Meio Ambiente
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11 de fevereiro de 2022
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17:04

Moradores de Palmas celebram fim de projeto de mineração e garantem apoio a outras comunidades

Por
Marco Weissheimer
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Vera Colares, presidente da Associação para a Grandeza e União de Palmas (Agrupa). (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Vera Colares, presidente da Associação para a Grandeza e União de Palmas (Agrupa). (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

“Essa notícia nos tira um pouco a preocupação com o que ia acontecer em nossa região e nos permite focar nas lutas de outras comunidades, como as de Lavras do Sul e São José do Norte, que também estão enfrentando grandes projetos de mineração”. Presidente da Associação para a Grandeza e União de Palmas (AGrUPa), Vera Colares resumiu assim o sentimento dos moradores da região da bacia do rio Camaquã ao saberem da notícia da desistência, pelo Grupo Votorantim Metais, do projeto Caçapava do Sul, que pretendia extrair chumbo, zinco e cobre em uma área localizada às margens do rio Camaquã, na metade sul do Estado. Fundada em agosto de 2017, a AGrUPa vinha se mobilizando desde então contra esse projeto de mineração e em defesa de um modelo de desenvolvimento sustentável para a região.

O “Projeto Caçapava do Sul” previa a implantação de uma mina, às margens do rio Camaquã, para a produção de 36 mil toneladas de chumbo, 16 mil toneladas de zinco e cinco mil toneladas de cobre, por ano. As empresas responsáveis pelo projeto garantiam que o empreendimento era sustentável e não oferecia nenhum risco para o meio ambiente. Moradores da região, no entanto, desconfiaram dessa promessa de segurança, lembrando os efeitos do vazamento de mercúrio nas instalações da antiga Companhia Riograndense do Cobre, nas Minas do Camaquã, que ocorreu em 1981, deixando sequelas em diversas cidades. E iniciaram uma mobilização contra o mesmo em 2016. Em 2017, o Sul21 esteve em Palmas e conheceu de perto a luta dessa comunidade pela manutenção do seu território e do seu modo de vida (“A luta de Palmas contra a mineração: para nós, sair daqui é um atestado de morte”)

Vera Colares conta que, desde o ano passado, havia um rumor pela região de que a Votorantim teria desistido do projeto. A confirmação da desistência veio por meio de um ofício encaminhado dia 3 de novembro de 2021 por Paul Cézanne Pinto, líder de projeto da Mineração Santa Maria Ltda., para Renato Chagas, diretor técnico da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). O ofício informa à Fepam que a empresa estava “revendo sua posição em relação ao Projeto Caçapava”, razão pela qual solicitava o arquivamento do processo administrativo de licenciamento ambiental desse empreendimento. A Nexa Resources, controlada pela Votorantim, e à qual a Mineração Santa Maria foi incorporada, informou em nota ao Matinal que a razão para a desistência foi o fato de que o projeto “não manteve parâmetros de viabilidade econômica”.

“Pode ser que tenha sido uma espécie de saída honrosa diante da mobilização da nossa comunidade. Nós estamos enfrentando esse projeto há cinco anos e eles sabiam que teriam mais alguns anos de enfrentamento conosco”, observa a moradora de Palmas, distrito de Bagé, refletindo sobre o contexto mais amplo que motivou a desistência do projeto por parte da empresa. Vera Colares assegura que a comunidade seguirá mobilizada pois está participando de outras lutas na região contra grandes projetos de mineração, em especial em Lavras do Sul e em São José do Norte, além de seguir atenta aos projetos de hidroelétricas previstos para o rio Camaquã. “Estamos muito felizes com a notícia da desistência do projeto Caçapava do Sul, mas somos solidários e seguiremos apoiando a mobilização dessas comunidades”, garantiu a produtora.

Para a advogada Ingrid Birnfeld, o pedido de arquivamento do licenciamento é “uma vitória da luta social, das pessoas e das instituições”. “O enfrentamento a esse projeto exigiu uma mobilização muito grande, interinstitucional, e isso comprova que temos capital social para fazer oposição a megaprojetos que espalham destruição em nossos territórios. O gaúcho ama o Pampa, ele é o Pampa, e vem desse valor ancestral a garra para lutar”, destaca a integrante da União pela Preservação do Camaquã (UPP Camaquã), conselheira estadual do meio ambiente e conselheira estadual de direitos humanos, ambos os mandatos pela Agrupa.

Do ponto de vista jurídico, acrescenta, “o arquivamento põe fim a um processo cheio de nulidades e violações a direitos fundamentais, dentre os quais o da informação e o da transparência, violações essas que têm permeado todos os processos de licenciamento de megamineradoras no Rio Grande do Sul, numa prática que se repete com a intenção de excluir as comunidades do debate, subdimensionar os impactos e explorar a natureza para enriquecer os já ricos e empobrecer os que dependem da natureza para sobreviver. Estamos de parabéns como povo, e vamos seguir firmes contra as outras ameaças ao RS”.

Os projetos de mineração em Lavras do Sul e em São José do Norte, aliás, foram definidos como prioritários pelo governo Bolsonaro. Em março deste ano, o governo federal lançou a Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos, batizada de Pró-Minerais Estratégicos. Um decreto inseriu essa política no Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, criado com o objetivo de envolver diversos órgãos para “destravar” licenciamentos ambientais e dar “mais agilidade” na implantação de novos projetos de minerais considerados estratégicos como fosfato, potássio, lítio, níquel, urânio e terras raras. 

No dia 18 de junho, o governo editou a Resolução nº 2, definindo a relação desses minerais estratégicos, cujos projetos deveriam ser “destravados”. Dois projetos previstos para serem implementados no Rio Grande do Sul estão nesta lista: a instalação de uma mina de fosfato em Lavras do Sul e a de uma mina de titânio em São José do Norte

O projeto Três Estradas, da empresa Águia Metais, associada à mineradora australiana Águia Resources Limited, prevê a extração de fosfato a céu aberto em Lavras do Sul, por meio de perfuração e detonação. Já o projeto Retiro, da empresa Rio Grande Mineração, quer extrair titânio e zircônio em São José do Norte. O empreendimento quer explorar cerca de 600 mil toneladas de minerais pesados em uma área de cerca de 30 quilômetros de extensão, situada em um território entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico.

A região da Lagoa dos Patos também é alvo, mais recentemente, de um projeto do governo do Estado que pretende conceder território dentro da laguna para a iniciativa privada explorar um parque de energia eólica. Pesquisadores e comunidades de pescadores artesanais iniciaram uma mobilização cobrando a apresentação de um estudo de impacto ambiental e social, por parte do governo, antes de abrir a concessão para a iniciativa privada. E pediram a anulação da audiência pública realizada pelo governo, denunciando que ela feriu os direitos à participação e informação.


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