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19 de outubro de 2023
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19:39

Ocupação Jiboia: Ação para derrubar muro em risco tem protagonismo do Choque e violência

Por
Duda Romagna
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Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Na manhã desta quinta-feira (19), a ocupação Kasa Okupa Cultural Jiboia foi alvo de uma ação da Prefeitura de Porto Alegre que cumpria decisão judicial para a derrubada de um muro que separava o terreno da ocupação do Museu Joaquim José Felizardo, na rua João Alfredo, Cidade Baixa. Após a demolição da estrutura, que segundo o Município corria risco de desabamento, as máquinas seguiram e derrubaram parte da moradia, o que provocou revolta em quem ocupava a casa e levou a uma resposta truculenta do Batalhão de Choque da Brigada Militar (BM). 

 

A ocupação acolhe mulheres, crianças e pessoas LGBTQIAP+ em situação de vulnerabilidade social. Foto: Luiza Castro/Sul21

No início de outubro, as pessoas moradoras foram surpreendidas com uma escavadeira derrubando parte da estrutura. Para barrar a demolição, subiram no muro, o que obrigou o cessar das máquinas. Parte da moradia das pessoas acolhidas pela ocupação, especialmente mulheres, pessoas LGBTQIAP+ e crianças, que tinha parede junto ao muro, foi comprometida, expondo pertences à chuva.

Ainda no dia da demolição, moradores do espaço realizaram uma reunião com representantes da Secretaria Municipal de Cultura, onde dizem ter acordado com o secretário Henry Ventura uma pausa na derrubada. Uma nova reunião com a Secretaria aconteceria amanhã, de acordo com as pessoas moradoras, que foram novamente surpreendidas pela ação.

 

Estrutura da moradia foi demolida após derrubada do muro. Foto: Luiza Castro/Sul21

Durante a ação da Prefeitura, houve dois momentos de repressão da BM contra as pessoas moradoras que aguardavam na rua. O primeiro, por volta do meio-dia, aconteceu após manifestantes barrarem a entrada da retroescavadeira. O Batalhão de Choque agiu com bombas de efeito moral. A vereadora suplente Atena Beauvoir Roveda (PSOL) pisou em uma das bombas durante a ação policial, que explodiu na hora. Ela foi encaminhada para o Hospital de Pronto Socorro pelo SAMU.

Já o segundo ataque aconteceu durante a tarde, em resposta à reação das pessoas moradoras à derrubada das estruturas da casa, após a finalização da demolição do muro. Em choque e sem saber se seus pertences haviam sido perdidos, algumas delas forçaram o portão, entrando na área da ocupação. Quem entrou no local foi perseguido por policiais militares.

Diversos manifestantes foram feridos por balas de borracha, bombas de efeito moral e spray de pimenta. Duas pessoas foram derrubadas por policiais e agredidas na saída do portão. A BM formou um cordão barrando a passagem dos manifestantes. Uma mulher moradora do prédio vizinho à ocupação estava levando o lixo a caminho de uma parada de ônibus quando foi agredida e detida pela força policial.

O advogado Rafael Madeira da Veiga, assessor parlamentar que acompanhava a ação, auxiliou a mulher presa. “O policial obstruiu a passagem dela, empurrou e ela reagiu à agressão. Em seguida ela foi conduzida até dentro do ônibus do Choque. Tinha a presença de uma mulher e em vez dela fazer abordagem, o soldado homem fez. Ela não conseguia se comunicar com as pessoas que estavam do lado de fora, então eu fui acompanhar o registro do termo circunstanciado para garantir que não tivesse exageros na ocorrência, e ela foi liberada. Ela tem marcas da algema e da torção no braço. Eles disseram que foi necessário o uso de uma força proporcional para conter ela”, explicou.

 

Moradora das proximidades foi detida após passar pela barreira do Choque para levar o lixo. Foto: Luiza Castro/Sul21

Após a formação de um cerco na rua, manifestantes se dispersaram. Uma pessoa foi presa na rua José do Patrocínio, acusada de agressão ao patrimônio enquanto fugia da repressão.

 

Prisão ocorreu em outra rua da Cidade Baixa. Foto: Luiza Castro/Sul21

De acordo com o subcomandante do 9º BPM, Major Riccardi, que coordenou a ação, a polícia foi alvo de hostilização pelos manifestantes que não aceitaram o pedido de saída do local. “Quando eu vi, estava bastante cheio aqui, com hostilização, principalmente para a Brigada Militar, como se nós fossemos assim… Nós estamos aqui para garantia da ordem. Eles não permitiram o acesso da máquina e foi feita mais uma vez uma verbalização, da minha parte, como o comandante da operação, para que se retirassem. Então foi montada a linha do nosso pelotão de controle de distúrbios. Foi feita a utilização do gás, que é o primeiro instrumento de uso da força”, afirmou.

“Depois começou a hostilização com apedrejamento contra o efetivo do Batalhão de Choque, então foram utilizadas todas as técnicas de controle. Eles invadiram um perímetro isolado por nós. Eu mesmo fui objeto de hostilização física, a tropa teve que agir mais uma vez”, declarou, sobre a segunda ação de repressão. Segundo ele, um policial foi ferido por uma pedra.

 

Brigada Militar utilizou gás de efeito moral, spray de pimenta e cacetetes para dispersar manifestantes. Foto: Luiza Castro/Sul21

A decisão judicial de ontem (18) exige a reconstrução imediata da estrutura, o que deve ser feito na sexta-feira (20). “Após a derrubada, caberá à municipalidade providenciar a imediata reconstrução do muro do imóvel lindeiro, em material original ou similar, e, ainda, acompanhado de responsável técnico para tanto”, diz o documento. 

Para o procurador-geral do Município, Nelson Marisco, as pessoas moradoras não se dispuseram ao diálogo e a iminência de queda do muro justificou a ação. “Nós reiteramos pro juiz que especialmente os engenheiros da Secretaria da Cultura nos disseram que o muro iria ruir dependendo da quantidade de chuvas”, disse. 

 

Pessoas moradoras assistiram ocupação ser demolida do lado de fora do Museu. Foto: Luiza Castro/Sul21

Marisco ainda afirmou que a estrutura da moradia da ocupação pode ter piorado o estado do muro. “Foi feita a derrubada de muro e, por conta disso, as paredes que estavam apoiadas no muro, que talvez eram a causa da ruína do muro, ficaram bambas, o que implicou na necessidade de demolição delas.”

“Muito provavelmente, diante de tudo que está acontecendo, talvez o Município tenha que tomar uma atitude mais drástica, dependendo da situação, por conta desse conflito de hoje”, completou. Questionado sobre que atitude poderia ser essa, ele sugeriu a desapropriação do imóvel onde fica a ocupação.

Somente por volta das 16h as pessoas puderam voltar ao local da ocupação, onde encontraram destroços de tijolos e madeiras. A coordenadora estadual do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM-RS), Ceniriani Vargas da Silva (Ni), relatou que a maior preocupação era com o retorno das pessoas ao espaço. “Primeiramente a Procuradoria-Geral do Município dizia que eles não tinham direito de retornar para ali, porque era uma propriedade privada, que não era deles, sendo que a ocupação já existe há mais de dois anos, já tem água e luz no nome das pessoas que moram ali”, explicou. 

Para ela, a ação implicou na destruição de um espaço de acolhimento construído pela comunidade. “Ficou muito evidente aqui todo o processo de violação de direitos, é uma ocupação que tem uma característica, de ser de mulheres e pessoas trans, LGBTQIAP+, que é uma população que já vive uma série de violências e de vulnerabilidades. Agora sofrem mais esse ataque por parte da Prefeitura. Estão construindo um espaço de resistência importante para garantir sua própria existência também, é muito doloroso ver as pessoas entrando ali e chorando. Estão tentando se proteger, acho que isso é muito simbólico. Estavam construindo um lugar de proteção, o mundo inteiro persegue eles, estavam construindo um lugarzinho seguro para ficar”, finalizou.

Confira imagens do que restou da moradia:

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

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