Eleições 2022
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29 de setembro de 2022
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06:59

Secretários, ataques ao meio ambiente e escolas cívico-militares unem Leite e Bolsonaro

Por
Luís Gomes
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Onyx, Bolsonaro e Leite durante encontro em 2019 | Foto: Reprodução/Twitter
Onyx, Bolsonaro e Leite durante encontro em 2019 | Foto: Reprodução/Twitter

Líder nas pesquisas, o ex-governador Eduardo Leite (PSDB) tenta a reeleição fora do cargo se colocando numa espécie de caminho do meio entre a polarização da disputa presidencial entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL). Até o momento seu principal adversário na disputa é o bolsonarista Onyx Lorenzoni (PL) e, assim como em 2018, sua campanha tem peças publicitárias que dizem que ele adotaria algumas medidas de direita e outras de esquerda. A análise de seu governo, contudo, mostra um alinhamento à gestão de Bolsonaro em diversas áreas, como privatizações, desregulamentação ambiental, reformas administrativas e previdenciárias, militarização das escolas, além de ter nomeado secretários que estavam entre os principais propagandistas do presidente no RS.

Em 2018, Eduardo Leite notoriamente declarou apoio a Bolsonaro no segundo turno contra o petista Fernando Haddad (PT). Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, em julho de 2020, quando Bolsonaro debochava abertamente da pandemia de coronavírus e brigava com governadores que promoviam medidas de restrição de circulação, como ele próprio, Leite disse que não se arrependia de seu voto. Na ocasião, o então governador disse que a política econômica do ministro Paulo Guedes era “boa para o País”. A mudança de tom só veio posteriormente, após ele virar alvo de ataques homofóbicos por parte do presidente e de aliados. Respondendo a uma postagem do influencer Felipe Neto, em julho de 2021, Leite escreveu:

“Felipe, não apoiei Bolsonaro na pandemia, pelo contrário. E em 2018 o que fiz foi declarar voto nele, com muitas ressalvas. E, mesmo assim, reconheço que errei. Mas só vamos superar esse erro com diálogo, inclusive com quem pensa diferente. Não se combate ódio com intolerância”.

O afastamento em relação à gestão da pandemia foi a principal diferença da gestão Leite para a gestão Bolsonaro, mas em outros aspectos do governo há diversos pontos em comum, começando pela nomeação de secretários abertamente alinhados a Jair Bolsonaro.

Antes mesmo de tomar posse, foi veiculada a possibilidade de Leite nomear o então deputado estadual eleito Tenente-Coronel Zucco (PSL, hoje Republicanos) como secretário de Segurança Pública. Militar e deputado de primeira viagem, Zucco foi o campeão de votos para deputado estadual em uma campanha inteiramente ligada a Bolsonaro.

GauchaZH informou em 18 de dezembro de 2018 que o governador tinha sondado Zucco, mas que não fizera um convite formal. A nomeação acabou não ocorrendo e, inicialmente, o PSL não fazia parte da base aliada do governo na Assembleia Legislativa. Zucco faz parte hoje do partido do vice-presidente Mourão e continua fazendo campanha com a imagem de Bolsonaro, usando até o número do partido do presidente como complemento do número de seu partido.

Em março de 2019, Leite convidou o deputado estadual Ruy Irigaray (PSL, hoje União Brasil) para ser o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, marcando o ingresso formal do PSL no governo. Fundador do grupo Armas S/A, Irigaray fez uma campanha colada com o nome de Bolsonaro em 2018, aparecendo em diversas imagens com armas em mãos.

 

Leite cumprimenta Irigaray ao oficializar sua nomeação, em 2019 | Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini

Em novembro de 2019, a direção estadual do PSL anunciou que estava deixando a base aliada por discordar das propostas da reforma administrativa de Leite que afetavam as carreiras de servidores, especialmente de servidores da segurança pública. Irigaray, contudo, permaneceu como secretário até fevereiro de 2020. Ao retornar para a Assembleia Legislativa, ele seguiu votando com o governo até ser cassado em março deste ano. Nas eleições de 2022, o pai do ex-deputado concorrerá com o nome de urna de Ruy Irigaray Bolsonaro.

Quando Irigaray deixou a secretaria, ele foi substituído por Rodrigo Lorenzoni (PL, mas à época no DEM), justamente o filho do candidato bolsonarista na disputa pelo governo, Onyx Lorenzoni (PL). Em reportagem de fevereiro de 2020, GauchaZH destacou que a nomeação de Rodrigo era uma forma de valorizar o apoio dele ao governo em votações na Assembleia Legislativa. Rodrigo era suplente de Irigaray.

Outro bolsonarista que ocupou um cargo de primeiro escalação no governo Leite foi o deputado federal Covatti Filho (PP). Anos antes da eleição de 2018, Covatti já era um dos principais apoiadores de uma campanha presidencial de Bolsonaro no Rio Grande do Sul. Em janeiro de 2016, a lado de outros parlamentares do PP, à época partido de Bolsonaro, ele promoveu um evento político com o então deputado, já em tom de campanha, na Assembleia Legislativa.

Covatti Filho foi nomeado em 1º de janeiro como titular da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural. Ele permaneceu até março de 2021, quando foi substituído por sua mãe, a deputada estadual Silvana Covatti (PP). A família Covatti só deixaria de ter um cargo no governo Leite no mesmo dia em que Leite deixou o governo para tentar concorrer à presidência, em 31 de março deste ano. Silvana se afastou para também poder concorrer nestas eleições.

Já o filho, após voltar para a Câmara dos Deputados, é um dos deputados mais adesistas ao governo Bolsonaro, constantemente votando a favor das propostas de acordo com levantamento do portal G1. Em campanha para reeleição, o deputado federal declarou apoio e usa a imagem do presidente em peças publicitárias e santinhos. “Sou um deputado da base do governo, sou fiel ao meu posicionamento, e não fujo desse compromisso. Mais uma vez, nessas eleições, eu tô com o capitão!”, escreveu Covatti Filho em postagem de 17 de agosto.

Uma das principais características do governo Bolsonaro foi a liberação de agrotóxicos e a desregulamentação da legislação ambiental. Segundo dados do Robotox, projeto de monitoramento da Agência Pública e da Repórter Brasil, o governo Bolsonaro publicou a aprovação de 1.682 novos produtos agrotóxicos desde o seu início.

Nos anais da história de seu governo, uma das páginas mais marcantes é a fala do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante reunião ministerial de 20 de abril de 2020, quando disse que a pandemia era uma oportunidade de “passar a boiada” da desregulamentação ambiental.

Já no Rio Grande do Sul, em janeiro de 2020, Eduardo Leite sancionou o Novo Código Ambiental, alterando 480 pontos na legislação estadual vigente até então sob o argumento da necessidade de “agilizar e tonar mais claras as normas”.

Uma das principais alterações foi a criação da Licença Ambiental por Compromisso (LAC), que permite que atividades classificadas como de menor impacto ambiental possam obter autorização mediante o encaminhamento dos documentos exigidos, sem a necessidade de fiscalização prévia. Apesar da mobilização de diversas entidades de defesa do meio ambienta, esta modalidade de autolicenciamento ambiental foi regulamentada e passou a vigorar em 2022.

Após a aprovação da modalidade no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), o Centro de Estudos Ambientais (CAE), sediado em Pelotas, denunciou que o autolicenciamento representa “o maior retrocesso ambiental promovido por um governo” no colegiado.

 

Manifestantes protestam diante do Palácio Piratini contra o “PL do Veneno”, em 2021 | Foto: Leandro Molina

Em julho de 2021, Leite sancionou o PL 260/2020, de autoria do Poder Executivo, que muda a legislação referente ao uso de agrotóxicos no Rio Grande do Sul para permitir a importação e o uso nas lavouras gaúchas de produtos banidos em países sede dos fabricantes. Esta lei alterava uma legislação anterior, de 1982, que tinha sido pioneira no controle de agrotóxicos.

Autor da lei de 1982, o ex-deputado Antenor Ferrari (MDB) chegou a se reunir com representantes do governo Leite para solicitar que o Executivo retirasse o projeto da pauta, mas não obteve sucesso.

No campo dos “costumes”, nenhuma pauta bolsonarista ganhou mais tração no Rio Grande do Sul do que o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado em 2019. O principal divulgador do programa no RS é justamente o deputado Zucco, que ao longo de seu mandato percorreu o Estado, visitando escolas e apresentando uma cartilha que desenvolveu a favor do programa.

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) realizou recentemente um estudo, a partir de dados do Ministério da Educação, apontando que o Rio Grande do Sul é o estado com o maior número de escolas que já haviam aderido ao Pecim até março deste ano. Das 136 instaladas em todo o Brasil, 14 eram no Rio Grande Sul, sendo seis delas da rede estadual.

As escolas estaduais que aderiram ao Pecim foram: Instituto Estadual Osvaldo Aranha (Alegrete), EEEM Carlos Drummond de Andrade (Alvorada), EEEM Alexandre Zattera (Caxias do Sul), Escola Estadual Osvaldo Aranha (Novo Hamburgo), EEEM Santa Cruz (Santa Cruz do Sul) e EEEM Nossa Senhora Aparecida (Tramandaí).

A agenda de privatizações é outra bandeira que une as gestões Leite e Bolsonaro. As privatizações no setor elétrico foram as principais realizadas pelos governos federal e estadual nos últimos quatro anos. Em junho, o governo federal concluiu a privatização da Eletrobras. Já no RS, Leite promoveu a privatização de diversos braços da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), começando pelo setor de distribuição, vendido ao Grupo Equatorial por R$ 100 mil em março de 2021.

O alinhamento no campo da economia também ocorreu com a formalização da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do governo federal, que ocorreu após o Estado abrir mão da ação judicial que questionava a cobrança de juros sobre juros na sua dívida com a União, que supera os R$ 75 bilhões. Sem a ação judicial, o Estado voltou a pagar as parcelas da dívida, que crescerão gradativamente até chegar a R$ 8,120 bilhões anuais em 2031. Curiosamente, esta é uma diferença que Leite tem com Onyx, uma vez que o bolsonarista disse em diversas oportunidades que buscaria renegociar os termos do regime, enquanto o tucano se compromete a cumpri-lo integralmente.

O governador gaúcho tocou ainda uma agenda de reformas do funcionalismo público, que começou com a reforma da Previdência em janeiro de 2020, alinhando as carreiras estaduais às regras aprovadas pela reforma federal aprovada no ano anterior. Logo na sequência, aprovou uma primeira etapa de sua reforma administrativa, alterando as carreiras e excluindo gratificações, como triênios.

Bolsonaro chegou a encaminhar a sua proposta de reforma administrativa ao Congresso, mas ela acabou não sendo aprovada. Durante a tramitação, em janeiro de 2021, Leite cobrou do governo federal que a reforma fosse “mais ousada”.

Leite e Bolsonaro também mantiveram uma política semelhante de congelamento do salário mínimo, a nível federal, e do piso regional, no RS, bem como o congelamento dos salários de servidores públicos. O atual governo só aprovou um único reajuste aos servidores, de 6%, em maio de 2022, já na gestão do vice Ranolfo Vieira Júnior. Excetuando os servidores da segurança e o alinhamento obrigatório ao piso nacional do magistério, o funcionalismo estava sem qualquer reajuste desde o início do governo de José Ivo Sartori (MDB), em 2015. Leite, por outro lado, cumpriu a promessa de pagar os salários dos servidores em dia após anos de parcelamento na gestão anterior.

Durante a produção desta matéria, a reportagem do Sul21 enviou questionamentos às campanhas de Leite e Onyx na segunda-feira (26). Nenhuma delas respondeu.


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