Colaborou Luís Gomes
A Prefeitura de Porto Alegre contabiliza que os abrigos da cidade estejam ocupados com 9,8 mil pessoas desalojadas após enchente que atingiu a cidade e municípios próximos. O número atualizado na última quarta-feira (29) é bem menor do que o registrado no pico da ocupação, em 13 de maio: 14,6 mil pessoas atendidas. Embora parte dessas pessoas tenha voltado para suas casas e agora tente se restabelecer, muitas simplesmente não têm para onde ir. É o caso de famílias abrigadas em escolas que estão voltando às aulas a partir desta semana.
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Há 37 escolas estaduais servindo de abrigamento em oito municípios, entre eles Porto Alegre. Em todo o estado, duas mil instituições já retornaram às atividades escolares, mas cerca de 120 mil estudantes ainda estão sem aulas. Conforme a Seduc, o retorno é gradual, “considerando questões de infraestrutura básica, como garantia de água e energia elétrica, acesso adequado e condições seguras para professores e alunos”.
Na escola estadual Luciana de Abreu, bairro Santana, o instituto E Se Fosse Você abriga somente mulheres e crianças. Gabriele Lanot Gottlieb, uma das coordenadoras do abrigo, relata que a organização está em tratativas com a equipe da escola, com as abrigadas e com a Seduc. Mas há dificuldade de conseguir os cadastros que a Prefeitura deveria fazer para que as mulheres acessem auxílios do governo. O programa Volta Por Cima, por exemplo, demanda que o beneficiário seja inscrito no Cadastro Único.
“Para as mulheres poderem sair do abrigo, elas precisam ter acesso aos recursos. Até o final desta semana queremos construir processo de alocação das mulheres de maneira segura, inclusive fazendo limpeza nas residências e vistoriando algumas casas, conseguindo doações. Mas o poder público precisa tomar medidas para que essas pessoas tenham acesso a benefícios ou a um abrigo de longa permanência”, pontua Gabriele.
Não há pressão da parte da escola, segundo a coordenadora do abrigo, mas sim uma preocupação das famílias com o calendário escolar. “Além de realocar as mulheres hoje residentes na escola, temos o compromisso de devolver a escola em condições para a comunidade, reorganizar a escola para ajudar a receber os alunos novamente”, afirma.
Na escola municipal Elyseu Paglioli, a situação foi mais tensa. O Sul21 foi procurado por um abrigado relatando que, no dia 18 de maio, houve uma decisão da direção da escola de retirar as pessoas do local. “Entendemos que estamos sendo colocados em uma situação indigna e desumana de desamparo”, afirmou. O colégio abrigou moradores desalojados dos municípios de Eldorado do Sul e Guaíba.
A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) afirma que o abrigamento é de responsabilidade dos municípios e tem apoio da Defesa Civil do Estado e da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes). A pasta diz que o governo estadual vem dialogando com as prefeituras no sentido de realocação das pessoas, para que as atividades escolares sejam retomadas. “Para o Governo do Estado, é imprescindível que cada família saia do abrigo somente quando tiver um local para ser transferida ou realocada”.
A Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) diz que, no contexto de desmobilização dos abrigos, as equipes conversam individualmente, confirmando as demandas de cada família. “Respeitando o interesse individual, realocam as pessoas. Muitos conseguem retornar para sua casa ou a de familiares”, informa a assessoria do órgão. A Fasc diz ainda que a maioria dos abrigados já são inscritos no CadÚnico, mas que ocorrem ações sistemáticas em que também são repassadas orientações sobre o Registro Unificado – o sistema da Prefeitura para coletar dados dos afetados pela enchente.
A única escola municipal que ainda serve como abrigo é a Grande Oriente do Rio Grande do Sul. Conforme a Secretaria Municipal de Educação (Smed), não há previsão para realocar as famílias alojadas no local.
A Casa Mirabal, que teve a sede inundada e abrigou tanto moradoras quanto outras mulheres desalojadas em uma escola da zona norte, encerrou o abrigo nesta sexta-feira (31). A organização terminou ontem de encaminhar todas as abrigadas. “Algumas conseguimos levar para a Mirabal conosco”, afirma Andressa Ribeiro, coordenadora da Casa. “Fizemos um mutirão de oito dias e ainda temos várias coisas para reestruturar na Mirabal. Mas o principal, quarto e cozinha, a gente já conseguiu”.
Andressa conta que o abrigo atuou junto com os alunos da escola que estavam em acolhimento pela instituição. “Fizemos atividade com eles, e as professoras fazendo atividades com as crianças do abrigo. Mas segunda-feira não tem o que fazer, as aulas precisam voltar”.
Já no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, o Julinho, a organização foi informada que tem até a próxima segunda-feira (3) para desmobilizar o abrigo. Grande parte das vítimas da enchente está voltando para suas casas, e algumas estão sendo encaminhadas para outros abrigos. A preocupação é com a população em situação de rua que estava abrigada lá, e que não é aceita em alguns locais.
De acordo com a voluntária Eduarda Pagot, a Fasc teve um papel importante em negociar com a Prefeitura para que o Instituto Dias da Cruz recebesse a população de rua que hoje está no Julinho. O local atualmente funciona como um albergue, mas terá um espaço reservado para funcionar como abrigo. “Já tem vagas garantidas, Vai ter café, almoço, janta e lugar para dormir”, comemora Eduarda.
Mas essa é uma solução temporária. “O que todos querem é uma solução permanente para a questão da moradia deles. O abrigo vai ser muito importante nesse momento, mas vai ser algo passageiro. Essas pessoas merecem um auxílio permanente”, pontua a voluntária. Conforme o último censo feito pela Prefeitura, havia cerca de 4,8 mil pessoas em situação de rua na Capital, mas, diante do cenário atual do sistema de assistência social – apenas uma unidade do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) está em funcionamento –, deverá haver aumento dessa população na cidade.
Segundo Eduarda, alguns abrigados se mostraram receosos em trocar de abrigo – principalmente os que passaram pela pousada Garoa, que teve uma das unidades incendiada no mês passado. “Eles se preocupam em ser um lugar onde se sintam seguros”, diz.