Política
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15 de agosto de 2023
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18:20

‘O agronegócio produz riqueza, mas não desenvolve o país’, diz Stedile em CPI do MST

José Stédile é recebido por Ricardo Salles na CPI 
 | Foto: Myke Sena / Câmara dos Deputados
José Stédile é recebido por Ricardo Salles na CPI | Foto: Myke Sena / Câmara dos Deputados

Caroline Oliveira e Igor Carvalho
Do Brasil de Fato

O economista João Pedro Stedile, fundador e dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), criticou o agronegócio brasileiro depois que deputado Ricardo Salles (PL-SP), relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST, saiu em defesa do modelo de produção, nesta terça-feira (15).

Antes mesmo de ser ministro do Meio Ambiente no governo de Jair Bolsonaro (PL), Salles advogou a exploração da Amazônia seguindo princípios “capitalistas”. Ele sustenta a regularização de áreas previamente invadidas, inclusive na região amazônica, visando favorecer o agronegócio, a mineração ilegal, garimpo e a invasão de territórios indígenas.

Em maio de 2020, Ricardo Salles proferiu uma das suas declarações mais notáveis em relação ao meio ambiente: que o governo “passasse a boiada” em normas que desmontassem o sistema de proteção ambiental brasileiro.

“Eu gostaria de ouvir a sua opinião sobre o agro. Se o agro presta do ponto de vista de receitas ao país, desenvolvido, tecnologia, emprego, todos esses indicadores ao país. Se o senhor entende que esses país são suficientemente relevantes para reconhecer que o agronegócio cumpre um papel relevante no país”, disse Salles na CPI.

Em resposta, Stedile reconheceu que o agronegócio produz muita riqueza, mas que não distribui equitativamente entre a população. “No Mato Grosso, que é o paraíso do agronegócio, se a riqueza fosse distribuída para toda a população, haveria uma renda de R$ 54 mil por pessoa. O Mato Grosso seria o país mais desenvolvimento do mundo. Mas para onde vai a riqueza? Vai para multinacional e banco”, afirmou Stedile.

“São grandes propriedades, usam as técnicas mais avançadas e agrotóxico, e produzem muita riqueza, mas produzem commodities para exportação, portanto repete o modelo agroexportador colonial, que não necessariamente representa distribuição de riqueza para a nossa sociedade.”

Stedile ainda afirmou que tais “grandes propriedades” não são as mesmas que sofrem com a ausência de infraestrutura e apoio estatal. Ele citou uma pesquisa feita pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), encomendada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que aponta para falta de estrutura em 61% das fazendas para armazenar a produção de grãos do país.

“Perguntaram a eles [fazendeiros] quais são os principais problemas. Primeiro, preço dos insumos que as multinacionais vendem para nós, porque nós não temos controle nenhum. Segundo, nós não encontramos mais mão de obra para explorar. E terceiro, as mudanças climáticas estão afetando a produtividade da nossa agricultura. São fazendeiros espertos. Estão se dando conta do problema”, afirmou Stedile.

“O latifúndio não se interessa em produzir. Ele quer apropriar os bens da natureza para acumular a riqueza. Então ele se apropria de terra pública, madeira, minérios, água, biodiversidade e acumula riqueza. Mas qual é o benefício para a sociedade desse modelo? Nenhum. Qual é a contradição deles? Não têm futuro. A sociedade não aceita mais o latifúndio como forma de explorar a natureza.”

Mais cedo, Stedile apontou para um erro de procedimento cometido pela CPI do MST. Ele afirmou que os trabalhos da comissão deveriam se concentrar em uma amostra aleatória dos assentados e acampados do MST, e não em determinados grupos escolhidos previamente, para que os resultados encontrados fossem mais fiéis à realidade.

“Eu quero fazer uma observação de ordem estatística. Nós temos 500 mil famílias assentadas e 60 mil famílias acampadas, de acordo com o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. Se você pegar uma amostra aleatória de 1%, seriam 5 mil famílias que vocês teriam de ouvir, embora as mostras mais sérias sejam de percentuais ainda maiores.”

Por sua vez, Ricardo Salles afirmou que existem lideranças do movimento que estariam constrangendo assentados e acampados em benefício próprio. “Lideranças faziam todos os assentados ficarem em um local pequeno da área, e os líderes arrendavam a área maior, sem dividir os recursos com os outros assentados”, disse o relator.

O dirigente do MST afirmou, no entanto, que não é possível “atribuir esses casos ao geral. Se nós tivéssemos uma CPI do Poder Judiciário, quem os parlamentares iriam buscar? Aqueles juízes que cometeram alguma infração. A natureza vai em determinados pontos dos erros. Mas isso não significa que seja a maioria”.

“Esse método aleatório de ir lá e buscar pessoas que já se sabe que são contra o MST. Isso não pode ser generalizado. Sugiro que o senhor coloque no seu relatório uma sugestão de contratação da Unesp para fazer uma pesquisa para ver quais são os líderes que constrangem eles. Nós somos os primeiros interessados. Não posso concordar que se possa generalizar”, disse Stedile.

O depoente também afirmou que cada assentamento e acampamento cria suas próprias regras e podem decidir como lidar com aqueles que infringem as normas, sejam aqueles que constrangem os companheiros ou que desviam recursos, como foi apontado por Ricardo Salles.

“O MST tem princípios organizativos e quem os infringe não está de acordo com a ideologia do nosso movimento. Ele está desviado dos nossos princípios. Assim como o desvio de recurso a saída é delegacia. As regras do acampamento e do assentamento são decididas pela própria comunidade. É uma democracia popular”, disse Stedile.

“Em caso de desvios ou de comportamento de dirigentes impróprios, aí é Código Penal. É o nosso dever fazer com que se corrijam esses desvios. O MST quer organizar o povo para lutar pela terra, acabar com o latifúndio. O que eu insisto é que esse método aleatório de ir lá buscar determinada pessoa que conta que sofreu algum tipo de constrangimento – que eu acho que é possível – é generalizado. O Brasil é grande, e o senhor há de convir que há exemplos isolados, se foi a realidade que o senhor está descrevendo. Mas eu não posso concordar que se possa generalizar.”


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