Opinião
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28 de novembro de 2022
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06:39

Gil, Chico, os trogloditas e os impostos (por Milton Pomar)

Música foi composta em 1967 para a peça de teatro homônima, impedida pela ditadura de se apresentar em Porto Alegre em outubro daquele ano.  Foto: Bob Wolfenson/Divulgação
Música foi composta em 1967 para a peça de teatro homônima, impedida pela ditadura de se apresentar em Porto Alegre em outubro daquele ano. Foto: Bob Wolfenson/Divulgação

Milton Pomar (*)

Trogloditas que atacam a Cultura criticando a Lei Rouanet, não dizem um “ai” sobre a renúncia fiscal (“incentivos fiscais”) em seus estados e a nível federal – transferência legalizada de recursos públicos para empresários, de muitos bilhões de reais, todos os anos, há mais de 50 anos –, nem tampouco sobre os dois trilhões de reais do Orçamento Geral da União (OGU) que em 2021 foram para o sistema financeiro. 

Como são ignorantes esses brucutus cheios de raiva do mundo! Raiva direcionada justamente contra quem tenta tornar o mundo melhor. Os trogloditas que agrediram verbalmente Gil e sua esposa enquanto caminhavam, se consideraram no direito de importunar um dos maiores compositores e cantores do mundo, com uma história de vida, produção e qualidade musical – que o agressor certamente desconhece – que o coloca no patamar dos imprescindíveis da cultura brasileira, no qual está também Chico Buarque, ganhador do Prêmio Camões 2019 por sua obra.

E o que dizer da sentença da juíza, que afirmou não estar provada que a autoria da música “Roda Viva” é de Chico Buarque? Rápida pesquisa no Google revela que “Roda Viva”, composta por Chico Buarque e cantada por ele e o MPB-4, conquistou o 3º lugar no Festival da Música Popular Brasileira de 1967, realizado em outubro daquele ano. Portanto, há 55 anos o Brasil e o mundo sabem que a autoria de “Roda Viva” é de Chico Buarque. Menos a juíza, que por isso deu ganho de causa ao deputado federal filho do presidente da República, em ação na qual Chico pede que ele retire postagem que utiliza a sua música como trilha sonora, sem autorização do autor, como determina a legislação de direitos autorais. 

Se dependesse apenas dos recursos orçamentários do governo federal, a situação da Cultura brasileira estaria muito pior – havia 0,0172% do OGU destinado para o setor em 2020, e nesse ano o sistema financeiro recebeu R$1,38 trilhão (39% do total). Em 2021, os recursos para a Cultura caíram para 0,0161% e o sistema financeiro recebeu 50,78%. Não é incrível? – Alguns milhares de milionários e bilionários, que vivem de juros e da renda do imenso patrimônio que concentram, a maior parte recebido por herança, receberam a mesma quantidade de recursos públicos que 215 milhões de pessoas.

Precursora do apoio financeiro à Cultura via renúncia fiscal, com empresas destinando pequena parte do imposto de renda devido a atividades culturais aprovadas, a Lei Rouanet é de dez/1991, portanto durante o governo Collor, que apoia publicamente o presidente da República derrotado.

Caso queiram contestar a destinação de recursos públicos, os trogloditas têm opções melhores, a começar do imposto sobre heranças, cuja alíquota média no Brasil é 4% e máximo de 8%, bem menos do que é praticado em países com política neoliberal, como o Japão e a Coreia do Sul, por exemplo. Outras opções interessantes para se criticar a baixa arrecadação e escandalosa sonegação: o Imposto Territorial Rural (ITR) e o Imposto Territorial Urbano (IPTU) – cuja arrecadação, nos mais de cinco mil municípios com até 500 mil habitantes, fica entre 1,3% e 7,6% da receita corrente.

(*) Professor, Geógrafo, Mestre em Políticas Públicas

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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