Geral
|
13 de janeiro de 2024
|
09:12

Nova presidente do CAU/RS: o planejamento urbano poderia ter minimizado o impacto das enchentes

Por
Luís Gomes
[email protected]
A nova presidente do CAU/RS, acompanhada do vice, Fausto Henrique Steffen | Foto: Divulgação/CAU/RS
A nova presidente do CAU/RS, acompanhada do vice, Fausto Henrique Steffen | Foto: Divulgação/CAU/RS

A arquiteta Andréa Hamilton Ilha assumiu no dia 4 de janeiro como a nova presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS) para o triênio 2024-22026. Primeira mulher a assumir o cargo, ela estará à frente da quinta gestão desde a fundação do Conselho, criado nacionalmente em dezembro de 2011. Nesta semana, Andréa conversou com a reportagem do Sul21 sobre os planos e desafios que a gestão terá pela frente, bem como sobre alguns dos principais desafios relacionadas a questões urbanísticas que o Rio Grande do Sul e o Brasil enfrentam.

Leia mais: 
Fiocruz destaca Nenhuma Casa Sem Banheiro como experiência de acesso ao saneamento
Repórter do Sul21 vence prêmio CAU/RS com o projeto Donos da Cidade

Servidora pública no cargo de arquiteta e urbanista em Santana do Livramento, Andréa atua como diretora do Departamento Técnico de Habitação da Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente. Ela sucede Tiago Holzmann da Silva, de quem foi vice-presidente entre 2021 e 2023. Ela destaca que a nova gestão tem um compromisso com a consolidação de programas desenvolvidos pelo CAU/RS, como o Nenhuma Casa Sem Banheiro e a promoção da Lei de ATHIS, de 2005, que assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social.

Na conversa, ela também que o CAU/RS seguirá tendo uma atuação para a promoção de questões como a necessidade de qualificação do planejamento urbano, destacando que isso foi evidenciado nas recentes enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2023. “A gente vê também como importante a questão do planejamento urbano em função dos últimos ocorridos, das enchentes, alagamentos, cidades arrasadas, e muitas vezes isso poderia ter sido minimizado, enfrentado com um planejamento urbano responsável. Então, acho que esse é um papel importante da gente levantar agora, enquanto conselho”, afirma.

A seguir, confira a íntegra da entrevista do Sul21 com a nova presidente do CAU/RS.

Sul21 — Quais são as metas e os planos da nova gestão do CAU/RS?

Andréa Hamilton Ilha: Nós viemos de uma construção. Essa vai ser a quinta gestão e, claro ela que vem avançando muito, vem se consolidando nos seus procedimentos. E essa última gestão acho que foi bem importante como uma consolidação do Conselho que os arquitetos querem. Hoje, nós temos um Conselho que ele é reconhecido, o trabalho do CAU/RS tem sido reconhecido nacionalmente pelos outros conselhos, pelos projetos inovadores e tudo mais. Então, a gente tem esse compromisso com essa construção que ocorreu desde a criação do Conselho, mas sempre temos que pensar em avançar mais e dar os próximos passos.

Tem projetos muito importantes que nós pretendemos dar continuidade e, com a nossa nova composição, que é bastante diversa e representativa de todo o Estado, ampliar essas ações. Acho que a gente tem grandes possibilidades. Destaco alguns projetos de grande relevância que a gente vai dar continuidade, o nosso Centro do Memória, que foi iniciado recentemente. Ele foi criado, agora desenvolve e se consolida. Nós temos também um trabalho importante com a Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS), o programa Nenhuma Casa Sem Banheiro, que a ideia surgiu como uma forma do Conselho apoiar a implantação da Lei de ATHIS, que prevê que todas as pessoas têm direito à assistência técnica. O Conselho disponibiliza, inclusive, recursos para dar esse ‘start’, para que isso se torne ao longo do tempo uma política pública que possa seguir adiante. Já temos algum resultado, alguns convênios com municípios, com o Estado do Rio Grande do Sul, e essa causa já está sendo abraçada por esses municípios e o próprio Estado já tem o programa que ganhou vida própria, digamos assim. [O Nenhuma Casa Sem Banheiro], a gente não precisa estar aportando, fazendo junto, o Estado já adotou o programa como uma política pública.

Além desses programas tão relevantes, a gente tem o nosso papel de conselho, de fazer a fiscalização do exercício profissional, valorizando a atuação profissional dos arquitetos e urbanistas nas suas diversas áreas, principalmente com as questões mais informativas, de qual é o papel do arquiteto na sociedade, de que forma ele pode contribuir com a qualidade de vida nas cidades. A gente já tem consolidados quatro escritórios regionais e a nossa ideia, daqui para frente, é consolidar esse trabalho feito nos escritórios não só como um braço da fiscalização, mas como apoio à sociedade e aos profissionais das regiões, que eles abracem os escritórios também como um ponto de referência em relação à Arquitetura e ao Urbanismo.

Sul21 — Do ponto de vista mais político, o CAU/RS tem uma atuação desde que foi criado em relação aos temas urbanísticos. Quais que a senhora avalia como os principais desafios urbanísticos que o Rio Grande do Sul e o Brasil tem pela frente?

Andréa Hamilton Ilha: A gente sempre se posiciona e tem participado de várias instâncias de discussão política, mais no sentido de fazer o cumprimento da legislação. Principalmente nas questões urbanas, como tu colocaste, os planos diretores, que preveem essa participação da sociedade na sua construção. Esse é um posicionamento que a gente leva a sério, nós estamos ali para que a legislação seja cumprida e que, realmente, o plano seja construído com este olhar amplo, ouvindo todos os setores. E os profissionais, os arquitetos, claro, são os responsáveis técnicos pelos aportes e soluções que podem auxiliar em alcançar os objetivos da sociedade, essa cidade que a sociedade quer. A gente vê também como importante a questão do planejamento urbano em função dos últimos ocorridos, das enchentes, alagamentos, cidades arrasadas, e muitas vezes isso poderia ter sido minimizado, enfrentado com um planejamento urbano responsável. Então, acho que esse é um papel importante da gente levantar agora, enquanto conselho. Esse olhar para o trabalho sério feito pelos municípios e pelo Estado na questão dos planejamentos urbanos.

Sul21 — Nesse sentido, as recentes enchentes no RS mostraram que existe um déficit em muitas cidades do interior, especialmente as pequenas, mas também médias, de planejamento urbano para lidar com esses eventos climáticos extremos. Como o CAU/RS vê essa questão? Há necessidade de olhar mais para o interior quando se fala de planejamento urbano?

Andréa Hamilton Ilha: Com certeza, a gente tem que se preparar para o enfrentamento dessas situações. Claro que, quando a gente fala dos centros urbanos maiores, temos um aporte profissional e a própria parte política mais preparada para resolver essas questões. Temos até um aporte financeiro maior. Mas nós pensamos que é importante trabalhar a questão da valorização profissional para que todas as cidades tenham profissionais trabalhando em planejamento, valorizar essa área de atuação que é muito importante para a qualidade de vida das pessoas, das cidades, enfim. Em municípios menores, que não têm possibilidade de ter um profissional ou não têm ainda um profissional, existem outras possibilidades e formas de resolver isso, como consórcios, como convênios. A gente pretende dar esse aporte para os municípios menores, apontando caminhos de como contar com esse planejamento urbano feito por profissionais habilitados.

Sul21 — Qual seria o papel do CAU/RS nesses desafios?

Andréa Hamilton Ilha: É claro que o ideal é que a gente tivesse em todo o Estado, em todos os municípios, são quase 500 municípios, um profissional de Arquitetura e Urbanismo responsável pelas questões técnicas. A gente sabe que isso, na nossa realidade atual, é bem difícil, então a gente pensa em dar um suporte para esses municípios, apontando alguns caminhos até de apoio. Às vezes, a gente tem um consórcio, a gente tem a questão dos convênios com municípios de apoio para que se achem soluções. Assim como a gente fez com a assistência técnica, a gente busca parcerias, busca arranjos institucionais possíveis para cada município que deseja participar do programa, buscando recursos, buscando a forma de contratação dos profissionais através de entidades. Então, existem formas que a gente pode apoiar.

Sul21 — Nós falamos da questão das tragédias ambientais. Como a senhora vê do desafio do planejamento urbano e dos próprios arquitetos no dia-a-dia, desde o micro ao macro, de encaixar a questão da sustentabilidade e da preservação do meio ambiente?

Andréa Hamilton Ilha: É, realmente é um desafio a gente compatibilizar interesses, a questão da exploração econômica de recursos naturais, que acho que é o grande problema leva a todos esses impactos. A gente tem que fazer um planejamento consciente, buscando sempre soluções sustentáveis, com menor impacto, e utilizando tecnologias e inovações que hoje estão disponíveis, estão avançando a cada dia, para que a gente impacte menos e possa enfrentar o impacto que a gente já fez nas nossas cidades e na nossa vida. Então, temos que minimizar isso de alguma forma. E a nossa profissão precisa propor soluções que minimizem esses impactos e sejam mais sustentáveis.

Sul21 — Presidente, a questão da habitação é ainda um dos principais desafios das cidades, grandes e pequenas, e o CAU/RS vem batendo muito forte na questão da assistência técnica, da recuperação de moradias como uma complemento para o enfrentamento do problema. Como a senhora vê a continuidade dessa questão na atual gestão e como a assistência técnica pode contribuir para a solução do déficit habitacional?

Andréa Hamilton Ilha: A gente entende que entende que esse é um dos principais temas das nossas cidades. Já falamos um pouco da questão do planejamento e do enfrentamento às questões ambientais, mas a qualidade das moradias é uma situação muito grave em todos os municípios. E a assistência técnica para habitação de interesse social é garantida por lei [de ATHIS] para todas as pessoas como uma forma de ter a qualificação da sua moradia. Então, não necessariamente a gente a precisa ter novas unidades. É claro que são importantes e existe um déficit muito grande, mas a ATHIS prevê que qualquer pessoa pode ter acesso, inclusive para fazer uma pequena reforma, resolver algum problema, a qualificação da sua habitação. E isso deve ser uma política pública. O nosso desafio, nesse momento, é buscar exatamente isso. A gente teve o programa Nenhuma Casa Sem Banheiro, que deverá a seguir, de repente com outros formatos, estamos estudando isso e outras possibilidades, mas também com a qualificação das habitações para tentar melhorar um pouco a qualidade de vida das pessoas. É muito importante para nós, porque é um conjunto de coisas. A gente fala da cidade e transita por todas as áreas da atuação profissional, até chegar na unidade habitacional. Essa questão é especialmente importante porque muitas pessoas não têm condições de acessar o trabalho de um profissional, mas já é garantido por lei que isso deve ser fornecido pelo poder público. Então, temos que buscar que isso realmente se torne uma política pública. E é uma questão, inclusive, relacionada à saúde das pessoas. Quando a pessoa mora de forma inadequada, com precariedade de condições de saneamento, umidade, ventilação, isso gera muitos problemas de saúde. A gente acha que essas coisas estão vinculadadas e devem ser atacadas no sentido de qualificar os espaços para melhorar a saúde das pessoas.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora