Opinião
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26 de agosto de 2021
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09:28

A miséria avançou e o auxílio gaúcho não apareceu (por Valdeci Oliveira e Paola Carvalho)

Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas

Valdeci Oliveira e Paola Carvalho (*)

A pandemia da Covid-19, que já ceifou mais de 34 mil vidas de gaúchos e gaúchas ao longo de um ano e meio, também provocou efeitos muito graves no que diz respeito à redução drástica da renda e à ampliação da miséria e da fome no Rio Grande do Sul. O Boletim Desigualdade nas Metrópoles apresentou, em julho de 2021, dados que demonstram que a Grande Porto Alegre foi a segunda região metropolitana do país onde, proporcionalmente, mais cresceu o número de pessoas com renda abaixo de um quarto do salário mínimo. Entre 2020 e 2021, esse contingente de pessoas em situação de vulnerabilidade social aumentou em mais de 280 mil pessoas (36,8%) na capital gaúcha e nos municípios do seu entorno, totalizando 1.182.172 pessoas. Somente a Região Metropolitana de Goiânia apresentou um índice pior, com a elevação de 45,8% nesse indicador.

Também pesa sobre essa realidade social complexa o fato de 1,2 milhão de gaúchos e gaúchas terem sido cortados do auxílio emergencial nacional na virada de 2020 para 2021. Outro agravante, além do  desemprego, é o retorno vigoroso da inflação, que afeta a sociedade de forma geral, mas que  é muito mais severa quando se trata das populações mais pobres. Isso porque a alta de preços dos itens mais básicos para a sobrevivência,  como energia elétrica, alimentação, gasolina, transporte, etc, é ainda maior do que a registrada em outros segmentos de produtos e bens de consumo.

Não podemos esquecer que, em Porto Alegre, uma cesta básica de alimentação custa, em média, hoje, R$642,31, o valor mais alto entre as capitais brasileiras. Só para tomar café da manhã, durante um mês, uma família porto-alegrense necessita dispor de R$ 240,00, considerando, nesse cálculo estimado, a compra de um litro de leite e de três pãezinhos por dia. 

Não somos visionários, mas alertamos que esses dados seriam agravados desde março de 2020, quando foi protocolado, na Assembleia Legislativa, o Projeto de Lei 74/2020, que propõe a criação da Política de Renda Básica Emergencial no Rio Grande do Sul. O objetivo desse PL é criar  um instrumento legal que possibilite o atendimento de cerca de 400 mil famílias extremamente pobres com recursos já existentes no Fundo de Amparo e Proteção Social – AMPARA RS. Não somos visionários, mas somos humanos e defendemos a ciência e as comprovações internacionais que apontaram, lá atrás, que uma das únicas ações capazes de deter a força dessa pandemia seria a transferência de renda aos mais vulneráveis. Só a certeza da garantia de renda permitiria que as pessoas mais pobres mantivessem o distanciamento social e garantissem uma dignidade mínima até que a economia fosse retomada a pleno.

O governador Eduardo Leite recebeu de, forma oficial, todos os nossos apelos, realizou reunião conosco e afirmou ser favorável ao Programa de Renda Básica de Cidadania como forma de enfrentamento à exclusão social. Após toda essa etapa de mobilização e luta, que durou mais de um ano, Leite apresentou ao Parlamento gaúcho um projeto especifico do Executivo para criar o Auxílio Emergencial Gaúcho. Lamentavelmente, a Lei n° 15.604/2021, que está prestes a completar 150 dias de aprovação, registra uma assustadora baixa execução. Nós votamos favoravelmente à lei, porque entendíamos que era importante começar, mesmo que de forma tão acanhada.

Na época, por muitas vezes, reafirmamos que as disputas partidárias não poderiam estar acima da vida e da sobrevivência das pessoas. Mas tínhamos convicção de que nosso projeto era mais robusto, possível de executar, rápido para chegar nas pessoas e com capacidade de ser pago. Para nossa tristeza, as declarações festivas do governo Leite não se materializaram na vida das pessoas.

Foi o caso do anúncio, realizado em pleno Dia das Mães desse ano, de que quase 8.200 mães solo, com ao menos três filhos e pelo menos cinco pessoas na família, seriam beneficiadas no auxílio. Foi o caso do anúncio, acompanhado de muitos dados, de que 19.458 empresas do Simples Nacional, 58.410 microempreendedores individuais (MEIs) e 18.530 trabalhadores dos setores mais afetados pela pandemia – alojamento, alimentação e eventos – também seriam contemplados pela ajuda emergencial, que totalizaria R$107 milhões, sendo parte dos recursos, inclusive, destinada pela Assembleia Legislativa.

Depois de seguir os passos da gestão Bolsonaro, que massacrou o povo com as burocracias e cortes do auxílio emergencial nacional, o governo Leite foi obrigado a reconhecer – em uma oportuna audiência pública realizada recentemente na Comissão de Economia da Assembleia Legislativa – que apenas 695 mães solo e 6 mil empresas do Simples foram, de fato, beneficiadas com recursos. Nenhuma microempresa e nenhum desempregado dos setores priorizados conseguiram acessar o socorro até agora.

O ritmo lento e burocratizado do auxílio emergencial gaúcho contrasta com a velocidade e a prioridade que o governador dá a sua campanha à presidência da república, que tenta vendê-lo como um “gestor moderno e voltado ao diálogo e ao social”. 

Ao fim e ao cabo, Leite, infelizmente, colocou os interesses eleitorais acima da vida e da sobrevivência do povo gaúcho. E não fez com que os recursos emergenciais chegassem aos que mais precisam, o que configura, na nossa avaliação, uma grave omissão da sua administração.

Da nossa parte, nós seguimos lutando pelo PL 74/2020 e contamos com a mobilização da sociedade gaúcha. Sabemos que a iniciativa é possivel e, mais do que isso, necessária e urgente. Nós tivemos a humildade de colocar nossa experiência – bem demonstrada nos programas de transferência de renda executados nas gestões dos ex-governadores Olívio Dutra e Tarso Genro –  à disposição do governo atual e da sociedade gaúcha.  

Mais uma vez, apelamos publicamente: tenha sensibilidade e empatia, governador! O povo gaúcho está sofrendo e carece de apoio concreto e imediato. 

(*) Valdeci Oliveira é deputado estadual (PT) e proponente da Renda Básica Emergencial. Paola Carvalho é diretora da Rede Brasileira de Renda Básica

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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