, numa perspectiva histórica, pode se dizer recente. Ainda há muito o que se caminhar, mas o importante é que se siga, pois como preceitua o poeta espanhol Antonio Machado, o caminho se faz ao caminhar.

E é nessa caminhada que o Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas (CNODP) vem trabalhando pelo aprimoramento das ouvidorias externas de defensorias, trocando experiências, promovendo reuniões e realizando atividades. Sempre com olhar do diálogo entre a sociedade a Instituição que compõem, indo atrás do que se consolidou no ordenamento jurídico, após governos de exceção, a inclusão da pluralidade, da diversidade existente no país, a efetivação de direitos humanos, de direitos e garantias fundamentais. No ano de 2023, o CNODP realizou duas reuniões e ao fim lançaram a Carta Acre e a Carta Rio, trazendo propostas que refletem as posições dos movimentos que lutam por justiça social. Pois, conforme termina a Carta Acre, o chamado das ouvidorias externas de Defensorias, em seus conteúdos e funções simbióticas de estado e sociedade, é que essas lutas, que passam pelo fortalecimento das defensorias e suas ouvidorias, sejam de todas e todos nós!

REFERÊNCIAS

LIMA, Flávia Danielle Santiago; LAMENHA, Bruno. Mobilizando a agenda dos direitos coletivos, assegurando espaço institucional: Ministério Público e Defensoria Pública na transição democrática. RIL Brasília a. 58 n. 231 p. 87-108 jul./set. 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/58/231/ril_v58_n231_p87.pdf. Acesso em: 15 maio 2023. Publicado em: 20121.

OLIVEIRA, Pedro González Monde de. A definição constitucional da Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático: para além de sua função simbólica. Dissertação de Mestrado. Programa de PósGraduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Niterói: UFF, 2018.

(*) Ouvidor-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul e das coordenações de Justiça Socioambiental e de Direito à Cidade, Terra e Território do Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias (CNODP)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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