Opinião
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18 de abril de 2022
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07:51

Falta fôlego à economia brasileira (por Flavio Fligenspan)

Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Flavio Fligenspan (*)

Impressiona a falta de fôlego da economia brasileira. Também pudera, com inflação alta, enorme contingente de desocupados, muitos postos criados na informalidade e com jornadas de trabalho menores do que os trabalhadores se dispõem a trabalhar, a massa de rendimentos patina e não sustenta a demanda. Para piorar o quadro, empresas e famílias ainda estão “digerindo” os problemas criados no auge da pandemia: empréstimos emergenciais vencendo, endividamento e comprometimento da renda. Se o passado recente deixou feridas ainda abertas, o futuro imediato não promete alívio, o que desestimula as famílias a fazerem novos compromissos com compras no crediário.

Vejamos mais objetivamente. Os três grandes setores – Indústria de transformação, Comércio e Serviços – tiveram quedas expressivas de atividade no início da pandemia, principalmente em março e abril de 2020, mas começaram uma recuperação a seguir. O Comércio retomou mais rapidamente, graças ao uso dos recursos do Auxílio Emergencial (AE) e dada a necessidade de adaptação aos novos costumes de estudar e trabalhar em casa, fazendo com que as famílias lançassem mão do crediário e até de poupanças constituídas para momentos especiais. Eletrodomésticos, computadores e assemelhados e materiais de construção – para pequenas reformas – atingiram recordes de vendas já no segundo semestre de 2020, mas estes níveis altos naturalmente não se sustentaram. Uma vez feitas as adaptações ao novo padrão de estudar e trabalhar, não foram necessárias novas mudanças logo a seguir.

Na área de não duráveis, o auge das vendas dos Hiper e supermercados foi no meio do ano de 2020, mas depois o AE sofreu interrupções e a inflação quebrou o poder de compra. Em fevereiro de 2022, última informação disponível, as vendas do setor estavam 3% menores que as do pico alcançado no meio de 2020, já descontados os efeitos sazonais. Nos duráveis, chama atenção o desempenho de Móveis e eletrodomésticos, cujo pico se deu em setembro de 2020 e atualmente opera com um volume de vendas 25% inferior. O Comércio como um todo teve seu pico de vendas (em volume) no final de 2020 e atualmente vende 3% menos do que naquele momento.

Observemos a Indústria de transformação, que vive uma crise conjuntural em meio a uma longa crise estrutural, cuja marca maior é o processo de desindustrialização, isto é, perda de importância (peso) no PIB e no total do emprego do país. Tal como o Comércio, a Indústria teve seu auge de produção no final de 2020, mas não o sustentou e hoje produz 7% menos do que no pico. No ponto mais alto da sua produção, chegou a superar o nível de pré pandemia, entusiasmando vários analistas de conjuntura e economistas do Governo, mas atualmente opera com 2% menos do que em fevereiro de 2020, considerado um ponto de referência no tempo antes de se abaterem os efeitos negativos da pandemia.

 O setor de Serviços teve uma trajetória diferente, influenciada diretamente pela necessidade de distanciamento social. Após a súbita parada no início da pandemia, teve uma lenta recuperação e só foi retomar o nível de fevereiro de 2020 mais de um ano depois, em abril de 2021, mas ainda muito em função do desempenho das atividades que não dependem da presença física dos consumidores, como os serviços de informação e comunicação, transportes e administração.

Os que dependem da presença dos consumidores, tipicamente os serviços prestados às famílias – restaurantes, entretenimento e turismo –, vivem uma lenta retomada desde o início do processo de vacinação e de acordo com a dinâmica das variantes do vírus, mas ainda não recuperaram seu nível de fevereiro de 2020; neste momento, dois anos depois, estão produzindo 14% menos do que antes da pandemia.

Vale reparar que o setor de Serviços como um todo, que vinha crescendo desde a metade de 2020, em ritmo lento, mas constante, também mostra perda de fôlego nos últimos meses; seu pico se deu em dezembro de 2021 e os dois meses seguintes já mostraram quedas.

Enfim, não há de onde tirar elementos para otimismo. A combinação de mercado de trabalho sem força, inflação alta e juros elevados não poderia gerar nada melhor do que o que temos no momento. A questão é como sair desse marasmo que assume forma de círculo vicioso: demanda fraca, empresas em compasso de espera por dias melhores, desemprego ainda alto, massa de rendimentos em queda e, em consequência, atividade estagnada. A reforma trabalhista de Temer, ao desregulamentar direitos e ocasionar a queda de rendimentos, está mostrando seus resultados da pior maneira possível, justo no momento de uma infeliz coincidência dos efeitos negativos da pandemia com uma demanda frágil e inflação e juros em alta. O cenário internacional a partir da invasão da Ucrânia pelas tropas russas só piorou o quadro ruim que já estava armado. Os anos de 2023 e 2024 não serão nada fáceis.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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