Geral
|
31 de janeiro de 2024
|
14:46

‘Leu que o 4º Distrito é o bairro da inovação e quando vai conhecer sai com água na canela’

Por
Felipe Prestes
[email protected]
Região do bairro Navegantes, no 4º Distrito, tem sido muito impactada pelos alagamentos. Foto: Luiza Castro/Sul21
Região do bairro Navegantes, no 4º Distrito, tem sido muito impactada pelos alagamentos. Foto: Luiza Castro/Sul21

Quando foi escolher o imóvel que hoje sedia a casa de shows Agulha, no bairro São Geraldo, o empresário Eduardo Titton consultou vizinhos e soube que a rua alagava, em média, por quatro dias ao ano. O ano era 2016 e, de fato, esta média se manteve por alguns anos. “De certa forma, até incluímos isso no nosso plano de negócios”, conta. Os alagamentos, no entanto, se multiplicaram: “No ano passado a gente ficou com mais de 20 dias de alagamentos. Se mantendo essa condição, a viabilidade do negócio começa a ser posta a prova, porque a gente está falando aí em quase um mês de operação comprometida”, afirma.

Titton explica que em alguns desses dias a operação fica completamente inviável. Noutros, a casa abre graças ao esforço dos funcionários e acaba passando por situações inusitadas. “A gente teve um show de um artista vencedor do The Voice Portugal com uma quantidade considerável de pessoas de um pouco mais de idade, e estas pessoas a gente transportou de picape da esquina até o bar. Como marca para os clientes é bem prejudicial”.

 

Rua onde fica o Agulha em noite de alagamento. Foto: Eduardo Titton/Arquivo Pessoal

A situação, afirma o empresário, não condiz com o modo como a região do Quarto Distrito tem sido tratada. “Se fala muito, atualmente, de inovação, de tecnologia, de cultura, de empreendedorismo e a gente sente que tem muita gente que começou a visitar o bairro mais recentemente e toma essa ducha de água fria. Leu que é o bairro da inovação e quando ele vai conhecer sai com água na canela. Certamente não é o melhor cartão de visita”.

A causa para os alagamentos costuma ser o mau funcionamento das estações de bombeamento. Especialmente, em dias de falta de energia elétrica, já que as estações param de funcionar, mas também em outras ocasiões. “Até onde a Prefeitura fala é sempre o problema das bombas, que agora todo mundo vivenciou. Ou porque elas não estão ligando por falta de energia, ou porque elas têm uma questão de não poder trabalhar muito tempo seguido, ou porque alguém esqueceu de ligar, isso também já aconteceu. A água da chuva desce pelos bueiros e no passo seguinte ela começa a subir, parece que vem um vulcão”, conta Titton.

O empresário diz que é possível notar quando funciona o bombeamento. “Chega a formar redemoinhos de água nas bocas de lobo, a água seca em 20, 30 minutos”. Porém, muitas vezes os moradores e frequentadores da região são pegos de surpresa quando a estrutura para de funcionar. “Quando aparenta estar uma situação controlada, em pouco tempo começa a subir tudo de novo”.

A cerca de 700 metros do Agulha, o 4Beer também tem sido afetado pelos problemas no escoamento das águas das chuvas. “Nos últimos anos estava melhorando e agora, com essas últimas chuvas no final de 2023 e começo do ano, voltou a alagar lugares que não alagavam antes”, conta Caio de Santi, um dos proprietários do bar.

Caio de Santi, um dos proprietários do 4Beer, no 4º Distrito. Foto: Luiza Castro/Sul21

A água não chega até o bar, mas um problema na esquina entre as ruas Voluntários da Pátria e Polônia tem dificultado o acesso nos dias de chuva e o Dmae adotou recentemente uma solução paliativa inusitada. “Devido à falta de energia na casa de bombas, a água faz força para a tampa do bueiro voar, fica jorrando 1,5 m de água para cima. Depois da última chuva, a Prefeitura asfaltou o tampo do bueiro para ver se o asfalto segura o tampo, já que não não tem o gerador na casa de bombas. Mas a solução seria ter o gerador”, diz o empresário.

A mobilização de moradores e empresários faz com que a Prefeitura tome atitudes, mas nada que resolva definitivamente o problema. “A gente tem falado com os vereadores que estão mais próximos aqui do 4º Distrito, sempre reclamando, tem grupos de moradores também no WhatsApp, que a gente troca essas informações e fica cobrando para que sejam feitas essas ações. Eles tentam resolver na hora que acontece, mas a solução definitiva que seria ter os geradores, segundo a Prefeitura, não vai ocorrer”.

Leia também:
Uso de geradores para manter abastecimento após queda de luz é inviável, diz diretor do DMAE

Segundo o diretor-geral do Dmae, Maurício Loss, o caso da Rua Polônia trata-se de um conduto forçado, uma galeria que deveria escoar água até o rio. “Estamos pegando do nosso contrato que temos lá em Belém Novo mergulhadores que a gente vai utilizar para que eles adentrem essas galerias e a gente entenda se está acontecendo alguma obstrução na Avenida Polônia e na Rua Álvaro Chaves, onde também tem um conduto”.

Solução encontrada pela Prefeitura foi tapar bueiro que se deslocava com cimento. Foto: Luiza Castro/Sul2s

Em relação à falta de luz nas estações de bombeamento, Loss afirma que a relação com a CEEE Equatorial deve melhorar, agilizando a retomada da energia nas instalações do Dmae Na última segunda-feira, o departamento teve uma reunião com a concessionária de energia. “Estamos montando um grupo de trabalho que vai dar uma atenção especial a todas as unidades do Dmae, às questões de podas, questões de reforço na rede. E, claro, que ao mesmo tempo a gente pode avançar pontualmente, mas não é o objetivo, na questão de geradores aonde a gente tem um sistema de bombeamento pequeno”.

O diretor-geral do Dmae ressalta os aspectos topográficos do 4º Distrito, região extremamente plana, que dificultam o escoamento de água na região. Loss afirma que, ainda neste ano, serão concluídos projetos de reforma de três casas de bomba na região, que são muito antigas. Também haverá projetos de drenagem e de esgotamento sanitário. Os investimentos totalizariam cerca de R$ 600 milhões. “Claro que isso não vai ser da noite pro dia. A gente finaliza esse ano os projetos das casas de bomba, depois tem toda a questão de orçamento, licitação, projeto complementares, essas redes de macro drenagem. Então, a gente está falando de obras nos próximos cinco, seis anos. Sempre se percebeu essa necessidade de uma atenção especial em relação à drenagem nessa região e, portanto, o Dmae tem feito, estamos avançando nisso”.

 

Bairro São Geraldo ainda tem galhos pelas calçadas após o temporal do dia 16 de janeiro. Foto: Luiza Castro/Sul21

No Bairro Farrapos, alguns quilômetros ao norte do São Geraldo, a situação de alagamentos é semelhante. “A situação aqui em qualquer temporal, ou até uma chuva um pouco maior, sempre é bem dramática”, relata Rodrigo Schley, morador do bairro e integrante do Comitê Popular de Luta do Bairro Farrapos.

Schley explica que os alagamentos são um problema histórico no bairro, mas a construção da Arena do Grêmio, com retirada de vegetação que absorvia, em parte, o impacto das chuvas, agravou a situação. “Aqui tem muitos banhados e aquela região era uma área verde, onde não tinha nenhuma construção, absorvia boa parte da água. E essa água passou a ficar represada dentro do bairro. Como não veio nenhuma obra de infraestrutura que desse conta, não houve nenhum investimento na área de drenagem, quem acaba sofrendo mais são justamente as comunidades mais pobres”.

O Dmae confirma que a construtora OAS deveria ter realizado obras de infraestrutura na região em contrapartida às obras da Arena. Conforme o diretor-geral do departamento, Maurício Loss, o órgão irá assumir a execução das obras: “A Procuradoria (do Município) sempre veio ao longo desses anos tentando de todas as maneiras cobrar a execução dessas obras, o que, de fato, não vem ocorrendo. Então, isso agora está passando para a responsabilidade do Dmae. Nós vamos fazer o levantamento dessas obras que não foram feitas, nós vamos executar e a Prefeitura vai cobrar judicialmente da Arena, da OAS”.

 

Região dos bairros Navegantes e Farrapos enfrentou situações delicadas nas chuvas de 2023, sem que as casas de bomba conseguissem escoar a água. Foto: Luiza Castro/Sul21

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora