Opinião
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24 de maio de 2022
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09:01

A dinâmica dos investimentos públicos e privados no Brasil (por Ricardo Dathein)

Foto: Pixabay
Foto: Pixabay

Ricardo Dathein (*)

Um dos fatores cruciais para explicar o crescimento econômico de um país, no longo prazo, é sua taxa de investimentos. E para a superação do subdesenvolvimento muito mais são necessários investimentos, resultando em ocupações produtivas para a população, com aumentos de produtividade média e maior bem-estar social.

O Brasil tem, já há décadas, se caracterizado pelo baixo dinamismo de seus investimentos. Os economistas se dividem sobre as causas, mas é importante pelo menos perceber a importância e a necessidade da retomada forte dos investimentos produtivos.

Uma das características do nosso sistema econômico, no entanto, é a possibilidade de obtenção de grandes ganhos privados sem necessidade de investimentos produtivos. Além disso, cada vez mais há possibilidades de fortes ganhos em setores (como produção e exportação de bens simples, commodities), que não geram maiores impactos como um todo na taxa de investimentos e que, além disso, produzem concentração de renda.

Como se pode ver no gráfico a seguir, no chamado período desenvolvimentista, até 1980, as taxas de investimentos foram ascendentes. Essa era foi caracterizada por forte mudança estrutural ascendente, com o processo de industrialização e urbanização, com a complexificação e sofisticação da economia e, portanto, maiores taxas de lucro médias na economia. As tendências dos investimentos (as linhas retas contínuas do gráfico) para os investimentos públicos, privados e totais foram crescentes. Observe-se que não houve contradição entre investimentos públicos e privados. Houve inclusive tendência de crescimento semelhante, o que produziu o aumento da taxa total de investimentos. Não por acaso, nesse período houve forte crescimento econômico e a conformação de uma sociedade urbana, com criação de uma importante classe média, o que não significou resolver os problemas de pobreza e do próprio subdesenvolvimento. O Brasil chegou e ficou no meio do caminho, enquanto alguns outros países conseguiram seguir avançando.

O período seguinte, dos anos 1980, foi de crise e transição entre dois modelos, até a consolidação do social-liberalismo em 1990. Os liberais desejavam o simples neoliberalismo, mas a Constituição de 1988 impôs um Estado com foco nas políticas sociais, o que gerou um desconforto liberal até hoje.

Para o período de 1990 a 2021 o gráfico mostra uma tendência (ver as linhas pontilhadas) de redução dos investimentos totais e públicos, mas uma estabilização dos investimentos privados, em um patamar médio de 15%, já há mais de três décadas. Na realidade os investimentos privados são ainda menores, cerca de 14% do PIB, pois no gráfico os investimentos das estatais estaduais e municipais estão computados nos investimentos privados (por problemas de medição), e eles representam cerca de 1% do PIB. Essa estabilidade média dos investimentos privados esteve completamente fora das expectativas liberais, as quais esperavam que a redução dos investimentos do Estado fosse plenamente compensada e superada por um aumento da participação dos investimentos privados.

Ao contrário, a queda dos investimentos totais, considerando-se a relativa estabilidade dos investimentos privados, parece ter sido ocasionada pela redução dos investimentos públicos. Determinante fundamental, no entanto, é a tendência da estrutura econômica. A piora da estrutura ocorrida com a desindustrialização significou o aumento de peso relativo de setores menos produtivos. Ou, de outro modo, que a economia passou a ter menos trabalho produtivo e mais trabalho improdutivo. E, por isso, de forma estrutural, menor taxa de lucro média. A redução dos investimentos públicos potencializou essa piora estrutural, pois a mudança da estrutura produtiva precisa de uma ação ativa do Estado, que se concretiza nos seus investimentos. Ao mesmo tempo, nos anos 1990 ocorreu uma nova onda de internacionalização da economia brasileira, com redução ainda maior da autonomia e da capacidade de geração endógena de inovações.

Parece haver importante correlação positiva entre investimentos públicos e privados. Ou seja, quando os investimentos públicos, autônomos, aumentam, tendem a crescer também os privados e, por consequência, o total. Da mesma forma, quando os investimentos públicos diminuem, tende a haver concomitantemente redução de investimentos privados e totais. Além disso, é claro que, quando os investimentos privados aumentam e a economia cresce, tende a existir maior folga fiscal para aumento de investimentos públicos, em movimento de retroalimentação.

Assim, na medida em que diminuiu o peso do setor industrial, a partir dos anos 1980, reduziram-se a taxa de lucro média, a taxa de acumulação de capital, o crescimento da produtividade e a variação do PIB. Ao mesmo tempo, também se pode interpretar que a dinâmica da estrutura produtiva foi impactada pelo menor dinamismo da demanda agregada, que desestimulou maiores investimentos produtivos, em um processo de mútua determinação.

Após um longo período de tendência de redução de investimentos públicos (com a crise das finanças públicas e um eterno ajuste fiscal, com a privatização das empresas estatais etc.), de 2006 a 2010 houve recuperação geral, dos três indicadores, mas ficando ainda distante do necessário. No entanto, após esses anos houve uma certa estabilização e, logo, uma queda brusca e ampla.

Nos últimos anos têm-se os piores indicadores de investimentos públicos da série histórica, desde 1947. Segundo o Observatório de Política Fiscal (FGV/IBRE), o “Determinante para essa queda foi o desempenho dos investimentos das empresas estatais”, os quais refluíram aos menores valores históricos, com “baixa taxa de execução dos investimentos em relação ao que estava programado”. Mais surpreendente ainda, “o investimento líquido da depreciação do governo geral segue negativo, desde 2015, e atingiu uma perda de estoque de capital de R$ 30,9 bilhões em 2021, o que equivale a -0,36% do PIB.” Ou seja, desde 2016 os investimentos governamentais estão sendo negativos, pois a depreciação é maior que os investimentos. Isso significa que a infraestrutura do país está se deteriorando, o que desestimulará ainda mais os investimentos privados.

Por outro lado, em 2021 houve importante aumento dos investimentos privados, o que pode significar certa recuperação após a grande crise desde o ano de 2015, mas provavelmente reflete o aumento de preços dos bens de capital e dos insumos, mais do que um aumento significativo de capacidade produtiva.

Portanto, sem a superação do atual ultraliberalismo, com forte impulso dos investimentos públicos, a economia e a sociedade seguirão regredindo. Para isso, um projeto democrático terá que buscar hegemonia, mostrando resultados consistentes à população.

(*) Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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