Opinião
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17 de julho de 2021
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09:40

Duas frases de efeito para o debate de conjuntura (por Flavio Fligenspan)

Bolsa deve ter uma expansão, em pontos, acima dos cerca de 5% esperados para o PIB. (Foto: Hugo Arce/Fotos Públicas)
Bolsa deve ter uma expansão, em pontos, acima dos cerca de 5% esperados para o PIB. (Foto: Hugo Arce/Fotos Públicas)

Flavio Fligenspan (*)

Na quarta feira, dia 14 de julho, realizamos o tradicional Seminário Trimestral de Conjuntura do Núcleo de Análise de Política Econômica (NAPE) da UFRGS, desta vez com o título “Recuperação heterogênea com juros e desemprego em alta” (disponível no endereço www.youtube.com/fceufrgs). Entre tantos temas debatidos no Seminário, um dos participantes lembrou uma frase de efeito que ele havia ouvido recentemente numa live com economistas que atuam no mercado financeiro: “A Bolsa não é o PIB”. A frase referia-se um descolamento entre o desempenho da Bolsa brasileira e a expectativa de crescimento do PIB neste ano de 2021, isto é, a Bolsa deve ter uma expansão, em pontos, acima dos aproximadamente 5% esperados para o PIB.

É verdade. A Bolsa não é o PIB e nem deveria expressar exatamente ou aproximadamente o que ocorre com o nível de atividade da economia brasileira. Primeiro, porque, diferentemente de economias avançadas, a Bolsa é relativamente pequena no Brasil e ainda representa uma fatia também pequena do total do financiamento das empresas. Segundo, porque o PIB expressa uma grande média de desempenhos de diversos setores e atividades produtivas, um universo muito maior do que se negocia na Bolsa. Assim que o PIB pode ter uma performance e a Bolsa, que reúne apenas uma parte do todo, pode ter resultados bem diferentes. Terceiro, porque a Bolsa oscila não só de acordo com os movimentos da economia real, mas também por movimentos especulativos, especialmente em tempos de taxas de juros baixas, em que o capital financeiro busca oportunidades diversas de valorização. A especulação bem pode, ou mesmo deve, “correr por fora” da economia real. E quarto, porque a Bolsa pode estar variando hoje em função da projeção de movimentos futuros do PIB, e de acordo com o que os aplicadores de recursos acham que vai acontecer na economia real; e diga-se que nem sempre eles acertam suas apostas.

Enfim, a Bolsa não é o PIB, mesmo. Assim, para tomar apenas um exemplo das muitas comparações possíveis em diferentes intervalos de tempo, entre o primeiro trimestre de 2020 e o primeiro de 2021 o Índice da Bolsa (Ibovespa ou B3) cresceu 13,2% e o PIB, 1,0%. Há, portanto, um descolamento, uma diferença significativa de desempenhos.

Ocorre que no momento atual da economia brasileira se observa outro descolamento que gera outra frase de efeito, esta bem mais significativa do ponto de vista social. Se a Bolsa não é o PIB, pode-se dizer também que o PIB não é emprego. E, consequentemente, não é rendimento; nem expressa condições de vida. Isto também é verdade, tanto por fricções típicas do funcionamento do mercado de trabalho, em especial nos momentos de retomada pós-crise, como por mudanças estruturais que a crise específica da pandemia pode estar gerando.

É sabido que o mercado de trabalho custa a reagir nas retomadas, visto que as empresas só contratam quando acreditam que os movimentos iniciais de aumento das vendas vão se sustentar. Assim que é normal alguma defasagem nos indicadores de atividade e do emprego, mas este é um fenômeno que tende a perder fôlego com o tempo. Não é tão grave, portanto.

Mais graves são os ajustes de médio prazo estimulados pelas mudanças que a pandemia trouxe, tanto em relação às alterações na forma de trabalhar individualmente e em equipe, como no local de trabalho, e também no que se refere aos ganhos de produtividade poupadores de mão de obra, estes carregando um drama maior, que é a subocupação ou mesmo a dispensa do pessoal menos qualificado e com menos capacidade de se defender.

Se os indicadores das mudanças empresariais ainda não estão tão amplamente documentados e reunidos em pesquisas, restringindo-se mais a observações individuais ou de atividades específicas, suas consequências já aparecem nos indicadores do mercado de trabalho, através do desemprego de longa duração, do forte aumento da informalidade, do desalento e da subutilização, principalmente pela manifestação dos trabalhadores de que estão disponíveis e precisam trabalhar por mais horas do que as jornadas efetivas atuais.

Estes ajustes não parecem se caracterizar como friccionais, pelo contrário, tudo indica que vieram para ficar, inclusive com mais propostas de desregulamentação, pressionando a informalidade para cima e os rendimentos para baixo, tanto mais quanto menos crescer o PIB nos próximos anos. Assim, o fenômeno que não é novo, mas se agravou com a crise econômica causada pela pandemia – estendida no tempo pelo lento processo de vacinação –, deve contribuir para que o frágil aumento do PIB não se transforme em melhoria das condições de vida da população. E a frase de efeito vira realidade: PIB não é emprego…nem expressa condições de vida.

(*) Professor do Departamento de Economia e de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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