Opinião
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24 de julho de 2022
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09:38

Desenvolvimento econômico, investimentos e empresas estatais (por Ricardo Dathein)

Foto: Absolut Vision/Unsplash
Foto: Absolut Vision/Unsplash

Ricardo Dathein (*)

Como já mostramos em outro texto publicado no Sul21 (“A dinâmica dos investimentos públicos e privados no Brasil“), os investimentos privados no Brasil tem permanecido em torno de 14% do PIB desde 1990, mesmo com todas as reformas liberais, mudanças institucionais, privatizações, redução do papel do Estado na economia e medidas de ajustamento de gastos públicos consideradas pelo pensamento liberal como o necessárias justo para estimular o setor privado a investir mais. Assim, a ideia de que com mais mercado privado e menos Estado a economia teria mais eficiência alocativa e mais investimentos não se efetivou. Muito menos se produziram mais inovações e maior capacidade de inserção dinâmica no mercado internacional (o que podemos chamar de eficiência dinâmica keynesiana e schumpeteriana).

As grandes empresas estatais têm um papel fundamental para estimular e regular a economia como um todo, ainda mais em um país subdesenvolvido como o Brasil. Essas empresas podem agir sem depender das restrições do orçamento público e do planejamento da administração direta, e podem atuar segundo o interesse público, como instrumentos de desenvolvimento econômico e social, não havendo contradição necessária com interesses de acionistas (como se viu no governo Lula). Podem, por exemplo, gerar inovações no âmbito nacional, o que as empresas multinacionais pouco fazem e as empresas privadas também pouca capacidade possuem, como mostram as pesquisas do IBGE (PINTECs). Podem, portanto, agir de acordo com interesses de longo prazo próprios e do país, além de contra ciclicamente em caso de crises econômicas. Por outro lado, com a desorganização dos mercados internacionais gerada pela pandemia, tornou-se ainda mais importante a ação dos investimentos públicos e das empresas estatais.

Um problema do Brasil é a reduzida taxa de lucro média do país (EPWT 7.0), o que deve estar relacionado com a piora da estrutura econômica do país, a qual vem desde os anos 1980. Assim, é fundamental a existência e ação de empresas estatais, considerando-se que elas não precisam investir guiadas apenas pela sua taxa de lucro, e isso acabará por ser benéfico para as próprias empresas privadas, além de para a economia e sociedade do país.

A Petrobras, com seu inacreditável processo de desinvestimentos, perdeu seu potencial do que os economistas chamam de economia de escopo. Esse conceito significa que grandes empresas (como é o caso das empresas multinacionais) muitas vezes possuem vantagens com uma atuação diversificada, com um maior número de negócios em áreas correlatas. Assim, com as privatizações de negócios da Petrobras, ela perde esse potencial.

A Petrobras era a 28ª maior empresa do mundo em 2015, segundo o critério de receitas. Em 2021, após a rápida destruição da empresa no governo Bolsonaro, de forma mais acelerada que no governo Temer, passou para a posição 181 no ranking global, com redução de receita de 60% e de 40% no número de empregados.

Esse mesmo processo ocorre no Branco do Brasil, que passou de 2015 a 2021 da posição 126 para a 482 entre as maiores empresas do mundo, com redução de 65% nas receitas e de 18% no pessoal.

Essa evolução parece a ocorrida com o fim da União Soviética, quando a adoção do ultraliberalismo destruiu as empresas nacionais com processos de desinvestimentos maciços. Por exemplo, do volume de exportações da União Soviética, nos anos 1980, cerca de 60% eram de manufaturas de alto conteúdo tecnológico, enquanto para a Rússia dos anos 1990 em diante esse valor reduziu-se a apenas entre 1 e 2%, enquanto as exportações de produtos primários (petróleo, gás e agrícolas) passaram a representar cerca de 50% nos anos 2000 (Ocampo, Rada e Taylor, Growth and Policy in Developing Countries: a structuralist approach, 2009).Na realidade, o que os atuais liberais brasileiros buscam são maiores oportunidades de lucros para o setor privado, independentemente dos resultados em termos de desenvolvimento econômico e social. Esse desenvolvimento depende da criação de uma economia mais complexa, diversificada e sofisticada, ao longo do tempo, produzindo maior produtividade e melhores empregos. Nem o social liberalismo que substituiu o desenvolvimentismo, muito menos o atual ultraliberalismo, conseguiram fazer a economia evoluir nesse sentido. Ao contrário.

Falta ao pensamento liberal o conceito de subdesenvolvimento. Com isso, não consegue entender o funcionamento de nossa economia e se ilude permanentemente, imaginando uma realidade utópica. Como não podem admitir suas falhas teóricas, precisam buscar explicações ou “culpados”. Sempre são necessárias mais e mais reformas econômicas e institucionais, mais cortes de gastos púbicos, mais uma reforma previdenciária, mais uma reforma trabalhista, administrativa etc. Mas há uma lógica que funciona, não muito explicitamente admitida, que é a da busca da concentração de renda como “solução” para o problema da baixa taxa de lucro, sem maiores investimentos e gastos públicos e sem a necessidade dos custosos investimentos em inovações. Essa concentração de renda, sim, tem funcionado conforme o planejado pelo pensamento liberal no mundo e agora no Brasil.

(*) Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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