Opinião
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17 de fevereiro de 2022
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08:41

Os juros americanos e sua influência no Brasil (por Flavio Fligenspan)

(Foto: Pixabay)
(Foto: Pixabay)

Flavio Fligenspan (*)

Como se sabe, o discurso liberal a favor da mínima intervenção do Estado na economia não resiste a solavancos de porte médio, tão característicos das economias capitalistas. Que dirá a solavancos com tamanho de tsunamis, como a grande crise financeira a partir de 2008 e a crise da Covid. Tanto em 2008 como em 2020 todos os países tiveram que lançar mão de instrumentos de política econômica para sustentar empresas e famílias, o que incluía sustentar o sistema financeiro e evitar uma quebradeira em cadeia. Isto envolveu diversos programas de apoio de vários tipos, incluindo a injeção de dinheiro e o rebaixamento significativo da taxa de juros, nos países ricos para taxas próximas de zero.

Passados os efeitos mais dramáticos da crise da Covid, tanto sanitários como econômicos, e diante de uma inflação muito alta para os padrões de economias desenvolvidas, discute-se há alguns meses como será o programa de retirada de apoios e elevação dos juros nos Estados Unidos. E quais as consequências desta mudança para o resto do mundo, em especial no que se refere a um processo de valorização (ou não) do dólar frente a outras moedas.

Em situações normais, a alta dos juros americanos atrairia recursos financeiros para os Estados Unidos e valorizaria o dólar, com reflexos opostos em economias mundo afora, em especial as emergentes. Mas não estamos em tempos normais. Desde a crise de 2008 houve grandes transformações na economia americana em resposta ao mega programa de estímulos governamentais e a taxas de juros super baixas. Muita gente ganhou dinheiro com aplicações em ativos em geral, seja na bolsa, seja especulando com ativos não financeiros, constituindo um processo de valorização que algum dia certamente seria revertido. A pergunta do momento é se teria chegado a hora desta reversão. Se chegou a hora, capitais aplicados nos últimos anos nos Estados Unidos poderiam estar de saída, ainda que o aumento dos juros americanos funcionasse no sentido da atração. Por outro lado, juros em alta no resto do mundo seriam um fator a favor da captação destes capitais. Assim, depois de muitos anos em que a política econômica não foi “normal”, uma correção de rota poderia inverter o movimento usual: de que elevação dos juros atrai capital e valoriza a moeda. O fato é que podemos já estar diante de um movimento em que, apesar da alta dos juros americanos, há saída de capital financeiro dos Estados Unidos, o que levará à desvalorização do dólar.

E qual a importância disso para o Brasil? Os grandes investidores internacionais examinam muitas variáveis antes de decidir onde aplicar seus recursos, entre elas o potencial de crescimento de cada país, o risco de recuperarem seus recursos sem percalços econômicos e políticos, a própria trajetória futura da taxa de câmbio – que pode comprometer a rentabilidade – e, muito importante, a diferença de taxas de juros entre um país de referência (com risco zero de calote) e o candidato a receber os recursos. A partir do início de 2021, quando começou o ciclo de alta da taxa de juros brasileira, o diferencial joga a favor da atração de capitais para cá. Para se ter uma ideia, hoje o diferencial é de mais de dez pontos percentuais ao ano entre o Brasil e os Estados Unidos, uma super diferença.

Mas logo a taxa americana vai começar seu ciclo de alta, obviamente não tão amplo como o brasileiro. Daí vem a pergunta: o diferencial de juros e as demais variáveis que influenciam a decisão dos grandes fundos vão determinar a entrada líquida de capitais no Brasil? Se a resposta for positiva, o mercado de câmbio vai pender a favor do real e veremos a continuidade do movimento que já apareceu desde a virada deste ano, um dólar mais barato, ainda que considerado elevado quando se olham os chamados fundamentos. Não é por acaso a alta da bolsa brasileira nestes primeiros 45 dias de 2022, até porque se considera que os ativos brasileiros estão baratos, quando medidos em dólar.

E qual a consequência de uma taxa de câmbio menor? Entre tantas variáveis, o câmbio influencia diretamente a inflação, via preços das importações. Observe-se que a inflação alta de 2021 no Brasil foi, em grande parte, devida a preços internacionais – commodities agrícolas, derivados do petróleo, insumos industriais diversos com problemas nas cadeias de suprimento, tarifas de transporte marítimo –, tudo mediado pela taxa de câmbio. Assim que, se o dólar desvalorizar em 2022, teremos uma pressão menor sobre vários preços na economia brasileira, contribuindo para uma taxa de inflação bem menor que a de 2021 e influenciando diversas variáveis da economia e da política, sobretudo em ano eleitoral. Portanto, a trajetória de valorização (ou não) do dólar neste ano ganha um caráter decisivo.  

(*) Professor do Departamento de Economia e de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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