Coronavírus
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31 de agosto de 2021
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17:45

PL que quebra patentes de vacinas tem até 5ª para ser sancionado; entenda o que muda

Por
Luís Gomes
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Até o momento, o RS recebeu 15 milhões e 323 mil doses de vacinas, tendo aplicado 88% deste total. Foto: Divulgação
Até o momento, o RS recebeu 15 milhões e 323 mil doses de vacinas, tendo aplicado 88% deste total. Foto: Divulgação

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem até a próxima quinta-feira (2) para decidir se sanciona um dos raros projetos de lei a unir representantes de diversos espectros políticos e que poderá ter um efeito real para a população brasileira, o PL 12/2021, que institui a possibilidade do Poder Executivo federal instituir quebra temporária de patentes de vacinas e medicamentos para enfrentamento de emergências sanitárias, como é o caso da covid-19.

De autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), o projeto contou com parecer favorável na Câmara do relator Aécio Neves (PSDB-MG) e, no Senado, do senador Nelsinho Trad (PSD-MS). No Senado, aliás, o PL recebeu 61 votos favoráveis e apenas 13 contrários quando da sua aprovação, em 11 de agosto. No entanto, entre os contrários, estão senadores da base do governo Bolsonaro, cujo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, manifestou-se contra o projeto em maio passado.

“Um tema sensível essa questão da quebra das patentes. Meu temor é de não termos condições de, mesmo com a quebra, não conseguirmos produzir as vacinas aqui no Brasil e isso interferir de maneira negativa no aporte de vacinas internacionais. O governo depende dos laboratórios para receber as vacinas, até agora a maioria das vacinas foi do Butantan e da Fundação Oswaldo Cruz, na Fundação poderemos produzir vacina no futuro. Estamos construindo um cenário muito bom para a produção de vacinas no futuro”, disse Queiroga em 6 de maio.

Depois da aprovação, o governo ainda não se manifestou oficialmente para adiantar se o projeto será sancionado ou vetado. Contudo, mesmo em caso de veto, poderá retornar ao Congresso e, repetindo os votos que obteve para a aprovação, ter o veto derrubado, com o projeto se tornando lei sem precisar novamente passar por avaliação do presidente.

Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), instituição que reúne especialistas e entidades da sociedade civil na área do direito à saúde e propriedade intelectual, explica que o PL tem a virtude de simplificar a legislação para facilitar a quebra de patentes em momentos de emergência sanitária.

Ele destaca que a lei brasileira já prevê atualmente o dispositivo de licença compulsória, que é o que permite autorizar temporariamente que uma empresa produza um produto cuja patente pertença a outra empresa.

“A patente gera um monopólio e, durante aqueles 20 anos que a empresa tem o monopólio daquele mercado, nenhuma empresa pode vender nenhum produto. A licença compulsória é um ato do governo, que diz para essa empresa: ‘olha, existem razões aqui pelas quais você não pode mais exercer esse monopólio, eu preciso que outras empresas me forneçam esse produto’. É isso que faz a licença compulsória”, diz Villardi.

O que o PL 12 cria é um novo rito em relação à legislação atual para permitir a emissão da licença compulsória para blocos de tecnologias em vez de negociar uma a uma, o que atrasa a resposta em momentos de emergência nacional de saúde. Na prática, no caso da covid-19, isso significa que o governo pode autorizar a quebra de patentes de vacinas, reagentes, medicamentos, kits de diagnóstico, entre outros insumos e tecnologias importantes para o enfrentamento do vírus. Em contrapartida, a lei estabelece que a detentora da patente receberá, a título de royalties, o equivalente a 1,5% sobre o preço líquido de venda do produto a ela associado até que seu valor venha a ser efetivamente estabelecido.

O fato de a lei dar mais celeridade ao processo de emissão de licenças compulsórias já havia sido destacado pelo relator da matéria no Senado, Nelsinho Trad, após a votação de 11 de agosto.

“O principal objetivo do PL 12, de 2021, é agilizar o processo de concessão de licenças compulsórias em casos de emergência de saúde pública declarados por lei ou decreto, como é o caso da atual pandemia provocada pelo coronavírus. São estabelecidas regras de procedimento e prazos compatíveis com a urgência da situação, estabelecendo um poder-dever de agir do Poder Executivo diante da declaração de uma emergência de interesse nacional. Trata-se, assim, de um rito mais célere e objetivo em relação à possibilidade genérica prevista na legislação atual”, disse.

Villardi frisa que a lei poderá ser acionada em momentos futuros de emergência nacional, não apenas para o enfrentamento da covid-19, mas destaca que as licenças compulsórias são, por natureza, temporárias, podendo ser renováveis durante o período de emergência.

Ele destaca que a legislação também poderá ser usada quando da chegada de medicamentos para o tratamento clínico da covid-19 ao Brasil. “Com certeza, eles vão chegar muito caros para os países, vão estar indisponíveis num determinado período de tempo, como ficaram as vacinas, que abasteceram primeiramente os países do norte global e ainda não chegaram para muitos países em desenvolvimento. Quando chegar o tratamento, a expectativa é que aconteça a mesma coisa. Se a gente tiver uma boa lei de licença compulsória, a gente vai poder se engajar em esforços de tornar essas tecnologias disponíveis para a nossa população sem depender das empresas detentoras das patentes”, afirma.

Após a aprovação do projeto, o senador Paulo Paim ressaltou que órgãos transnacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), já haviam se posicionado a favor da quebra de patente das vacinas contra a covid-19 e que até mesmo o presidente americano, Joe Biden, também já havia defendido a medida.

“O PL 12 é uma proposta de vanguarda. O mundo está debatendo esse tema das patentes. Há um movimento internacional, e tudo está avançando. Governos de vários países sinalizaram. O presidente americano Joe Biden foi a público se manifestar apoiando essa ideia. Entidades como Médicos sem Fronteiras, Anistia Internacional, entre tantas outras, OMC [Organização Mundial do Comércio], OMS [Organização Mundial da Saúde] vão no mesmo sentido. Estamos pensando e tratando da saúde coletiva. O Brasil tem condições, sim, de produzir vacinas e medicamentos sem precisar depender de outros países. Isso é fundamental. Lidaremos com a prevenção, agindo de forma antecipada, com vistas a adotar medidas cujo objetivo seja evitar o dano e promover a saúde. Prevenção é a palavra”, disse Paim.

“Vamos dotar o Brasil de uma das mais avançadas leis sobre licença compulsória de patentes”, afirmou o deputado Aécio Neves, quando da aprovação do projeto na Câmara.

Em carta aberta divulgada no último dia 25 de agosto, a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI) defendeu o veto integral ao PL 12, com o argumento de que a emissão de licenças compulsórias no Brasil já é permitida e que não haveria necessidade de atualização da legislação.

“Não há no País qualquer processo investigativo para avaliar desabastecimento por culpa de titulares de patentes ou uso abusivo destes, que poderiam ensejar qualquer licença compulsória. (…) Não há consenso internacional quanto a necessidade de quebra de patentes para combater a pandemia de covid-19 ou sequer flexibilização da proteção das invenções desenvolvidas para combate à pandemia”, diz a carta.

O documento ainda adverte que a sanção da lei poderá ter impactos envolvendo os “setores inovadores” que se utilizam da propriedade intelectual. “Não se tem qualquer notícia de que houve concessão de licença compulsória para combate da atual pandemia em nenhum país do mundo. A despeito disso, a vacinação avança em todos os continentes, inclusive no Brasil”, diz a ABPI.

Para Pedro Villardi, contudo, a medida é legal, legítima e tem potencial para salvar vidas. “A gente está vendo aí que as empresas já estão anunciando que vão aumentar os preços das vacinas e a gente tá vendo que não vamos conseguir superar a covid muito rapidamente. Então, a gente vai precisar de todos os mecanismos que estiverem ao nosso dispor e o PL 12, quando virar lei, vai ser uma ferramenta importante para aumentar a oferta de tecnologias para a gente enfrentar a covid”, diz.

Para o especialista, a reação contrária ao PL é baseada em “terrorismo ideológico”. “Dizem que o Brasil vai ser retaliado, quando nunca houve uma retalização por causa de emissão de licença compulsória. Dizem que causa insegurança jurídica, mentira, não causa. O PL é muito bem estruturado, não traz nenhum perigo ao Brasil, está totalmente em acordo com as regras internacionais sobre o tema, totalmente de acordo com as normativas brasileiras. Então, são argumentos que não se sustentam”, finaliza.


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