Opinião
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1 de maio de 2024
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10:58

Trabalho e mudança climática: estratégias do G20 para uma transição justa (por Atahualpa Blanchet)

Imagem: Pixabay
Imagem: Pixabay

Atahualpa Blanchet (*)

O impacto das mudanças climáticas é um dos principais eixos de debate proposto pela presidência do G20 exercida pelo Brasil em 2024. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que os trabalhadores estão entre os mais atingidos pelo aquecimento global e expostos a diversos riscos à saúde e segurança decorrentes de eventos meteorológicos cada vez mais extremos, intensos e frequentes.

A exposição à radiação ultravioleta solar e a fenômenos como tempestades, chuvas excessivas, secas históricas, poluição do ar no local de trabalho, doenças transmitidas por vetores e produtos agroquímicos são algumas das situações às quais os trabalhadores estão submetidos.

A OIT, em relatório publicado em abril de 2024, alerta que mais de 22 milhões de lesões profissionais e quase 19 mil mortes por ano são atribuídas ao calor excessivo que afeta a mais de 2,4 bilhões de trabalhadores.

Outros riscos graves para a saúde, como câncer, doenças cardiovasculares, respiratórias, disfunções renais e distúrbios mentais são atribuíveis à contaminação do ar no local de trabalho, revelando a influência de fatores ambientais e dos impactos das mudanças climáticas, alcançando cerca de 70% dos trabalhadores no mundo e causando, ao todo, mais de 860 mil mortes por ano.

Trabalhadores em setores como agricultura, construção, transporte e serviços de emergência estão particularmente vulneráveis aos riscos das mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, a precarização das relações de trabalho e a informalidade laboral são elementos que agravam a situação, sobretudo nos países menos desenvolvidos.

Nesse cenário, Transição Justa é um dos conceitos em destaque nas discussões do G20 para coordenar, internacionalmente, um conjunto de medidas para lidar de forma eficaz com as causas e efeitos das mudanças climáticas e seus impactos na classe trabalhadora e comunidades atingidas.

Ações voltadas à formação profissional e ao desenvolvimento de habilidades digitais e ambientais, bem como o incentivo à capacitação para a interação humano-algoritmo para o devido manejo de ferramentas de Inteligência Artificial são alguns dos caminhos traçados em direção à necessária adaptação a uma economia que será cada vez mais digitalizada e descarbonizada.

As transições digital, energética e a neoindustralização são dimensões interconectadas  para o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). As tecnologias emergentes, como a robótica e a Inteligência Artificial, deverão ser aplicadas para a preservação do meio ambiente e para o desenvolvimento social, colocando a classe trabalhadora na centralidade das políticas públicas, buscando, assim, complementar a utilização dos instrumentos de automação ao engenho e trabalho humano.

O G20 e as medidas de proteção dos trabalhadores frente às mudanças climáticas

Para alcançar esses objetivos, o G20 conta com um importante acúmulo institucional, por meio dos seus Grupos de Trabalho, e possui o potencial de articulação para, por meio dos seus membros, incidir transversalmente e de forma estratégica nas questões relacionadas às mudanças climáticas e seus impactos no mundo do trabalho.

Entre os países do G20, o Canadá, por exemplo, implementou o Plano de Ação sobre Mudança Climática e Transição Justa, que visa proteger os trabalhadores e comunidades afetadas pela transição para uma economia de baixo carbono. Este plano inclui medidas de apoio à capacitação, realocação e requalificação de trabalhadores de setores tradicionais para setores mais sustentáveis.

Na Alemanha, o Programa Nacional de Transição Energética (Energiewende) tem como objetivo promover a geração de empregos verdes e garantir uma transição justa para os trabalhadores afetados pela redução do uso de combustíveis fósseis. Este programa inclui investimentos em energia renovável, eficiência energética e infraestrutura sustentável, criando novas oportunidades de emprego em setores como energia solar, eólica e hidrelétrica.

Outro exemplo que merece destaque é a política de Nova Indústria Brasil (NIB) (neoindustrialização), lançada em 2024, embasada na digitalização e descarbonização das matrizes energéticas e produtivas do país, por meio de linhas de financiamento oferecidas por instituições como a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Uma das principais metas da Nova Indústria é a digitalização de 90% das indústrias nacionais até 2033, destacando a importância da inovação, infraestrutura de conectividade e estratégias de governo digital. A descarbonização e bioeconomia também figuram como eixos para ações como as certificações de produtos sustentáveis (Selo Verde e o Selo Amazônia),  integradas à estratégia para atingir metas de reduzir em 30% as emissões de CO2.

No mesmo sentido, o projeto Itaipu Mais que Energia, da Itaipu Binacional, busca contribuir para a implementação dos ODS por meio de ações de saneamento ambiental, energias renováveis, manejo integrado de água e solo e obras sociais, comunitárias e de infraestrutura abrangendo 434 municípios alcançando cerca de 11 milhões de pessoas, demonstrando a contribuição que o Sul Global pode dar para a construção de políticas públicas eficientes para o desenvolvimento sustentável.

As políticas de transição justa

O Grupo de Trabalho e Emprego do G20 tem como um dos seus eixos o desenvolvimento de políticas de transição justa e, em 2023, os países do bloco participaram ativamente na adoção da Resolução sobre uma Transição Justa para Economias e Sociedades Ambientalmente Sustentáveis para Todos, adotada pela Conferência Internacional do Trabalho.

O instrumento destaca a urgência da promoção de uma transição justa para alcançar a justiça social, trabalho decente e erradicação da pobreza e a participação ativa dos atores envolvidos, incluindo governos, empregadores e trabalhadores, reconhecendo o direito à negociação coletiva e liberdade sindical. O documento também oferece um roteiro de políticas para promover um ambiente de trabalho seguro e saudável durante a transição para uma economia de baixo carbono.

Entre as suas recomendações específicas, destacam-se a regulamentação sobre limites de temperatura no local de trabalho; o estabelecimento de diretrizes para proteção contra radiação ultravioleta; a formulação e aplicação de planos de resposta a emergências para fenômenos meteorológicos extremos; a aplicação de medidas de proteção à exposição a eventos climáticos severos como a suspensão de atividades e; a adoção de protocolos para a execução de atividades laborais de forma remota em caso de chuvas e tempestades severas para os trabalhadores submetidos à modalidade de trabalho presencial.

No mesmo sentido, a adoção do teletrabalho e jornadas híbridas por parte de instituições públicas e privadas têm sido incentivadas para a mitigação de causas e efeitos não desejados das mudanças climáticas, reduzindo a emissão de carbono e os custos de mobilidade, otimizando a utilização do tempo, garantindo a produtividade e proporcionando proteção e melhor qualidade de vida aos trabalhadores ao reduzir riscos de doenças e acidentes.

A Segurança e Saúde no Trabalho (SST), erigida à condição de Princípio e Direito Fundamental no Trabalho pela OIT em 2022, enfrenta agora o desafio de implementação de seus postulados diante da velocidade das mudanças climáticas, demográficas, tecnológicas, energéticas e produtivas.

Considerando o histórico dos países do G20 na formulação de metas e objetivos coletivos voltados à garantia de direitos, à diversificação e fortalecimento das complementaridades econômicas, bem como à ampliação do potencial de utilização de energias limpas e renováveis, o bloco poderá avançar significativamente na construção de consensos rumo a uma transição justa que garanta e promova a segurança e saúde da classe trabalhadora, reduzindo desigualdades e gerando desenvolvimento em uma economia digitalizada e de baixo carbono.

Artigo publicado originalmente no site do G20 Brasil

(*) Atahualpa Blanchet é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP) e do Grupo Transformação Digital e Sociedade da PUC/SP.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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