Política
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11 de dezembro de 2022
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09:09

Com apoio da Câmara, governo Melo age para esvaziar conselhos da Capital

Por
Luciano Velleda
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Sebastião Melo. Foto: Gabriel Ribeiro/CMPA
Sebastião Melo. Foto: Gabriel Ribeiro/CMPA

Com vitórias e derrotas, o prefeito Sebastião Melo (MDB) tem agido para realizar mudanças significativas em diferentes conselhos municipais de Porto Alegre. Em setembro, a Câmara aprovou o projeto de lei que retirou poderes do Conselho Municipal de Educação (CME). O órgão perdeu o caráter deliberativo, passando a ser apenas consultivo, e teve determinadas funções extintas. A lei já está em vigor. No mesmo mês, a Câmara também aprovou outro projeto de lei com objetivos semelhantes referentes ao Conselho Municipal de Saúde (CMS). Dessa vez, porém, a Prefeitura, até o momento, perdeu. As mudanças realizadas foram suspensas por decisão liminar da Justiça.

No último dia 22 de novembro, Melo partiu para a terceira alteração, dessa vez mirando o Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu). O governo enviou à Câmara o Projeto de Lei Complementar 020/2022, que transforma o Comtu no novo Conselho Municipal de Mobilidade Urbana (Commu). Como nos casos anteriores, a mudança esvazia as funções do órgão, principalmente aquela referente à definição do preço da tarifa do transporte público na Capital. Atualmente, o Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu) determina o preço da passagem e a Prefeitura então homologa. Agora, a proposta estabelece que a tarifa do transporte coletivo será fixada pela Prefeitura por meio de decreto.

A proposta também altera a composição do conselho. Hoje, o órgão tem 21 membros, sendo 14 indicados pela sociedade civil e sete pela Prefeitura. Pela proposta, o novo conselho será paritário e terá 24 membros, sendo 50%(12 pessoas) representantes do Executivo e 50% (12 pessoas) representantes da sociedade civil.

Na avaliação do presidente do Comtu, Jaires Maciel, o aumento do número de membros é até bem vindo. O problema, ele afirma, é a Prefeitura propor isso ao mesmo tempo em que corta representantes da sociedade e dos trabalhadores. O projeto de lei enviado à Câmara exclui representantes do Orçamento Participativo, da União das Associações de  Moradores de Porto Alegre (Uampa), da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Detran, do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA/RS) e da Metroplan.

Por outro lado, a proposta de Melo inclui representantes da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), da Federação das Entidades Empresariais do Estado do Rio Grande do Sul (Federasul) e do comércio lojista de Porto Alegre.

Maciel enfatiza que uma das principais funções do conselho é atuar na definição do preço da tarifa do transporte público e, sem essa atribuição, o órgão ficará esvaziado. “Não temos nenhum óbice na iniciativa do prefeito, mas entendemos que para fazer uma reforma não precisa ‘botar a casa abaixo’, é só ‘construir umas paredes’.”

O presidente do Comtu acredita que Melo, ao querer decidir sozinho o valor da tarifa sem precisar da anuência do conselho, poderá inclusive ficar mais vulnerável. Além da perda de função e do corte de entidades, ele pondera que o projeto também é vago na definição de como serão eleitos os futuros membros. Cita como exemplo os taxistas, hoje representados pelo sindicato da categoria, e os idosos, atualmente representados por uma federação. A proposta da Prefeitura, ele avalia, não define com precisão quem irá representar estes dois públicos.

A possibilidade do projeto de lei ser votado ainda em dezembro também não agrada Maciel. Para ele, não há motivo de pressa e o tema necessita ser melhor debatido. “O projeto tem pontos muito obscuros. A participação popular tem que ser bem definida pra população não ficar prejudicada”, afirma.

Se for aprovado, novo conselho não terá mais função sobre o preço da tarifa e terá menos participação de trabalhadores. Foto: Luiza Castro/Sul21

Se as mudanças no Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu) ainda precisam de aprovação na Câmara, a situação do Conselho de Educação já é bem diferente. O esvaziamento do órgão virou realidade desde setembro, quando a Câmara aprovou duas leis propostas pelo governo Melo.

Uma mudou o Sistema Municipal de Educação, formado pela Rede Municipal de Ensino, escolas infantis públicas e privadas e a Secretaria Municipal de Educação (Smed). Antes coordenado pelo secretaria e pelo conselho de educação, o Sistema agora tem a pasta da Prefeitura no comando. Segundo Fabiane Pavani, presidente do Conselho Municipal de Educação, a alteração fere a Lei de Diretriz e Bases da Educação Nacional e as normativas do Conselho Nacional de Educação.

A partir de agora, ela explica, todos os atos do conselho serão sancionados ou não pela Secretaria Municipal de Educação (Smed), que terá assim poder de veto. “O conselho não está mais no mesmo nível da secretaria. Isso é uma deformidade no sistema municipal de ensino, é algo nunca visto, uma coisa absurda”, critica.

Além da mudança na correlação de forças no Sistema Municipal de Educação, as próprias funções do conselho foram esvaziadas. O órgão agora não tem mais a prerrogativa de apreciar o Plano Municipal de Educação.

Fabiane lembra que os conselhos foram criados pela Constituição de 1988 como uma forma da sociedade acompanhar e fiscalizar os atos do poder Executivo. Com as alterações feitas em Porto Alegre, ela diz não ser mais possível fiscalizar gastos e investimento na educação da rede municipal de ensino. O resultado final é a perda da participação da sociedade. “Na prática não é mais um órgão fiscalizador”, lamenta.

A atual presidente do Conselho Municipal de Educação conta ter feito denúncias no Ministério Público e na Defensoria Pública, sem nenhum resultado prático até agora. Apesar do insucesso da investidas, ela ainda tem esperança que alguma entidade integrante do conselho consiga uma decisão favorável na Justiça.

Mudanças no Conselho Municipal de Saúde estão suspensas pela Justiça. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Dentre as três mudanças pretendidas pela Prefeitura, a do Conselho Municipal de Saúde é a única em que o governo Melo sofreu revés até o momento. Em agosto, a Câmara aprovou o projeto de lei complementar que mudou as regras de composição do órgão, elevando a participação de representantes do Executivo e de prestadores de serviço e reduzindo, por outro lado, a participação de representantes de trabalhadores de saúde. Com a aprovação da proposta, o conselho perdeu o caráter deliberativo e tornou-se consultivo.

A aprovação do projeto, no entanto, foi suspensa pela Justiça no dia 31 de outubro. A decisão suspendeu os efeitos da lei que, entre outras medidas, reduz a participação dos trabalhadores de saúde no conselho e esvazia os poderes do órgão. O CMS é o órgão responsável pelo controle social das políticas de saúde e do Sistema Único de Saúde (SUS) na Capital.

Com a liminar concedida, estão suspensos os efeitos da Lei Complementar Municipal (LMC) 955/22 e todos os atos administrativos praticados pelo Município com base na nova lei, além de restabelecida a vigência da lei 277 de 1992, que criou o Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre (CMS), até o julgamento final da ação civil.

Em sua decisão, a magistrada considerou que a Capital corria o risco de deixar de receber repasses financeiros para o Fundo Municipal de Saúde, uma vez que a LCM 955 não cumpre os requisitos de Conselho de Saúde com composição paritária de acordo com regramentos federais e afasta o caráter deliberativo do Colegiado, também previsto em lei federal.

A Prefeitura recorreu da decisão, mas não obteve êxito. No último dia 14 de novembro, o desembargador Eduardo Delgado, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, negou o recurso contra a liminar que suspendeu os efeitos da Lei Complementar (LC) nº 955/2022 e de todos os atos administrativos praticados pelo Município com base na nova lei. Na decisão, o desembargador rejeitou todas as alegações do Executivo.

Com isso, segue valendo a liminar que restabeleceu a vigência da lei 277 de 1992, que criou o Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre (CMS/POA), até o julgamento final da Ação Civil Pública (ACP). A ação pede a anulação da Lei Complementar Municipal 955/22 por “flagrante ilegalidade” e foi ingressada a partir de denúncia do CMS, do Conselho Estadual de Saúde e do Simpa.


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