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1 de junho de 2024
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10:19

Alagado há um mês, Sarandi revive trauma: ‘Foram três prefeitos que nem olharam para o bairro’

Por
Luís Gomes
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Cruzamento das avenidas Alcides Maia e Martins Bastos permanece alagado desde o início do mês | Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Cruzamento das avenidas Alcides Maia e Martins Bastos permanece alagado desde o início do mês | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Miriam Correa, médica veterinária, trabalha e mora há 24 anos no bairro Sarandi, zona norte de Porto Alegre. Ela tem uma clínica na Av. Alcides Maia, quase na esquina com a Av. Martins Bastos. Nesta quarta-feira (29), quando a reportagem visitou a região, o cruzamento ainda permanecia alagado, mas a água, que chegou a bater no toldo do negócio, já tinha baixado, deixando para trás móveis e equipamentos danificados e contaminados, estoque de rações e outros alimentos inutilizados. “Vinte e quatro anos de profissão postos fora, vinte e quatro anos de tudo. A minha vida estava ali dentro, a vida de todo mundo aqui”.

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Para ela, o que aconteceu no bairro é resultado do descaso das últimas gestões da Prefeitura de Porto Alegre. Ela lembra do rompimento do dique do sistema de contenção contra cheias de Porto Alegre, localizado ao lado da sede da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), na Av. Assis Brasil nº 8787. Mas não se refere ao que ocorreu no dia 3 de maio deste ano — inicialmente, o prefeito Sebastião Melo negou o rompimento, mas o fato foi confirmado no dia 20 –, e, sim, ao que ocorreu em agosto de 2013.

“Essa era a crônica da morte anunciada porque em 2013, quando rompeu o dique da Fiergs. Eles já sabiam que podia acontecer coisa pior e ninguém fez nada. Foram três gestões de prefeitos que nem olharam para o bairro Sarandi”, diz.

Ela lembra que, na ocasião, as vilas Elizabeth e Asa Branca foram inteiramente cobertas pela água. “Três dias era Defesa Civil para cima e para baixo aqui. Eles já sabiam que isso podia acontecer”.

Para Miriam, o conserto do dique nunca foi feito corretamente. “Só foi areiazinha e pedrinha. Ele foi rompido, eles consertaram na época. Precariamente, como tudo”.

 

Moradores do Sarandi tentam remover os resíduos de suas casas, ainda que a água não tenha baixado totalmente | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Em 31 de agosto de 2013, as vilas Asa Branca, Elizabeth, Nova Brasília e União, localizadas no bairro Sarandi, sficaram alagadas após um rompimento de cerca de seis metros ocorrer no dique de contenção das águas do rio Gravataí situado ao lado da Fiergs. A Prefeitura, então comandada por José Fortunati, defendia que o rompimento tinha ocorrido de forma criminosa. A versão difundida até hoje é de que moradores de Alvorada, do outro lado do dique, usaram uma escavadeira para abrir o espaço na estrutura e permitir que a água que provocava a inundação da cidade escoasse, assim alagando o Sarandi. O inquérito policial aberto sobre o caso não conseguiu identificar indícios de crime.

Estima-se que até 700 casas possam ter sido afetadas pelo alagamento, que só foi controlado pelo agora extinto Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) após cerca de 14 horas de trabalho, com a colocação de pedras e areai na área que rompeu. Posteriormente, segundo informações divulgadas na imprensa à época, a Prefeitura se comprometeu a construir uma barreira definitiva para reforçar o dique.

Questionado nesta semana sobre quais medidas foram adotadas para reparar o dique após o rompimento de 2013, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), que assumiu a gestão sobre o sistema de proteção contra inundações após a extinção do DEP, disse que não tinha essas informações.

 

Entulho se acumula em frente às casas no bairro Sarandi | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Vizinho de Miriam, Cláudio Reis tem um negócio que vende frango assado aos sábados e domingos há 13 anos. Ele conta que ainda conseguiu trabalhar no sábado dia 4 e já tinha preparado parte do serviço para o domingo. Temperou o frango e a polenta. “Eu jamais imaginava, ninguém imaginava que ia chegar tão longe a água. Aí tudo perdido, perdi bebida, tem um resto ali que sobrou, frango, foi tudo fora, as polentas que eu tinha aqui dentro já”, diz. “Foi a primeira vez que alagou dessa forma, nunca tinha alagado tanto assim. A última vez que alagou foi quando estourou o dique da Fiergs”, complementa, também recordando o episódio de 2013.

Na quarta-feira, ele seguia limpando a loja e o que restou de seus equipamentos. Ainda que muitas ruas permaneçam alagadas, os moradores do Sarandi já iniciaram o processo de retirar os resíduos da enchente, chamados de inertes, de suas casas. Seguindo a orientação do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), colocam este entulho em frente às suas casas e negócios, o que faz com que as regiões já secas se assemelhem a zonas de guerras, tamanha a quantidade de resíduos não recolhidos.

Cláudio perdeu duas máquinas de frango, fogão industrial, balança industrial. Ainda iria ver se o freezer e a geladeira, que estavam secando, poderiam ser recuperados. O motor da geladeira estava em cima de uma mesa, tinha sido arrancado pela água e ido parar em outro canto. As pias e balcões também foram parar em outro lugar. Ao todo, perdas que estima girarem em torno de 7 a 8 mil reais. Sem falar no prejuízo com a perda de faturamento, agravado pelo fato de grande parte de sua clientela ainda estar sofrendo com a inundação de suas casas — a Alcides Maia tem pontos de maior alagamento à medida que se aproxima do local onde o dique rompeu. Ainda assim, pretende seguir no bairro. “Vou voltar a trabalhar, porque eu tenho uma clientela muito grande”, diz, estimando que vai poder voltar a vender seus frangos a partir do dia 15 de junho, se a água permitir.

Há 46 anos no Sarandi, morando na rua Jackson de Figueiredo, Roselaine Modesto de Pádua diz que o trauma das enchentes não é nenhuma novidade no bairro. Pelo contrário, já era recorrente em sua família há anos. “Na minha casa, a gente já tem um sistema que, quando meus filhos ainda estavam em casa, dizíamos assim: ‘está chovendo, temos que se revezar pra dormir’. Eu brinco que, em dias de chuva, durmo com um olho aberto e outro fechado. Na enchente de 2013, eu estava dormindo, o meu filho mais velho me acordou, estava um lamacedo. E ele: ‘mãe, mãe, vem ajudar a desligar as coisas da tomada, está entrando água dentro de casa’. E aí, desde então, a gente não tem mais sossego. É horrível para dormir em dia de chuva”.

Roselaine tem outra suspeita sobre o que contribuiu para os alagamentos: a ocupação cada vez mais ostensiva das margens do rio Gravataí por grandes empresas. “A gente sabe que tem aquele valão que vai da Coca-Cola ao Big, ali na Sertório. Esse valão normalmente não é limpo. Após isso, antes de chegar na Freeway, tem vários campos que são bacias de contenção. Antes eram bacias de contenção. Só que assim, a Prefeitura está vendendo esse espaço. Aí começou a Coca-Cola, depois veio a Havan, a Stok Center. Está um planejamento de fazer um conjunto de condomínio”, diz Roselaine.

Eram lugares que serviam, diz, justamente para serem alagados e contribuir para que a água não chegasse ao bairro. “Agora esses lugares estão sendo aterrados. E aí, o que vai acontecer com a gente? A gente está virando uma bacia e essa situação vai ser contínua, não vai ter fim. Vai ser cada vez pior, porque cada vez vão vender mais aquele espaço e a água vai se concentrar cada vez mais aqui, porque isso aqui não tem a manutenção devida, boca de lobo, essas coisas não são limpas, e aí então esses alagamentos vão ser cada vez mais contínuos”, acredita.

 

Roselain mora no Sarandi há 46 anos e diz que já está traumatizada pelas enchentes | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Outro questionamento que os moradores fazem é quanto à situação das casas de bombas que atendem a região e compõem o sistema de proteção da cidade contra a inundação, as de número 9 e 10. Localizada na Vila Nova Brasília, a de número 10 está posicionada na margem direita do Arroio Sarandi, junto ao Dique do Sarandi. Não há informações a respeito da última vez que passou por reparos.

A outra é a nº 9, localizada também junto do dique, mas na BR-101, próximo à Av. Assis Brasil. Conforme termo de compromisso assinado em fevereiro de 2018 pela Procuradoria-Geral do Município (PGM) e a Vonpar — adquirida pela Coca-Cola Femsa em 2016 por R$ 3,5 bilhões — para ampliação da fábrica localizada na Av. Assis Brasil nº 11.200, ficou definido como contrapartida a ser feita pela empresa: “Executar reforma da Casa de Bombas nº9, localizada na BR-290, a margem direita do Arroio Sarandi”. O termo aponta ainda que a obra deveria ser iniciada pela empresa em até 45 dias após a assinatura e ocorrer sob fiscalização da Divisão de Conservação e Divisão de Obras e Projetos do DEP.

O termo de compromisso previa, como contrapartida, investimentos na estrutura do prédio da casa de bombas, como reforma do telhado, cozinha, banheiro, instalações elétricas, pintura, recuperação da fachada, etc. Mas também previa investimentos que incidiriam diretamente no sistema de drenagem, como a reforma das bombas 2, 3 e 4, recuperação dos 4 motores, reforma das comportas de descarga — cuja função é evitar alagamentos em casa de cheias –, instalação de um sistema de fechamento anti-gravidade na saída dos canais, substituição do painel de acionamento das bombas e fornecimento de geradores movidos a diesel para funcionamento em caso de emergência com autonomia de 4 horas.

Diante de tantos questionamentos, um grupo de ao menos 50 moradores realizaram, na noite de quarta-feira, um protesto no cruzamento das avenidas Assis Brasil e Sertório. A principal palavra de ordem do ato foi: “Não foi tragédia, foi negligência, trabalhador também perde a paciência”.

 

Protesto no bairro Sarandi. Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Questionado sobre a execução destas obras, o Dmae informou que teve conhecimento sobre a contrapartida, o que incluiu a instalação de geradores, mas não soube precisar com mais detalhes o que foi feito.

A casa de bombas nº 9 ainda permanece fora de funcionamento nesta sexta-feira (31). De acordo com o Dmae, o local deixou de operar após ficar sem energia, o que fez com o que os motores deixassem de funcionar e permitiu o alagamento da região — o mesmo aconteceu com a de número 10. O alagamento, inclusive, afetou os geradores. O órgão diz que os motores estão em manutenção no momento.

A fábrica da Coca-Cola também seguia alagada nesta semana.

Apesar dos questionamentos dos moradores a respeito, técnicos ouvidos pela reportagem acreditam que eventuais reformas nas casas de bomba não teriam como evitar o alagamento provocado pelo rompimento do dique.

Tiago Santos, diretor do Coletivo Abrigo de Educação, atua no Sarandi e tem se mobilizado em diversas frentes no enfrentamento às enchentes. Ele pontua que, se em alguns lugares já se fala em reconstrução e pós enchente, essa não é a realidade do Sarandi. O nível da água já baixou consideravelmente em alguns locais do bairro, mas em outros, depois de uma queda inicial, estagnou e parou de descer.

“Isso gera uma angústia muito grande nos moradores que não sabem quando eles vão poder voltar para suas casas. Existe uma angústia de saber como é que estão essas casas, se ainda existe alguma coisa para ser recuperada. E, como as águas não baixam, isso só aumenta a angústia”, diz. “Também tem um outro fator que essas famílias estão em abrigos ou elas estão em casas de parentes, de amigos. Esse fator gera outro transtorno, outra angústia, de parecer que estão de favor em outros lugares. Então, elas querem voltar para suas casas, só que elas não têm uma previsão com essas águas que não baixam nunca. E também não tem um retorno da Prefeitura de quando que isso vai acontecer e de que medidas que ela está tomando para que isso aconteça. A gente não sabe se estão instalando bombas, a gente não sabe se tão reestruturando os diques que romperam”, diz.

Oficialmente, não há confirmação de que o atual rompimento do dique tenha relação com o que ocorreu em 2013. O que circula no bairro, contudo, é que os problemas no dique impedem que mesmo as bombas flutuantes que chegaram à cidade vindas da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e foram instaladas no Sarandi resolvam o problema do alagamento. Isso ocorre porque, segundo a percepção da comunidade, a água da inundação retirada pelas bombas é devolvida ao rio Gravataí, mas retorna logo em seguida pelas vazamentos no dique. Tiago diz que a situação do alagamento permanecia a mesma na tarde desta sexta (31).

A situação é confirmada pelo Dmae, que afirma que o dique está sendo reconstruído para evitar que a água retorne.

 

Dina, Manoel, Tiago e Roselaine | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Na última terça-feira (28), a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb) iniciou recomposição de dois pontos do dique do Sarandi, no trecho da Vila Nova Brasília, por onde passa o Arroio Passo das Pedras, popularmente conhecido como Arroio Sarandi. No local, serão colocadas pedras de rachão para fechar os pontos por onde a água extravasou.

Uma das exigências para a reconstrução do dique foi a remoção de 37 casas construídas ao longo do dique. A situação, inclusive, chegou a gerar protestos de moradores, mas a Prefeitura anunciou na quarta-feira que vai garantir o pagamento de Bônus-Moradia, no valor de R$ 127 mil, para que cada família que teve a casa removida possa adquirir uma nova residência. A expectativa era de conclusão da recomposição do dique ainda na atual semana.

Os moradores do Sarandi, contudo, seguem ressabiados com as perspectivas da água baixar.

“A água já está baixando em muitos lugares, inclusive na região central de Porto Alegre. A nossa preocupação é que, quando essa água baixar em lugares nobres da cidade, que esses lugares que permanecem alagados serão esquecidos. E acho que essa questão só ganhou essa dimensão e essa visibilidade porque essa água chegou em lugares nobres da cidade. Como eu disse esse bairro aqui, ele sempre sofreu com alagamento e esses alagamentos sempre foram invisibilizados. Como esse bairro sempre foi afetado pelo alagamento, essa enchente teve um impacto muito maior aqui nessa região. Nós fomos o bairro mais atingido, nós temos mais de 26 mil pessoas afetadas”, diz Tiago.

Para ele, o principal desafio futuro que o Sarandi enfrentará ainda está por vir: o de saber se as pessoas poderão ou não voltar para suas casas. “Qual é a garantia que essas pessoas têm de voltar para essas casas, reconstruir as suas vidas e mês que vem nós termos outro evento climático como esse e essas famílias perdem tudo novamente? Porque essas famílias já perderam tudo muitas vezes. Em 2013, foi outro ápice, onde esses esses moradores já tinham perdido muita coisa. Se eu volto, mês que vem, será que eu não perco tudo de novo? Então, tem uma insegurança”, afirma.

 

Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Este é o drama vivido pela venezuelana Dina Martinez, há quatro anos vivendo no Brasil e no Sarandi. Ela mora com o marido em uma ocupação localizada na Rua Farroupilha. Espalhados pelo bairro, estão 20 familiares. Todos foram atingidos pela enchente e ainda não tinham conseguido retornar para casa. Atualmente, está vivendo ao lado de outros 54 compatriotas — segundo contabilidade feita por ela própria — no abrigo montado no Centro Vida, (Av. Baltazar de Oliveira Garcia, 2132).

“Nós temos uma grande preocupação, os venezuelanos que moram ali na Farroupilha [cerca de 80 pessoas], o que vai acontecer conosco, porque ali é uma ocupação. No começo, eu não sabia, comprei ali o terreno e depois fiquei sabendo que era meu e não era meu. Tem muitas especulações de que não vão deixar nós voltarmos para as nossas casas, porque moramos em local de alto risco. Uma coisa que eu penso é que todo mundo tem água dentro de suas casas, não somente a Farroupilha”, diz. “Se a gente não pode voltar, para onde a gente vai? Falam em casas temporárias, quanto tempo vamos ficar? Quanto tempo vamos ter que lidar com isso? Eu sei que não é fácil, tento compreender todas as pessoas que estão trabalhando para ajudar em meio ao caos, mas também tem que tentar se colocar no nosso lugar. Se a gente não tem para onde ir, para onde que a gente vai? Eu tenho a minha casa ali e quero voltar para ela”.

Para agravar a situação de insegurança, Dina diz que os estrangeiros que estão no abrigo, o que inclui haitianos e cubanos, estão sendo alvo de xenofobia por parte dos brasileiros, ainda que todos estejam na mesma situação de desabrigados. “Nós sentimos, no abrigo, muita xenofobia por sermos imigrantes. Muitos brasileiros falam para nós que estamos aqui para tirar as coisas deles, quando a gente tem que trabalhar, não estamos roubando nada de ninguém. Eles falam ‘malditos venezuelanos que estão aqui’”, relata, acrescentando que o preconceito é ainda mais forte com os haitianos, por terem a pela mais escura.

Apesar de terem CPF e direito aos benefícios concedidos aos atingidos pelas enchentes — já teve acesso ao Volta por Cima, do governo estadual, e aguardava liberação do Auxílio Reconstrução, do governo Federal –, Dina teme que a condição de estrangeiro também prejudique no retorno à vida normal após as enchentes. “Nós temos medo de que, por seremos imigrantes, fiquemos para depois ou que, no final, fiquemos sem nada. E ainda temos que lutar contra a xenofobia dos brasileiros que pensam que estamos tirando alguma coisa deles, e não tiramos nada. Todos os venezuelanos trabalharam para levantar suas casas, da base aos tijolos”.

 

Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Além da insegurança sobre quem poderá voltar para casa ou não, há também a insegurança sobre quanto tempo levará para os serviços públicos de referência do bairro serem restabelecidos. O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), localizado na Rua Xavier de Carvalho, 80, também está debaixo d’água, o que inclusive dificulta o acesso dos moradores a benefícios destinados a atingidos. Na mesma quadra do CRAS, está localizado o Centro de Comunidade da Vila Elizabeth (Cecove), a Unidade de Saúde Vila Elizabeth, a Escola Municipal de Ensino Infantil da Vila Elizabeth e a Escola Municipal de Ensino Fundamental João BM Goulart. Todos ainda alagados.

Diretor da João Goulart, que atende crianças do jardim A ao 9º ano, Manoel José Ávila da Silva diz que o principal desafio do momento é acessar a escola, que será sucedido por um longo período de recuperação do espaço. “Ao mesmo tempo, exercita-se uma coisa difícil de ser atendida nessa época, que tem muita emergência, que é a ideia da paciência para poder avaliar bem as situações. A gente sabe que o retorno para a escola não vai ser um retorno de quem limpa a garagem que entrou água no fim de semana. Vai ser um processo longo de higienização, de sanitização, de descontaminação da escola também, da gente poder pensar na escola revitalizada”, diz.

Um terceiro desafio será o de garantir que os alunos retornem. No dia 30 de abril, a escola tinha 673 alunos. Um levantamento feito pela direção aponta cerca de 550 alunos localizados. “Uma vez baixada a água, seja pra escola, seja pro morador que está aqui, a questão é a manutenção da permanência em boas condições nesse território. De não ver isso aqui como uma área passível de ser desabitada, despovoada, mas de reformular e construir melhores condições de vida. A gente atende uma comunidade que é de uma ocupação também, que já foi desocupada uma vez e voltou. Então, a gente quer participar desse processo de reconstrução da comunidade e reconverter aquela ocupação em uma área de boas condições, de não vulnerabilidade. O principal desafio, além de reconstruir a escola, que é uma coisa particular, é reconstruir a comunidade”.

 

Cláudio perdeu quase todos equipamentos de seu negócio de frango assado, mas não pretende deixar o bairro | Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Miriam mostra o estrago feito inundação em sua clínica | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

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